domingo, setembro 24, 2006

Da violência da santa mensagem


No Correio da Manhã de ontem, o Bispo D. Manuel Clemente quis ser, literalmente, mais papista que o Papa. Quando Bento XVI procura a todo o custo retratar-se das suas afirmações sobre a linguagem agressiva do Alcorão, eis que sai a terreiro o bispo Clemente para nos explicar que o livro sagrado do Islão está pejado de violência.
Se Bento e Clemente assim avaliam o Alcorão, o que dirão da Bíblia? Aí, um Deus manda um pai matar um filho (Abraão e Isaac), ordena que Moisés puna com a morte os idólatras do bezerro de ouro, afoga soldados egípcios nas águas antes abertas para os judeus passarem, etc., etc. Na cena mais violenta e destrutiva de todas, Iaveh (Deus) torna-se no maior genocida da História, ao exterminar não apenas quase toda a humanidade como quase todas as inocentes espécies animais quando causa o Dilúvio. (Olha se a Quercus existisse nesse tempo?) Safaram-se uma mão cheia de seres humanos e um casalinho de cada espécie animal.
O que a avaliação de Bento XVI e D. Clemente querem ignorar é que tanto a Bíblia como o Alcorão (e podíamos juntar a estas obras o Mahabarata, os Upanishad, etc.) são textos religiosos seminais, histórias de criação e de destruição, textos míticos que lançam exemplos, modelos e explicações religiosas. Nada disto existe, tudo isto é triste, tudo isto é metáfora.
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(Quadro de Francis Danby, intitulado O Dilúvio.)

sábado, setembro 23, 2006

Bendita Ministra!

Ao fim do carro de anos que já levo desesperava por ver levar à efectividade, uma vez que fosse, uma determinação do governo que me alegrasse o espírito e, pensava já, que antes dos meus ossos serem amortalhados a bem da higiene ou lá do que é, não teria o contento de assistir a uma decisão do executivo da qual se pudesse exclamar: benza-te Deus.
Pois é verdade, esses dias de amargura terminaram graças à determinação, codícia e pertinácia duma ministra, que até à data (de ser ministra entenda-se) era quase desconhecida e hoje já justifica uma estátua roubando o lugar a Camões ou, no mínimo, um lugar no Panteão Nacional.
Mas perguntam agora os amáveis leitores: afinal que resolução foi essa? Respondo eu, o fim dos exames nacionais de Filosofia que serviam para o acesso a 357 cursos de ensino nacional. Bendita Ministra!
A partir de agora quem quiser cursar Filosofia, mera hipótese académica, pode fazer a prova de acesso de corte e costura. Bendita Ministra!
Penso que estejam em preparação, segundo me confidenciou fonte bem informada, outras acções em complemento como: para os futuros advogados provas de acesso em bricolage. Bendita Ministra!
Para aqueles que pretendem acessar (vá lá uma brasileirice, pois para a admissão ao curso de língua portuguesa vai passar a ser necessário correr 100 m em 20 segundos) ao curso de medicina é fundamental o sétimo ano de praia (sendo facultados aos alunos do interior o sétimo ano de praia fluvial ou piscina) ou, em opção (mas só com o aval das instituições para as quais pretendem concorrer), em turismo. Bendita Ministra!
Para os que querem frequentar História é imperioso que sejam destros no jogo do pião. Bendita Ministra!
Não vou continuar porque legislação regulamentar vai ser despachada a preceito e os mais curiosos, certamente, estarão em pulgas para a compulsar. Bendita Ministra!

domingo, setembro 17, 2006

A imensa falibilidade dos infalíveis


O Papa veio assumir, de forma pouco subtil, que não era um teológo ecuménico e que o relativismo cultural para ele nã passa de batatas. Segundo Bento XVI, o Alcorão contém uma energia violenta (e exemplos de violência) que consegue mobilizar os fiéis muçulmanos para o acto destrutivo. O Papa não disse literalmente isto; mas era este o significado das suas palavras. O Vaticano explicou que as palavras do Homem Infalível tinham sido mal interpretadas. Se sim(?), onde pretendia chegar o xanto homê ao referir-se à "violência do Alcorão"? Para quê comentar de forma tão negativa o Livro Sagrado de um povo que está tão fragilizado e que está fragilizado a tantos níveis?
Como retaliação argumentativa, o Islão podia também demonstrar que a Bíblia promove o infanticídio (ver: imolação de Isaac), a poligamia, a mobilização das crianças para a guerrs (David e Golias). Lendo os Génesis, até podemos concluir que a Bíblia recomenda fortemente o consumo de maçãs, o que podia conduzir à indignação dos produtores do dito fruto e de muitos merceeiros.
Uma coisa Bento já conseguiu (não, não é o Bento treinador de risco ao meio; é o senhor de branco): fez aumentar a animosidade religiosa em Estados multi-religiosos em que o Cristianismo é minoritário (Indonésia, Palestina, etc.) e colocou os fiéis que aí vivem numa situação de risco desnecessário.
(O quadro, fabuloso!, é Estudo segundo o Retrato d Papa Inocêncio X de Velazquez, de Francis Bacon, 1953. Ver mais retratos papais de Bacon aqui.)

quinta-feira, setembro 14, 2006

Ensino primário de gastronomia ou ensino primário com apetrechos de gastronomia?

Todos estamos conscientes que pela província fora, em particular no interior, por causa do decrescimento de natalidade, muitas escolas primárias encerraram e outras vão fechar as suas portas. Isso significa que os alunos de algumas das aldeias convizinhas se tenham de deslocar para as sedes do concelho. Este é o caso de Sernancelhe.
Até aqui não existe qualquer motivo de espanto. A admiração vai subindo de tom quando somos informados que os alunos não só têm de se deslocar à vila, mas, e isso é muito maior nota de surpresa, têm de se acompanhar de utensílios para a deglutição do almoço, ou seja, na bagagem da escola ao lado dos manuais e cadernos, viajam pratos e talheres.
Porém, o maior motivo de estupefacção é o presidente da edilidade, do qual não recordei o nome por via de algum processo que Freud descreveu, vem justificar o improcedente atestando que esta é uma actividade pedagógica. Pedagógica, exclamamos nós, será que temos aqui um curso primário de gastronomia?

quarta-feira, setembro 13, 2006

Bem prega Frei Tomás...

Al Gore foi Vice-Presidente dos Estados Unidos. No período em que exerceu funções, ou seja, em que era o segundo homem mais poderoso dos Estados Unidos, a Administração Americana (A.A.!) não ratificou o Tratado de Quioto nem tomou medidas sérias para diminuir os elevadíssimos índices de poluição da sua pesada indústria. Gore escreveu agora um livro sobre ambiente, e o livro deu um filme de enorme sucesso, e o mundo descobre que o ex- vice- de Clinton é um consciente e fervoroso ambientalista. Mas, se Gore nada fez de significativo quando era o segundo homem mais poderoso e influente da América, o que vai fazer agora com apenas um livro? Dá agora conselhos e directivas quando pouco fez no período em que estava na Administração. Há para isto um provérbio português que reza assim: "Bem prega Frei Tomás; faz o que diz, mas não faças o que ele faz."

segunda-feira, setembro 11, 2006

11 de Setembro

Escrevo este texto para assinalar os 115 anos da morte duma figura ímpar da cultura nacional: Antero de Quental. O impulsionador da Questão Coimbrã, das Conferência do Casino, o autor das Tendências Gerais e das Odes Modernas, tendo posto fim à vida em São Miguel, ilha atlântica que o viu nascer.
PS Não estavam à espera que fizesse um post sobre aquele assunto que toda a gente fala, lê e televê, ou estavam?

domingo, setembro 10, 2006

Este é o post nº 200

Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Este é o post nº 200. Era para escrever isto duzentas vezes mas cansei. Já que passamos o 100 em branco aqui fica este em letra redonda.

Psicanálise para o povão

Já desde há muito que ando para falar dum programa que, de vez em quando (quando zapo, não sei se esta formação sintática está correcta, de zapping, quem souber mais do que eu que me diga), nas minhas noites de insónia acompanho entre o divertido e o estupefacto. Chama-se a peróla: Em que posso ajudar. O programa passa na tv record que, ao que sei (se alguém tiver melhores fontes que se acuse) é propriedade da IURD.
Os psicanalistas de trazer por casa, que se auto-denominam pastores (embora eu nunca lá tivesse enxergado gado cabrum, ovelhum ou gadum), tem todos o ar de vendedores de carros em 2ª mão, cabelo pastoso e olhar indefinidamente perdido nas profundezas do Senhor, e falam dum modo pausado e articulado que deve fazer parte dum curso (provavelmente em 12 lições) que os prepara para esta aventura psicanalítica nos mídia (parece que o termo correcto é este, foi o peixe que me venderam e eu vendo-o ao mesmo preço, grátis, mesmo grátis, como as chamadas da PT que, por acaso, ainda podiam ser mais grátis).
Estava já me esquecendo que os citados guardadores de gado não só tratam de doenças do espírito como também do corpo, embora se tenha de passar por um consultório a que eles chamam templo maior (não me perguntem os preços das consultas, nem se usam medicina alternativa porque eu também não sei, o que já vi, e posso atestar, é que emborrascam as pessoas com uns óleos que não sei se são de praia, qual o factor, nem se protegem dos ultra-violetas. Recomendo que leia o folheto antes de usar).
Tudo isto se passa num estúdio de televisão, o que nos leva a pensar se não se trata dum filme em que os actores são péssimos, os cenários deprimentes, a história de nos levar ao bocejo, o trama verdadeiramente inexistente, a acção igual a um dos filmes (dos piores) do Manuel de Oliveira e o conteúdo geral inefável.

quarta-feira, setembro 06, 2006

EM DEFESA DA HONRA


Há pr'àí, na blogosfera nacional, um blogue que eneveredou pela ofensa e pelo ataque ignominioso para chamar a atenção dos leitores. O blogue de que falo intitula-se amo.te coelho da burra - nome pateta que se harmoniza com o vil ataque que fez ao Tonel de Diógenes. Ora, este blogue com pretensões humorísticas recorreu à prática do parasitismo na blogosfera, um fenómeno já cirugicamente analisado por Pacheco Pereira, para aumentar o número de leitores. E quem decide parasitar? Um blogue que conta com mais de mil leitores diários: o Tonel de Diógenes.
amo.te coelho da burra atacou o Tonel acusando-nos de sermos petulantes, presunçosos e intelectualóides. E isto por os nossos posts versarem temas artísticos, filosóficos e literários. Como diria um ex-ministro: É preciso topete! Metam-se os coelhos e os burros na sua vida, cresçam mentalmente e depois venham cá dar-nos lições.
No referido post, o Sr. Coelho decide troçar com o mui nobre exercício da interpretação da arte, apresentando uma leitura em tom de chacota da fabulosa peça mostrada em epígrafe: A Impossibilidade Física da Morte na Mente de quem está vivo, de Damien Hirst. Foi feio, foi filisteu, foi acéfalo, foi coelho, foi burro!

terça-feira, setembro 05, 2006

Galo de Barcelos ao Poder ou, por outras palavras, como será possível acabar com os jesuítas da bola

A verdade é que me estou cagando para que lado pende a balança da justiça desportiva, isto porque considero que não será despiciendo atestar que o direito é apenas um e, por esse motivo, aquilo que os tribunais civis consideram, dum modo, não pode ser derrogado, de outra forma, por qualquer outro tipo de instância jurídica. Ao verificar-se esse caso estamos perante um fenómeno de excepção e de impunidade que, num estado democrático, é de todo odioso.
Na verdade isto só me lembra o tempo em que os clérigos não podiam ser julgados pelos tribunais comuns e só as instâncias eclesiásticas os podiam punir. Como sabem isso acabou já lá vão mais de 200 anos e, por essa razão, só nos apetece desabafar: anda cá marquês que eles andam aí outra vez.

domingo, setembro 03, 2006

'Book Cell', de Matej Krén


Vi ontem no Centro de Arte Moderna (CAM) da Função Calouste Gulbenkian uma obra de arte contemporânea que deslumbra os mais cépticos e impressiona os mais insensíveis. Como acontece com toda a arte, a experiência estética só funciona quando é experienciada, quando temos o corpo a corpo com o objecto artístico. Tal significa que a minha descrição não dará conta da emoção sentida quando somos envolvidos (neste caso, literalmente envolvidos) pela obra de arte em causa.
A peça em questão, intitulada BookCell, é da autoria do artista checo Matej Krén e está plantada no átrio do CAM, ao acesso de todos (a fotografia em epígrafe veio daqui; ver mais fotografias aqui, aqui e aqui). Trata-se de uma estrutura de forma hexagonal que se ergue a cerca de três metro do solo e cujas paredes são formadas por 50.000 livros empilhados. Duas paredes opostas da “célula” são abertas, o que permite que visitante entre na estrutura e a atravesse, percorrendo a curta passadeira que liga em linha recta as duas entradas. Lá dentro vem o deslumbramento, a VERTIGEM! É que, no chão e no tecto, a área que ladeia a passadeira é coberta por espelhos. O jogo de espelhos cria assim a ilusão de que o espaço sob os nossos pés e sobre as nossas cabeças se estende até ao infinito, sendo este abismo ilusório delimitado pela parede de livros. A sensação é, de facto, IMPRESSIONANTE! A tal ponto que assisti a uma altissonante turista americana (perdoem o pleonasmo) recusar-se categoricamente a entrar na estrutura e a atravessar passadeira.

sexta-feira, setembro 01, 2006

A prepotência asquerosa da FIFA

Duas brevíssimas notas de espanto e asco perante a atitude prepotente e ilegal da FIFA - essa multinacional encapuzada, que gera milhões de euros e enche certamente os bolsos dos seus dirigentes - no âmbito do "Caso Mateus".
1º A FIFA mantém, com a complacência de todos, a atitude ilegal de proibir (sob a mais dura ameaça de represália) os clubes de futebol de recorrerem, quando insatisfeitos com uma decisão contra eles tomada, para os tribunais civis. Por outras palavras, a FIFA acha que está acima da lei! Extraordinário! Mas mais extraordinário se revela o facto de os Estados aceitarem esta regra da organização que tutela o futebol mundial.
2º A FIFA ficou muito descontente por o Gil Vicente ter recorrido aos tribunais civis ao se achar injustiçada no "Caso Mateus". A punição que a FIFA pondera aplicar não incidirá sobre o Gil Vicente mas sobre todas as equipas portuguesas, que podem ser excluídas das competições europeias. Embora esta atitude seja um bluff da FIFA para pressionar o GV a retirar a acção judicial que este interpôs, a ideia que está na base da ameaça é de um absurdo jurídico e de um autoritarismo clamorosos. Mal comparando, é como se um alemão assassinasse um cidadão norte-america e, como punição pelo crime, os EUA arrasassem toda a Alemanha. Mas como é que esta gente da bola se permite alarvidades destas e fica impune?