"Coimbra, 29 de Abril de 1981"
«Música gregoriana. E fiquei-me, enlevado, a pensar na humanidade do catolicismo. Na sua capacidade de harmonizar dentro de nós o que temos de bom e de mau, de puro e de impuro, de limpo e de sujo. Quase que podia jurar que os monges que ouvia, e atingiam no canto não sei que sublimidade, estavam longe de ser criaturas exemplares. Mas conseguiam arrancar de si inflexões de tal maneira lancinantes e pacificadoras, que era como se em cada modulação transformassem as trevas terrenas na claridade celeste.»
Miguel Torga, Diário, vol. XIII.
[ Exactamente dez anos depois, o poeta - o homem - enfrentava-se de novo com o Anjo (ou, como se diz agora: “a consciência”) no duro caminho do seu “pendor religioso”. Advirta-se que pendor ou vertente é caminho que tanto se pode descer como subir… ]
Coimbra, 29 de Abril de 1991
« Durei o suficiente para tirar todas as provas reais à minha natureza. A mais difícil e concludente é esta em curso. O meu pendor religioso nem perante o sofrimento atroz em que agonizo cede à tentação dum qualquer alívio beato. Continuo fiel à realidade de ser uma pobre criatura transitória de barro, sem aparência instintiva de bênção redentora de qualquer graça providencial solicitada. Morro roído de dores, na perplexidade de sempre, a consciencializar maceradamente a extensão dos meus erros e falências, sem me perdoar de ter sido excessivo em tudo, e deixar o mundo triste e desiludido de mim, a olhar complacentemente os felizes que compram, com a renúncia à lucidez, a ilusão da sobrevivência eterna num outro mundo anestesiado.»
Miguel Torga, Diário, vol. XVI.
Miguel Torga, Diário, vol. XIII.
[ Exactamente dez anos depois, o poeta - o homem - enfrentava-se de novo com o Anjo (ou, como se diz agora: “a consciência”) no duro caminho do seu “pendor religioso”. Advirta-se que pendor ou vertente é caminho que tanto se pode descer como subir… ]
Coimbra, 29 de Abril de 1991
« Durei o suficiente para tirar todas as provas reais à minha natureza. A mais difícil e concludente é esta em curso. O meu pendor religioso nem perante o sofrimento atroz em que agonizo cede à tentação dum qualquer alívio beato. Continuo fiel à realidade de ser uma pobre criatura transitória de barro, sem aparência instintiva de bênção redentora de qualquer graça providencial solicitada. Morro roído de dores, na perplexidade de sempre, a consciencializar maceradamente a extensão dos meus erros e falências, sem me perdoar de ter sido excessivo em tudo, e deixar o mundo triste e desiludido de mim, a olhar complacentemente os felizes que compram, com a renúncia à lucidez, a ilusão da sobrevivência eterna num outro mundo anestesiado.»
Miguel Torga, Diário, vol. XVI.
2 Comments:
Não conheço muito do Miguel Torga, só Os Bichos... e mesmo assim porque a isso fui obrigada...
Fica bem
Professora:
Espécies de bichos que obrigam a ler Os Bichos declaram-se por isso mesmo inverosímeis e horrendas avantesmas teratológicas. Infelizmente, essas tais é que parece não estarem em vias de extinção.
Se não conseguiram estragar-lhe o gosto e tirar-lhe o apetite,sirva-se aqui à sua vontade.
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