A fenomenologia do medo
A palavra imaginação provém do latim, do termo imagine, imagem e esta significa representação, imagem, imitação, retrato de antepassado, sombra de morto (...).
in Dicionário etimológico da língua portuguesa , José Pedro Machado, Livros horizonte.
O pior dos medos é, de facto, “ o medo imaginário”, esse medo da “sombra de morto”. Não sendo de todo concreto, embora real, ele está sempre presente. Essa sombra avoluma-se de dia para dia, nesta terra, a que chamam (ou que já se chamou) Portugal, porque trinta e tal anos depois do 25 de Abril julgávamos que o morto descansasse em paz, mas eis que, cada dia que passa, essa sombra se torna mais concreta. É o medo de um regresso ao passado, mas já sem passado.
“A sombra do morto” é, no fundo, um cadáver animado e é, precisamente, isso mesmo, “o medo do medo”, isto é, um medo absoluto. Ter medo de um inimigo no campo de batalha é um medo natural. Mas este novo medo é um medo mais difuso. Não sabemos quando e aonde surge, porque, sendo uma “sombra de morto”, pode estar em qualquer lugar. Na ditadura as regras eram claras, a opressão estava regulamentada: todos sabíamos que não podíamos falar, sabíamos que existia a PIDE, que nos poderia escutar, falávamos baixo, mas falávamos, calávamo-nos quando se encontravam por perto, tínhamos medo (Por isso, até compreendo as afirmações aparentemente ingénuas da Senhora Secretária da Saúde). Quem, como eu, já vivenciou esse medo saberá que ele tem hora marcada, há lugares interditos e lugares não interditos, tal como quando fomos crianças. Em suma, é simplesmente medo, é o medo de perder o emprego, medo de ser preso, medo de ser torturado. Este medo era previsível e sabíamos como matá-lo, como vencê-lo.
Este novo medo é diferente, como se penetrasse até aos ossos, é um fantasma que paira sobre nós. Como poderemos matar uma “sombra de morto”? Mais opressor do espírito do que do físico é, por essa razão, mais medonho, porque é mais existencial, tal como afirma o professor José Gil, é um medo de existir, um medo profundo.
O medo passado era resultado da opressão, que feria, que humilhava, que, por vezes, matava, mas havia sempre o refúgio, a terra, a língua, os valores, uma narrativa comum. Sem identidade, não há existência e, desta forma, “A sombra do morto” devolve-nos a nossa própria sombra. No fundo, talvez já estejamos todos mortos e Portugal se assemelhe a uma pintura de Hogan.
Não vale a pena negar a existência objectiva do medo, quando subjectivamente o medo está aí, bem presente, em plenitude, na consciência. É na consciência onde tudo se passa e tudo se decide, pois é ela que determina a existência e não a existência que a determina.
in Dicionário etimológico da língua portuguesa , José Pedro Machado, Livros horizonte.
O pior dos medos é, de facto, “ o medo imaginário”, esse medo da “sombra de morto”. Não sendo de todo concreto, embora real, ele está sempre presente. Essa sombra avoluma-se de dia para dia, nesta terra, a que chamam (ou que já se chamou) Portugal, porque trinta e tal anos depois do 25 de Abril julgávamos que o morto descansasse em paz, mas eis que, cada dia que passa, essa sombra se torna mais concreta. É o medo de um regresso ao passado, mas já sem passado.
“A sombra do morto” é, no fundo, um cadáver animado e é, precisamente, isso mesmo, “o medo do medo”, isto é, um medo absoluto. Ter medo de um inimigo no campo de batalha é um medo natural. Mas este novo medo é um medo mais difuso. Não sabemos quando e aonde surge, porque, sendo uma “sombra de morto”, pode estar em qualquer lugar. Na ditadura as regras eram claras, a opressão estava regulamentada: todos sabíamos que não podíamos falar, sabíamos que existia a PIDE, que nos poderia escutar, falávamos baixo, mas falávamos, calávamo-nos quando se encontravam por perto, tínhamos medo (Por isso, até compreendo as afirmações aparentemente ingénuas da Senhora Secretária da Saúde). Quem, como eu, já vivenciou esse medo saberá que ele tem hora marcada, há lugares interditos e lugares não interditos, tal como quando fomos crianças. Em suma, é simplesmente medo, é o medo de perder o emprego, medo de ser preso, medo de ser torturado. Este medo era previsível e sabíamos como matá-lo, como vencê-lo.
Este novo medo é diferente, como se penetrasse até aos ossos, é um fantasma que paira sobre nós. Como poderemos matar uma “sombra de morto”? Mais opressor do espírito do que do físico é, por essa razão, mais medonho, porque é mais existencial, tal como afirma o professor José Gil, é um medo de existir, um medo profundo.
O medo passado era resultado da opressão, que feria, que humilhava, que, por vezes, matava, mas havia sempre o refúgio, a terra, a língua, os valores, uma narrativa comum. Sem identidade, não há existência e, desta forma, “A sombra do morto” devolve-nos a nossa própria sombra. No fundo, talvez já estejamos todos mortos e Portugal se assemelhe a uma pintura de Hogan.
Não vale a pena negar a existência objectiva do medo, quando subjectivamente o medo está aí, bem presente, em plenitude, na consciência. É na consciência onde tudo se passa e tudo se decide, pois é ela que determina a existência e não a existência que a determina.
1 Comments:
Não será este, tomada a metáfora da época dos blocos, um "medo frio", um medo absoluto, um novo "equilíbrio do terror" na sua real acepção, um balanço do terror na consciência ou, neste caso, um terror absoluto?
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