"O Navio de Espelhos", Mário Cesariny
Este "Navio de Espelhos" é mais lírico e simbólico do que o "Há uma hora". Quase se trata de uma pequena alegoria. Alegoria de quê? Deixo ao leitor a liberdade de interpretar. Solicitam-se interpretações aos mais afoitos.
Segundo Cesariny, o mote para esta composição poética foi o conto "Manuscrito encontrado numa garrafa", de Edgar Allan Poe. Nesta breve narrativa, o narrador, que sobrevive ao naufrágio do seu barco, é recolhido por um navio misterioso. Mais misteriosa é ainda a tripulação de personagens fantasmáticas, que são como que clones de um mesmo molde e que parecem existir num mundo paralelo.
Voltando ao poema de Cesariny, retenho estes versos inspiradores:
"Quando um se revolta há dez mil insurrectos
(Como os olhos da mosca reflectem os objectos)"
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O NAVIO DE ESPELHOS
O navio de espelhos
não navega, cavalga
Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível
Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos
(Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele)
Os armadores não amam
a sua rota clara
(Vista do movimento
dir-se-ia que pára)
Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga
(O seu porão traz nada
nada leva à partida)
Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta
(E no mastro espelhado
uma espécie de porta)
Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto
(A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto)
Quando um se revolta
há dez mil insurrectos
(Como os olhos da mosca
reflectem os objectos)
E quando um deles ala
o corpo sobre os mastros
e escruta o mar do fundo
Toda a nave cavalga
(como no espaço os astros)
Do princípio do mundo
até ao fim do mundo
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