RESSURREIÇÃO
Já, sobre a terra, a Estrela da manhã
(«Faça-se a Luz…») trouxera a anunciada
Bênção de paz, ressurreição cristã.
Quando Maria, pálida e açodada,
Correu ao horto, viu a Sepultura,
Mas não Jesus. Na alegre matinada
De aves e rosas, contra a névoa obscura,
À beira do Sepulcro, revestindo
Pulcras roupagens de fulgente alvura,
Airoso o porte, o gesto grave e lindo,
Velavam os dois Anjos triunfantes,
Por sob as doces lágrimas sorrindo.
E, comovendo os ecos mais distantes,
-« Ressuscitou! Ressuscitou! (diziam)
E nada mais será como foi dantes…»
Anjos formosos! Donde surgiriam?
Qual o nome seu? Que treva os arreceia?
Por que princípio e fim ali viriam?
Miguel, o herói da célica epopeia?
E Gabriel que trouxe a Anunciação
Cheia de graça e de promessa cheia?
( Perdoa-me, Senhor! Se, em erro e em vão,
Mais uma vez tresvaira o pensamento
Da lídima, evangélica lição;
Perdoa-me, Jesus! Acaso invento,
No sonho arrastador me descaminho,
Mas vê: não há malícia em meu intento. )
Estranhos Anjos, pelo que adivinho,
Não os criara o céu em glória e amor,
Mas sim o mundo em louco torvelinho!
Não viram sumo bem ao derredor,
Mas sim o mal, a tentação, o crime,
Orgulho, humilhações, remorso e dor.
Ah! Não vieram, não, da paz sublime,
Mas dum tufão que estorce e despedaça
Almas tão débeis como a folha e o vime.
Sombras do exílio, filhos da desgraça,
Alastram na terra, em ânsia atroz,
Qual nódoa sobre nódoa, a Culpa e a Raça.
Restruge o marulhar da humana voz
No grito que em seu peito sobreleva:
Nesses dois Anjos, - somos todos nós!
Não desceram da Luz: sobem na treva
Dos séculos vindoiros e passados…
- Somos nós todos: são Adão e Eva!
Adão e Eva, sim! Transfigurados
Na mística visão que inda seremos
Em vida e morte limpa de pecados,
Já quando o tempo, aos confinais extremos,
Tornar, após a noite, ao fogo e unção
Com que na mão de Deus amanhecemos.
António Corrêa d’ Oliveira, Verbo Ser e Verbo Amar
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