segunda-feira, março 26, 2007

Honestidade e Tótózismo

Catalisado por um post da senhora flor dos alpes que, a respeito dum questionário acerca de ser honesto, reflectia, com bastante a propósito, que havia uma grande diferença entre ser honesto e ser totó, decidi fazer algumas considerações acerca deste assunto.
Do ponto de vista do fenómeno puro podemos dizer que o cúmulo da tótózice é dizer ao nosso (a) melhor amigo (a) que fomos para a cama com a (o) namorada (o) dele (a) – para os mais materialistas, um caso análogo seria encontrar um bilhete premiado da lotaria no meio do chão e pôr um anúncio no jornal à procura do seu verdadeiro proprietário (para os restantes casos análogos peço ao leitor que envide esforços através da sua capacidade imaginativa). Entre esta categoria e a honestidade pura e simples deparam-se-nos toda uma plêiade de graus.
Um deles é dizer a uma nossa amiga, que nos conta toda contente que acabou de fazer um novo penteado porque estava farta do seu antigo visual, que achamos horrorosa esta sua nova faceta. No mesmo sentido, tecer considerações sobre namoradas (os) dos (as) nossos (as) melhores amigos (as) comporta sempre um risco desnecessário. Se a cachopa (o) não presta, de alguma forma o próprio chegará a essa conclusão, senão chegar é fugir como o diabo da cruz de lho dizer. Pode parecer que é um gesto de amizade, mas é tótózismo no seu quase mais puro estado.
Já, pelo contrário, mudar pequenos defeitos dos nossos amigos ou íntimos, desde que lhe não digamos à puridade que não os suportamos mais, têm toda a legitimidade e serve-nos, ainda, para poder atestar que usamos de toda a franqueza porque pensamos existir entre nós uma sólida amizade que resiste com facilidade a estas pequenas questiúnculas. Além de se ser honesto ainda se fica bem visto, é o chamado dois em um.
Entre estes dois extremos deixo ao cuidado do leitor, que sei que é inteligente e bem formado, a liberdade para decidir.

domingo, março 25, 2007

50 anos depois da assinatura do Tratado de Roma, para onde vai a Europa?

"O maior perigo para a Europa é o cansaço", profetizava Husserl, em 1936, em A Crise da humanidade europeia e a filosofia. De facto, se olharmos para as figuras/referências que se sentam hoje, à mesa Europeia, em Berlim, apenas veremos personagens desgastadas e destituídas de qualquer espírito europeu, sem a mais pequena ideia do que deva ser a Europa. Veremos, por exemplo, o fracassado Blair, que bate em retirada, curvado com o peso da derrota militar e política, na sua louca aventura que se chama Iraque. Talvez mais do que essa derrota militar e política, o que torna um velho acossado e medroso é a sua derrota moral, sobretudo depois das declarações e denúncias do Sr. Blix. Poderemos ainda ver, por exemplo, o não menos derrotado Chirac, que, por de trás do de um savoir-faire francês, não consegue ocultar o facto de ser um cadáver político repudiado pelos seus próprios sequazes. Lá estará com certeza, o garboso Sr. Barroso, fotógrafo das Lages, na verdade, o melhor vendedor da ideia de Europa ou de outra coisa qualquer. No pedestal, lá estará a Senhora Ângela, chanceler alemã, democrata-cristã, que tem tanto de cristã como Mahmoud Ahmadinejad. Oriunda da ex-RDA, a Senhora Ângela, apesar de tudo, é a única Chefe de Estado que tem uma ideia de Europa, ideia que, no entanto, custou a tragédia da Bósnia e da Croácia e sabe-se lá ainda o que vai mais custar. De gente anónima, como Zapatero ou Sócrates, nem vale a pena falar. A Europa é constituída por dirigentes politicamente medíocres, sem uma única ideia de Europa capaz e séria na cabeça. A Europa está velha e cansada e é a necessidade que une esta gente. Tal como afirma Viriato Soromenho Marques: "os europeus só seriam capazes de se unir no dia em que tivessem a lucidez de reconhecer o peso da necessidade". Só que esta necessidade, está longe daquela de que falavam Monet e Schuman. Ao contrário daquilo que V.S.M. pensa, esta necessidade não tem um sentido épico, mas sim um sentido trágico, sem glória, ou seja, trata-se de uma necessidade de sobreviver perante o acantonamento a que se encontra votada. A ideia de Europa que passa naquelas ufanas cabeças é uma mescla de necessidade desesperada, inveja e medo. Medo de uma globalização cada vez mais feroz e de uma anti-globalização crescente, também não menos feroz, e cujo remédio adoptado parece ser o neoliberalismo, com efeitos secundários mortais para o doente. Inveja do império norte-americano, do seu modo de vida, da sua força militar (como transparece, sem querer, o ex-primeiro-ministro francês, o neoliberal, J. Rifkin, no seu livro que tem, por acaso, um sugestivo título: O sonho Europeu. Como a visão europeia do futuro vem eclipsando o Sonho Americano). De uma União Europeia assente na necessidade deseperada de sobrevivência, no medo e na inveja, não pode resultar nada de bom.

Em suma: 50 anos depois do Tratado de Roma, a Europa precisa de desembaraçar-se deste espírito mesquinho e tacanho e encontrar uma política alternativa ao neoliberalismo e imperialismo.

sábado, março 24, 2007

Direita torta


Was the Right ever right?

segunda-feira, março 19, 2007

Quequinhos ou labregos?

O Conselho Nacional do PP acabou com gritos, vaias, insultos e palavrões. Ofenderam a Mi-Zé Nogueira Pinto ('tadinha), gritou-se repetidamente "É uma vergonha! É uma vergonha!" e o diabo a quatro. E estes paquicóides que se dizem o último bastião da elegância e da esmerada educação do país! E que são conservadores e chiques.
O PP só demonstrou com isto que é um partido a brincar. E há quem ainda o leve a sério! E há quem ainda vote nele! E há quem ainda acredite que eles defendem ideias com pés e cabeça! E quem não perceba que o grupelho é apenas um trampolim para os seus cabecilhas darem um ar da sua graça nos media! Morra a burguesia, morra. PIM.

terça-feira, março 13, 2007

Carta aberta aos socialistas do meu país


É certo que, desde há muito, algumas posições políticas nos separavam, mas nunca esta separação foi tão longe como agora e será, certamente, irreversível. Estivemos, desde sempre, do lado da democracia e dos seus valores, da solidariedade, da tolerância, do diálogo, da justiça social. Hoje, tudo que nos unia já não existe. Pelo menos é o que tem mostrado quer a prática quer as intenções dos socialistas ou, para ser mais preciso, o aparelho partidário. Estes valores sempre foram queridos às multidões de homens e de mulheres, valores pelos quais se bateram muitos dos vossos companheiros, com muito sacrifício. Quantos, pela defesa intransigente desses mesmos valores, não foram vítimas dos maiores vitupérios? Como pode ser possível que um partido com esse passado de luta, de história gloriosa, que lutou contra o fascismo e que nunca pactuou com regimes totalitários comunistas, militaristas, etc., venha agora vergar-se aos pés de outras formas de despotismo? Como pode ser possível que um partido que sempre defendeu a divisão democrática do poder, venha agora, pela máquina partidária, procurar a todo o custo concentrar todo o poder, num só homem, no líder do vosso partido?
Como pode ser possível que o partido, verdadeiramente fundador do regime democrático, que sempre procurou dignificar a Assembleia da República, venha agora, transformar a A.R. num mero órgão subserviente, sem opinião, que se limita a dar o seu aval acrítico às politicas injustas, discriminatórias do governo? Como pode ser possível que os tradicionais inimigos da democracia venham agora, num coro crescente, em discursos laudatórios, afirmar que o governo socialista é um governo corajoso? Onde estão os meus amigos socialistas, que se reclamavam herdeiros do pensamento de um José Fontana, de um Jaime Cortesão, de um António Sérgio? Não quero acreditar que se tenham transformado em funcionários dos interesses da economia ultraliberal. Receio, no entanto, e a prática deste governo parece confirmar, que o socialismo se tivesse transformado num instrumento de gestão da economia ultraliberal. Este socialismo, que se diz moderno, tem revelado, ao longo destes dois anos, uma verdadeira insensibilidade social, piorando a vida das classes mais desfavorecidas da sociedade, negando-lhes o direito à saúde, à justiça, à segurança, e, muito em breve, à educação. Pelo contrário, tem revelado, ao longo destes dois anos, apadrinhar e favorecer os sectores mais exploradores da sociedade portuguesa, aqueles que defendem as leis extremistas e terroristas laborais, aqueles que, sem pátria e sem aviso prévio, deslocam, a seu belo prazer, os capitais para outras partes do mundo.

Caros socialistas, hoje, ainda estão a tempo de recuperar o capital de esperança que os portugueses vos legaram, ainda há tempo de dignificar e respeitar a memória dos vossos antecessores socialistas. Ainda vão a tempo de salvar o partido e a democracia. Depois, não nos venham dizer: “não sabia”, “nunca ouvi falar”, “apenas, cumpri ordens”, etc. Amanhã, pode ser tarde demais.

domingo, março 11, 2007

Aventuras de José Salazar no reino dos liliputianos, perdão, Sócrates e Portugal

Na edição de sábado do P alertava Vasco Pulido Valente, na sua crónica hebdomadária, para o perigo de o nosso engenheiro primeiro vir a coordenar em pessoa todas as polícias desta república de setenta léguas. Não se tratando só da GNR, PSP (para nos fiscalizar as multas de estacionamento?), PJ e SEF, esta medida vai mais longe e abrange ainda as polícias secretas: o SIRP que coordena o serviço de informações e segurança (SIS) e o serviço de informações estratégicas de defesa (SIED). Lembrava-nos ele que Salazar despachava todos os dias com o director da PIDE, Caetano não o fazia e foi um ar que lhe deu.
De facto, se existem alguns perigos reais que ameaçam as democracias ocidentais, não se percebe que um país como o nosso, que ainda não foi atentado pelo grande papão, tenha necessidade de uma coordenação das secretas. Os desígnios que movem a eminência parda da governação em Portugal ainda estão por esclarecer, se é que alguma vez vão ser esclarecidos. O que é fora de dúvida é que o clima bigbrotheriano nos vai apertando o cerco e, como dizia recentemente Raimundo Lúlio, o nosso Kim Il Sung vai, paulatinamente, preparando a sucessão no filho.
Depois da campanha ideológica do culto de imagem, segue-se a fichagem exaustiva de cada um de nós com relatório diário ao presidente do conselho. Desde aqui vos advirto: muito cuidadinho com as vossas opiniões, pois agora não são só os satélites americanos que nos vigiam.

sábado, março 10, 2007

"da infância ao poder" ou a Coreia do Norte, afinal, está aqui tão perto.


Em todas as paragens dos autocarros, lá está o cartaz do Grande Lider, Kim Sung III de Castelo Branco, Debaixo do Astro-rei, o sol, símbolo do absolutismo, O Glorioso Lider revela-se com um desígnio desde a infância, uma missão, "da infância ao poder".
Em breve, mais cartazes proliferarão, não só nas paragens dos autocarros, mas nos centros de saúde, nas escolas, nos edifícios públicos e privados. Os métodos da Coreia do Norte chegaram a Portugal.
Enfim, o mito, o homem e um desígnio ... a Coreia do Norte, afinal, aqui tão perto ....

segunda-feira, março 05, 2007

Fenomenologia do "passou bem"

Freud ao tentar penetrar a idiossincrasia do ser humano esqueceu-se dum importante indicador que, na nossa modesta opinião, é o mais significativo de todos. Não podemos, nem queremos, obliterar a importância que têm os sonhos, os actos falhados, a associação de ideias, etc., na prospecção das profundas da consciência. Porém, nada nos indica com mais acuidade a personalidade de determinado indivíduo do que a forma como ele nos aperta a mão.
Neste sentido, temos que o cumprimento vai da chamada “mão mole” até ao aperto decidido (chamo-lhe assim à falta de melhor termo), através dum variado número de graus. Convém, desde já, chamar a atenção para não confundir o “passou bem” decidido com o aperto de mão com força, pois, como mais à frente veremos, são espécies diferentes.
Antes de entrarmos na análise das diferentes índoles anunciadas, temos que ter em conta a distância a que o aperto de mão é dado. Nessa ordem de ideias, a problemática das distâncias sociais não nos parece despicienda, e, por esse motivo, dois indivíduos de sexo diferente no primeiro contacto têm tendência a um maior afastamento.
Em relação ao “passou bem” de “mão mole”, o qual, diga-se de passagem, me irrita solenemente, ele pode ter dois significados antagónicos: ou revela o desinteresse e falta de incentivo em face de outrem; ou revela a demasiada importância em que o sujeito se tem a si próprio, estendendo a mão ao outro. Neste último caso, este cumprimento é mais sinal de “beija-mão” e como só se beijava a mão às personalidades eminentes (reis, nobres, eclesiásticos, determinadas donzelas às quais os galãs, em sinal de cortesia, osculavam uma das terminações dos membros superiores, etc.), logo, QED.
Nesta nossa análise do fenómeno é imperioso explicitar que: 1 – existe um aperto de mão decidido nos dois sexos, embora com características diferentes; 2 – o aperto de mão com força parece-nos ser sinal de uma de duas coisas: ou vontade de afirmação em face do sujeito apertado; ou uma deficiência de carácter que se pretende mascarar (em nenhum dos casos deve ser usado em manobras afectivo-sexuais).
Ainda no mesmo sentido, o aperto de mão entre dois indivíduos que têm interesses comuns, sendo esse facto reconhecido mutuamente, tem uma intensidade particular. Do mesmo modo, dois sujeitos que se sentem atraídos (sendo aqui a atracção tomada no sentido mais lato possível) também apertam a mão de modo específico. Qualquer destes tipos pode entrar na categoria do “passou bem” decidido e, neste momento, se fosse um “psicólogo sério” exibiria uma quadro ilustrativo das intensidade, nos dois sexos, do “passou bem” decidido. Como não sou, cito o final da última proposição do Tratado Lógico-filosófico de Wittgenstein: “acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio”.

domingo, março 04, 2007

Transplantes e o juramento de hipócritas


Já está disponível no YouTube duas das seis partes da reportagem "A última fronteira", transmitida há quinze dias na SIC. (Para as ver, clique aqui.) Trata-se de uma denúncia do desleixo e da falta de profissionalismo de alguns médicos portugueses, que revelaram inércia e falta de empenho na obtenção de órgãos e no transplante em doentes que se encontravam em situação clínica quase terminal. (A denúncia é assumida por médicos portugueses e espanhóis na reportagem.) A solução para estes doentes foi (felizmente e em boa hora!) encontrada em Espanha.
A peça tem para mim um interesse muito especial. É que a figura central da reportagem, Sandra Campos, é uma grande, grande amiga minha há mais de 20 anos. Mais que amiga, ela tornou-se para mim um exemplo de luta, de força e de coragem pelas situações tão adversas que enfrentou (e que não são integralmente tratadas na reportagem, claro) e pela forma como triunfou.
Bom, triunfou no plano da saúde. Noutro plano, o nosso suposto Estado social continua a negar-lhe aquilo a que ela tem direito...
Força, Sandra!

Das condições do atendimento hospitalar no Reino Unido


A edição de hoje do jornal britânico The Independent vem denunciar alegadas falhas no serviço nacional de saúde (NHS) do Reino Unido. Apresentam-se dados e apontam-se problemas no trabalho realizado pelas maternidades, embora a responsabilidade última seja imputada ao governo de Blair. A manchete da capa do jornal está espirituosa: "AVISO: Dar à luz no Serviço Nacional de Saúde (NHS) pode prejudicar a sua saúde". (Aliás, plagiaram-na aqui do Tonel, onde já tínhamos brincado com o aviso dos maços de cigarros.)
Aproveito o ensejo para reflectir: se o serviço nacional de saúde britânico é visto desta forma pelos jornais autóctones, o que diriam estes das condições dos nossos hospitais?

sábado, março 03, 2007

Imbecilidade sem fronteiras

No blogue da senhora Edelweiss, pessoa cuja inteligência e bom senso muito aprecio (o presente post não a tem como alvo nem as críticas se destinam a ela!), li uma série de medidas avançadas por colégios estrangeiros para estimular as crianças para a leitura, para convidar os pais a participarem na vida escolar e para "ajudar os pais a ajudar os seus filhos". Todas as medidas me pareceram louváveis e dignas de serem seguidas aqui em Portugal (sempre achei que, na pedagogia, as boas ideias devem ser copiadas).
Li depois um conjunto de comentários de mamãzinhas burguesas, dondocas e mentalmente estéreis (mamãs galinhas lusas) que se horrorizavam com os esforços bem intencionados desse colégios. Perceberam de forma completamente errada as medidas do colégio porque não têm alcance mental para perceberem o que está por trás dessas medidas. Criticaram, indignaram-se, horrorizaram-se porque a instituição tentava que os seus alunos fossem melhores pessoas. Imagine-se o desaforo!
Este caso é apenas uma manifestação avulsa de um dos problemas do nosso país, cá dentro ou lá fora. Gerou-se uma classe média com algum dinheiro mas alcançadíssima de inteligência. Trata-se de uma espécie de novo-riquismo mental ou de uma imbecilidade orgulhosa de ser imbecil. É isto que faz de nós o povo mais atrasado do mundo ocindental.

sexta-feira, março 02, 2007

Se Cristo nascesse depois de Marx, será que era comunista?

Estando em vias de deglutir a quantidade de proteínas equivalentes à refeição diurna, naquelas manjedouras a que, pomposamente, se chamam restaurantes, ouvi, numa mesa próxima, alguém exclamar: segundo (palavras ininteligíveis) “Platão se nascesse depois de Cristo seria cristão”.
Ainda com o som das estapafúrdias palavras a soar nos sinos auditivos, ruminava para comigo, enquanto o homem justificava a sua afirmação, e Plotino, já agora pelas mesmas razões, não seria cristão se nascesse depois de Cristo? Ah, é verdade, Plotino nasceu depois de Cristo. Mas que grande azar!
O que me irrita é esta mania de se “fazer história às arrecuas”e daí vai a razão deste título que, com a licença do leitor, vou repetir. Se Cristo nascesse depois de Marx, será que era comunista?

quinta-feira, março 01, 2007

Parabéns a você...

O Tonel de Diógenes celebra hoje o seu primeiro aniversário. Comemoro assim, simplesmente, o dia do seu nascimento, há um ano atrás. O meu desejo é que o Tonel continue... até que a voz nos doa ou o pouco tempo disponível dos colaboradores faça com que nos faltem os texto. Espero que tal não aconteça.

Camões em "O Melhor Português de Sempre"


O conceito e o princípio estruturador do programa "O Melhor Português de Sempre" desagradam-me muito. Nem vale a pena explicar largamente porquê. Dou apenas um cheirinho: como se pode comparar dois poetas com um ditador e com o pai ideológico (fratricida) do Partido Comunista Português? Que disparate! E que idiotice é essa de existir o "Melhor Português de Sempre"? O conceito recorda-nos aquela ideia brilhantíssima que o Ministério da Educação propôs de eleger o melhor professor do país. Portugal parece aquelas criancinhas que passam a vida em comparações pueris do tipo: "o meu pai é melhor que o teu! A minha bicicleta é melhor que a tua!..."
Mas o programa desta série que ontem foi transmitido revelou-se muito bom. Centrou-se em Camões. O "advogado" do Príncipe dos poetas portugueses foi Helder Macedo. Prometia! E o ex-catedrático do Kings College foi interessantíssimo. Criticou o aproveitamento ideológico que se tem feito de Camões, denunciou o "Camões das cerimónias oficiais" e o antigo ensino de Os Lusíadas fundado na dissecação sintáctica. A abordagem que fez da obra do poeta quinhentista foi fascinante. Deu-nos um Camões apaixonado pela vida, pela literatura, pelo Amor e... pelas mulheres. Demonstrou que a veia sensualista e apaixonada de Camões - amando a Pátria mas também o Outro e o Distante - contribuiu para o tornar num poeta universal e num cantor da fraternidade entre os povos. Uma lição que Camões nos deixou, segundo Helder Macedo, foi que amar a vida e amar o Amor (as várias formas de amor) são um primeiro passo para esquecermos noções como preconceito, racismo, discriminação; são um passo para amarmos a Humanidade e para construirmos um mundo melhor.