OS LATIDOS DE DIÓGENES ( 4º )
Há histórias que jogam com as palavras, de que há exemplos no anedotário de Diógenes; há ideias que jogam com histórias que jogam com palavras, e estas perdem menos na tradução entre línguas. Em ambos os casos, são as histórias argumentos literalmente simbólicos, não proposicionais: o seu sentido lógico não é o da inferência de premissas para uma conclusão, mas o da correspondência entre a figuração narrativa e a forma da ideia que se quer dar a pensar. Não menos importante: a história faz passar uma ideia que quer passar para a vida dos comportamentos de relação entre os homens, e destes com o mundo. Uma história apresenta uma ideia quer se quer representar no teatro do mundo.
Histórias, pois, que são lendas: legendas para lermos ou inteligirmos ideias/formas da experiência humana no mundo, provadas, seleccionadas e transmitidas por tradição. Análogo vivo das que, antes e depois dele, tinham algo de marcante a dizer, e marcaram, o nosso Diógenes representou-se e deu-se a ler a si directamente, diferindo para outros a mediação do texto escrito. Guardei para hoje estas duas legendas:
Certa vez, ia ele a dirigir-se para a entrada do teatro, no momento em que toda a gente se vinha embora dele. Inquirido, respondeu: - “É isto o que tenho feito toda a vida…”
A outra. Xenodíades, o ricaço que vimos em Egina comprar o velho Diógenes como escravo, perguntou-lhe de que maneira é que queria ser enterrado quando morresse: - “De cabeça para baixo!” E porquê? – “Porque dentro em pouco todas as coisas ficarão invertidas…”
Temos pois: a multidão afasta-se do teatro onde se representam histórias para os que sabem ver ideias, enquanto o nosso Cão faz o percurso inverso, caminhando sempre fiel a certa ideia do homem, que ele (se) representa. Com a palavra “inverso” deixamos o leitor petiscar lume para a lanterna que trouxe para ver o que há dentro na sombra do tonel… que parece um túmulo. Um túmulo pode ser útero de onde renasça direito o que antes nasceu torto. E, se não esqueceu que o tonel está encostado ao templo dedicado à Terra-Mãe de todos os deuses, também lhe oferecemos, para variar, este polissilogístico argumento que é atribuído ao canino criador e encenador de histórias:
Todas as coisas pertencem aos deuses;
Todos os sábios são amigos dos deuses;
Todos os amigos põem em comum o que possuem.
Logo, todas as coisas pertencem aos sábios.
O nosso grande Alexandre (Dias Pinto), tem aqui lume para alumiar aquele que disse ser um “cidadão do mundo”…
Deixou-nos o molosso avançar quando farejou que trazíamos cada um de nós autorizadas lanternas de diogénio. Mas nada nos preparava para a surpresa que nos detém agora: eis que da sombra do tonel vemos sair uma vaporosa, delicada figura, uma gentil figura… de mulher. Era um velho gaiteiro, este Diógenes!
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