Eça ninguém quer ver!
Por obrigações do ofício, voltei a embarcar na leitura de 'Os Maias'. É sempre um prazer voltar a ler este romance, embora fique sempre com algum peso na consciência porque, enquanto leio as setecentas páginas do livro pela quarta vez, não estou ler outros textos que ainda não li. Mas o humor, o sarcasmo e a perspicácia da crítica social de Eça são suficientes para atenuar o “sentimento de culpa”.
É interessante que Eça tenha sido canonizado como o crítico “por excelência” da sociedade lusa. Como todos sabemos, a crítica eciana (estranho adjectivo!) não se alastra a toda a sociedade; incide sobre a sociedade burguesa. Ora, se ainda vale a pena ler os romances do escritor (e... oh se vale!) então é eles porque ainda fazem algum sentido no presente, ainda nos ajudam a compreender o Homem contemporâneo. E é aí que a porca torce o rabo. Com o crescimento da classe média portuguesa a partir dos anos 80, a sociedade portuguesa emburguesou sebosamente e aprofundou o seu provincianismo e a sua mediocridade mental.
Tudo isso já aparecia em Eça. Mas o que me desconsola é que esta sociedade burguesa canoniza Eça (porque quer passar por culta, embora desdenhe a arte e o saber) mas não quer ver que lá está minuciosamente retratada, na sua imbecilidade e na sua pimbalhice. Quantos Dâmasos Salcedes parolos não encontramos no quotidiano (e não só nas revistas sociais)? Quantos Palmas Cavalões? Quantos Gouvarinhos pimbas? Mas não, optámos hoje por jogar às escondidas com Eça e connosco mesmos: assobia-se para o lado e finge-se que a crítica não nos assenta, que não é connosco. Claro! Descobrirmos o que na verdade somos é a mais assustadora das revelações.
(Caricatura de Dâmaso Salcede; autor não identificado.)
É interessante que Eça tenha sido canonizado como o crítico “por excelência” da sociedade lusa. Como todos sabemos, a crítica eciana (estranho adjectivo!) não se alastra a toda a sociedade; incide sobre a sociedade burguesa. Ora, se ainda vale a pena ler os romances do escritor (e... oh se vale!) então é eles porque ainda fazem algum sentido no presente, ainda nos ajudam a compreender o Homem contemporâneo. E é aí que a porca torce o rabo. Com o crescimento da classe média portuguesa a partir dos anos 80, a sociedade portuguesa emburguesou sebosamente e aprofundou o seu provincianismo e a sua mediocridade mental.
Tudo isso já aparecia em Eça. Mas o que me desconsola é que esta sociedade burguesa canoniza Eça (porque quer passar por culta, embora desdenhe a arte e o saber) mas não quer ver que lá está minuciosamente retratada, na sua imbecilidade e na sua pimbalhice. Quantos Dâmasos Salcedes parolos não encontramos no quotidiano (e não só nas revistas sociais)? Quantos Palmas Cavalões? Quantos Gouvarinhos pimbas? Mas não, optámos hoje por jogar às escondidas com Eça e connosco mesmos: assobia-se para o lado e finge-se que a crítica não nos assenta, que não é connosco. Claro! Descobrirmos o que na verdade somos é a mais assustadora das revelações.
(Caricatura de Dâmaso Salcede; autor não identificado.)
2 Comments:
Um século de distância facilita a canonização. Como se embaciasse o espelho onde estamos retratados.
E depois, Eça é um nome que fixamos desde os bancos da escola mesmo que apenas se tenham folheado algum livro dele... ;)
não percas A Correspondência de Fradique Mendes. Passa-nos quase ao lado, mas é ainda mais cáustico. Talvez um alter-ego do Eça, este Fradique que diz viver-se bem no estrangeiro, mas sempre a sentir a necessidade de vir a Portugal "ragalar-se de pitoresco".
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