Contradições das subculturas (III): We don't play polo
Os meus dois posts anteriores sobre subculturas suscitaram comentários interessantes de Woman once a Bird, Flor dos Alpes, Ramon Llull e do nosso Xor Z. Como aqui no Tonel apreciamos a polémica e o debate, opto por responder em forma de post (i.e., com destaque) aos referidos comentários (centro-me nas objecções de fundo), que não me acompanhavam na contradição que apontei a ALGUMAS manifestação da cultura negra norte-americana. A questão partia de um vídeo de Sean ‘Diddy’ Combs, em que, defendia eu, o rapper se associava ao modo de vida e aos símbolos da classe média-alta branca, dominante e maioritariamente racista.
Volto aos fundamentos da contradição. A nossa identidade pessoal e social constrói-se em torno das nossas crenças, dos nossos valores, “da nossa relação imaginária com o mundo”. O nosso modo de vida, a forma como agimos, os símbolos que adoptamos e o que vestimos são expressões da nossa identidade. Logo, a subcultura afro-americana e, dentro desta, a contracultura rap dos jovens afro-americanos adoptaram comportamentos, atitudes, símbolos, numa palavra, um modo de vida que contesta a dominação da cultura branca hegemónica. No caso das contraculturas afro-americanas jovens (rap, hip hop, etc.), a recusa e a afronta aos modelos dominantes passa pela forma como se vestem, como se comportam, etc. Na maioria dos vídeos de música rap, encontramos marcas desta cultura alternativa, por exemplo, os músicos vestem-se de forma alternativa (roupa desportiva, camisolas com capuzes, vistosos colares dourados, etc.), usam penteados ousados e recorrem facilmente ao palavrão. Os referidos vídeos de Sean Diddy Combs navegam, pois, a contracorrente da "mundividência rap" dominante.
A opção, Xor Z, não era os negros vestirem tanga e viverem em cubatas. Mas veja nos meus exemplos como eles encontraram formas de se distinguir da cultura dominante. Recordo-me ainda de uma marca de roupa produzida por jovens afro-americanos que se intitulava “We don’t play polo”: o logotipo desconstruía o símbolo da Ralph Lauren, colocando-lhe um sinal de interdição por cima (reconstruí toscamente esse logotipo na imagem em epígrafe). Não podemos negar que há uma luta simbólica (Bourdieu) entre grupos sociais e que é pela rejeição dos símbolos dos outros que nos demarcamos do seu modo de vida: o Z e eu não nos vestimos como executivos porque desdenhamos essa corja; não usamos ao peito fios a simular as placas do exército americano; evitamos ir ao McDonald também por questões ideológicas, etc. etc. Sei que, no essencial, concorda com isto.
Para responder à Frau Edelweiss, uso o mesmo argumento mas com outros exemplos. Diz-me de forma trocista que, pela minha ordem de ideias, uma pessoa de direita não compraria cravos. Pois o seu exemplo cai em saco roto se tivermos em conta que, no 25 de Abril, os deputados da direita não envergam cravos na lapela. Está a ver? Isso é simbólico. Por razões análogas, um ex-aluno meu, que nascera a um de Maio, apenas foi registado no dia dois porque o pai não queria que o aniversário do rapaz caísse num “dia de comunistas”. Muitos, muitos outros exemplos podia dar.
3 Comments:
Como hoje é dia de Natal desejo-lhe um bom Natal e a resposta segue dentro de momentos. Quer-me parecer que isto ainda agora começou.
É verdade que os grupos sociais desenvolvem estratégias identitárias com o objectivo de serem aceites pelos grupos dominantes. Contudo, esta "confusão ideológica" não é apenas uma estratégia identitária, é, sobretudo, uma forma de alienação desses mesmos grupos, ou seja, uma "contaminação" da cultura dominante. O grupo dominante desenvolve também estratégias de diferenciação para manter o grupo dominado fora da cultura do poder. Tem razão Bourdieu quando diz que há uma guerra simbólica, no entanto, são os vencedores que impõem as regras aos vencidos.Os detentores da cultura dominante não são tão passivos como Bourdieu julga. A "confusão ideológica" revela formas resignadas, submissas da cultura africo-americana face à cultura branca dominate.
Caro amigo, vai ter que arranjar melhor como contra-argumento: o meu ponto não é o símbolo em si, claro que existem símbolos e claro que influenciam o comportamento de muita gente. O que eu quero saber é se não se pode cagar nos símbolos e usá-los simplesmente porque nos apetece, sem medo de conotações e de preconceitos de pessoas com ideias muito arrumadinhas.
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