quarta-feira, agosto 29, 2007

Deixem o ALGARVE em Paz!

Os nossos hermanos, curiosamente, num momento muito oportuno, descobriram que a E.T.A. se encontrava no Algarve. O ministro da segurança interna espanhol afirmou, peremptoriamente, que esta organização escolheu o Algarve para rampa de lançamento dos seus ataques porque o Algarve se encontrava perto do país basco. Como um mal nunca vem só, em pleno Agosto, ao que parece, segundo os nossos hermanos, a E.T.A foi vista no Algarve, situação bastante desconfortável para o turismo português depois de se ter assistido, ao não menos desconfortável, caso Maddie. Se Portugal tivesse um governo de "esconjurados", mandaria os castelhanos bugiar e ordenaria que fossem tratar dos seus assuntos para a sua real casa e deixassem o nosso turismo e os nossos banhistas em paz.
( A propósito, li num jornal espanhol um artigo sobre o caso do desaparecimento da criança britânica e, nesse mesmo artigo,quando se referiam ao Algarve chamavam-no "Algarve português". Mas, há outro Algarve que não seja português?
Nesse mesmo dia, entrei num bar espanhol e deparei-me com três pipas de vinho e numa delas estava escrito "vinho do Porto", em baixo em letras mais pequenas dizia "vinho tipo Porto". Já agora, "deixem o vinho de Porto em paz!"

sexta-feira, agosto 24, 2007

"A indiferença", de Brecht



Ainda de férias, mas sem deixar de contemplar o egoísmo, a ignorância e o obscurantismo (esses cavaleiros do Apocalipse desta era pós-moderna), reencontro um poema de Brecht que tem um valor icónico (perdoem-me o paradoxo verbo-visual):



A indiferença

Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.


O poema é muito simples; não é belo nem subtil. Mas tem uma força inquestionável.

Na mensagem que veicula, desagrada-me um aspecto de fundo. Se o que aqui se problematiza é a necessidade de simpatizarmos (sympathos) com o sofrimento humano e de intervir, discordo dos termos em que a ideia é equacionada. Claro que é urgente que nos sensibilizemos com os problemas dos outros e que actuemos da melhor forma para mitigar ou acabar com as dificuldades com que os outros se debatem. Mas não pela razão que o poema de Brecht aponta: não porque um mal semelhante se pode também abater sobre nós. O que nos faz sermos melhores pessoas é procurarmos ajudar os que são vítimas da injustiça, da miséria e da opressão (que la hay y fuerte) não porque essas situações também se podem cruzar diante de nós mas por reconhecermos que elas são contrárias à dignidade humana e por termos em conta que sermos Humanos é batermo-nos pelo bem-estar e pelos direitos de todos. Assim, simplesmente e de forma altruísta.

A reflexão saiu ingénua, simplista e até desagradavelmente professoral. Mas serve também de machadada para alguém que por vezes lê este blogue e com quem falei sobre solidariedade e de intervenção social.


(Fotografia dos deslocados do Darfur.)

quarta-feira, agosto 22, 2007

Futebolite: uma das maleitas da civilização?

Desde já há muito tempo a esta parte um amigo meu, rapaz pessimista e sardónico, me vem alertando que as manifestações que se produzem em Portugal são só por motivos futebolísticos. Eu que conheço o seu fundo derrotista tento pôr alguma água na fervura: ainda existem centrais sindicais, ainda se luta por algumas ideias (eu sei que não é como era, a ideia deixou um rasto profundo no século XIX e XX, mas com a vida moderna cada vez mais vai perdendo espaço), o governo do “engenheiro” ainda suscita alguns remoques, a ecologia e a poluição no planeta ainda provocam revolta (embora quando um ex-candidato e presidente real no lugar do presidente virtual se torna o porta-voz destas preocupações, há algo que “cheira mal no reino da Dinamarca”).
Porém, nenhum argumento dele me convenceu mais, e é um facto que o moço tem armas variadas e “coloridas”, do que a experiência, ao fazer um pequeno giro turístico na cidade de Barcelona, de ver ao rebolão, misturado com algumas obras primas de Gaudi, que é, sem dúvida, um dos mais geniais arquitectos do século passado, e. g., sagrada família, pedreira, parque Guell, etc., uma passagem pelo estádio do F. C. Barcelona, com a sensação do som em directo do estádio. Sei bem que já me vão dizer que a questão é a questão da autonomia do reino da Catalunha, é de certeza, sei-o bem. Agora, quando esta passa pelo futebol só me apetece exclamar: pobre da cultura e língua catalã que, além de outras virtudes, usa xis e cê cedilhado.
Já no final dos anos cinquenta do século passado o velho Aquilino, que contava para cima de setenta anos, se queixava desta maleita no seu texto autobiográfico, "Um escritor confessa-se". Que diria ele se vivesse hoje em dia!

terça-feira, agosto 07, 2007

Chan Chan, Compay Segundo

Será que está Cuba pós-fulgencio se poderá tornar em breve numa Cuba pós-Castrista? Os cubanos já tiveram mesmo muito do mau.

A fenomenologia do medo

A palavra imaginação provém do latim, do termo imagine, imagem e esta significa representação, imagem, imitação, retrato de antepassado, sombra de morto (...).

in Dicionário etimológico da língua portuguesa , José Pedro Machado, Livros horizonte.

O pior dos medos é, de facto, “ o medo imaginário”, esse medo da “sombra de morto”. Não sendo de todo concreto, embora real, ele está sempre presente. Essa sombra avoluma-se de dia para dia, nesta terra, a que chamam (ou que já se chamou) Portugal, porque trinta e tal anos depois do 25 de Abril julgávamos que o morto descansasse em paz, mas eis que, cada dia que passa, essa sombra se torna mais concreta. É o medo de um regresso ao passado, mas já sem passado.
“A sombra do morto” é, no fundo, um cadáver animado e é, precisamente, isso mesmo, “o medo do medo”, isto é, um medo absoluto. Ter medo de um inimigo no campo de batalha é um medo natural. Mas este novo medo é um medo mais difuso. Não sabemos quando e aonde surge, porque, sendo uma “sombra de morto”, pode estar em qualquer lugar. Na ditadura as regras eram claras, a opressão estava regulamentada: todos sabíamos que não podíamos falar, sabíamos que existia a PIDE, que nos poderia escutar, falávamos baixo, mas falávamos, calávamo-nos quando se encontravam por perto, tínhamos medo (Por isso, até compreendo as afirmações aparentemente ingénuas da Senhora Secretária da Saúde). Quem, como eu, já vivenciou esse medo saberá que ele tem hora marcada, há lugares interditos e lugares não interditos, tal como quando fomos crianças. Em suma, é simplesmente medo, é o medo de perder o emprego, medo de ser preso, medo de ser torturado. Este medo era previsível e sabíamos como matá-lo, como vencê-lo.
Este novo medo é diferente, como se penetrasse até aos ossos, é um fantasma que paira sobre nós. Como poderemos matar uma “sombra de morto”? Mais opressor do espírito do que do físico é, por essa razão, mais medonho, porque é mais existencial, tal como afirma o professor José Gil, é um medo de existir, um medo profundo.
O medo passado era resultado da opressão, que feria, que humilhava, que, por vezes, matava, mas havia sempre o refúgio, a terra, a língua, os valores, uma narrativa comum. Sem identidade, não há existência e, desta forma, “A sombra do morto” devolve-nos a nossa própria sombra. No fundo, talvez já estejamos todos mortos e Portugal se assemelhe a uma pintura de Hogan.
Não vale a pena negar a existência objectiva do medo, quando subjectivamente o medo está aí, bem presente, em plenitude, na consciência. É na consciência onde tudo se passa e tudo se decide, pois é ela que determina a existência e não a existência que a determina.