segunda-feira, maio 24, 2010

DOIS PORTUGUESES
















HENRIQUE DE PAIVA COUCEIRO (1861-1944)

« Este era bem o último campeão da Monarquia. A madrugada de 5 de Outubro encontrara-o ainda combatendo, quando já as forças da marinha secundavam vigorosamente as de terra, pondo entre dois fogos o último reduto dos monárquicos. Quando o general Gorjão [um dos estrategos da resistência monárquica, centrada no Rossio] propunha aos oficiais, reunidos num derradeiro conselho, a assinatura duma acta – a certidão de óbito da Monarquia portuguesa – Couceiro exclamava: - “Combati ontem. Combati hoje. Estou pronto a combater ainda. Com actas nada tenho. O meu destino é defender a Monarquia no norte.” »
José Relvas, Memórias Políticas, vol. 1, 1977 ( 1ª ed.).

Militar, batedor e governador em África (1889-1909), o herói de Magul tinha combatido ontem, 4 de Outubro, no alto de Campolide, com quatro peças que trouxe de Queluz e os 50 soldados sobrantes dos que lhe fugiram pelo caminho, enfrentando as peças republicanas do quartel de Artilharia 1 e do acampamento da Rotunda. Combatera hoje, na madrugada de 5, no alto do Torel, na Penha de França, descarregando sobre a Rotunda até ficar sem munições. No dia imediato, foi procurado na sua casa de Cascais por um emissário do Governo Provisório, a quem declarou “reconhecer as instituições que o povo reconhecer”. A 8 pediu a demissão do Exército, mas o governo provisório recusou-a, patrioticamente, afirmando-lhe que contava com a sua “limpa e destemida espada”; e a 14 convidava o ex-governador geral de Angola para estudar a colonização de Benguela. Recusou. No ano seguinte, a 18 de Março requer publicamente a realização “por meio de eleições gerais libérrimas” um referendo nacional sobre a nova situação política. Como não obtivesse resposta, apresentou-se no Ministério da Guerra e declarou a quem o recebeu: - “Vou-me revoltar contra a República para salvar a Pátria.” E demitiu-se do Exército. À saída, mais declarou: “O povo é a origem de toda a soberania. Ninguém tem o direito de lhe impôr soberanos com as armas na mão. O povo tem o direito de escolher.” Para que a nova situação política fosse objecto do referendo popular, e considerando não livres nem justa as eleições de Maio para a Constituinte, combateria amanhã, em Outubro de 1911 e Julho de 1912 no norte, a partir da Galiza. Combateria ainda em Janeiro de 1919, quando conseguiu restaurar a Monarquia a norte do Vouga... por um mês. No “Estado Novo” salazarista, em 1935, uma carta com acusações à acção do governo relativamente a Angola, acarreta-lhe mais meio ano de exílio, em Espanha. Em 1937, nova carta acusatória, novo exílio, por dois anos. Em Espanha, escreveu o seu último livro: Profissão de Fé. Lusitânia Transformada, onde deixou nítida a adesão ao ideário do Integralismo Lusitano. O seu testamento político sintetizou-o nestas singelas palavras: “ Eu quero que a mocidade portuguesa me conheça como fui e vivi, sempre ao serviço de Deus, da Pátria e dos Reis de Portugal ”.

Foi Cavaleiro e Oficial da Torre e Espada; Medalha de prata de mérito, filantropia e generosidade; Cavaleiro da Real Ordem Militar de S. Bento de Aviz; Comendador da Torre e Espada; Medalha de Ouro de valor militar (1896); Medalha de Prata Rainha D. Amélia; grã-cruz da Ordem do Império Colonial (1932).

No seu Relatório de 1911, Machado Santos apôs-lhe outra condecoração, menos citada: designou-o como “Bravo”.


ANTÓNIO MARIA DE AZEVEDO MACHADO SANTOS (1875-1921)

« De toda esta narração é preciso não concluir que a sorte das armas fora, desde as primeiras horas, favorável aos revolucionários. Houve, pelo contrário, momentos de grande desânimo, horas em que a derrota pareceu inevitável; e, sem a heróica resistência de Machado Santos, mantendo-se na Rotunda contra o voto dos oficiais de Artilharia, o desastre dos republicanos era certo. »
Isto diz o mesmo José Relvas, no mesmo lugar. E citando e traduzindo do livro dos jornalistas espanhóis Augusto Vivero e Antonio da la Villa, Como Cae un Trono: La Revolución en Portugal, Madrid, 1910, que Relvas considera ter feito “um inquérito minucioso e inteligente das fases mais decisivas da revolução” :
(4 de Outubro)
« Tudo falha! Populares trazem a notícia de Caçadores 2, Infantaria 2 e Cavalaria 4 terem atraiçoado a causa revolucionária. O visconde da Ribeira Brava corre para a Rotunda no seu automóvel para transmitir notícias pouco animadoras [ a morte de Cândido dos Reis, o frustrado primeiro assalto ao cruzador D. Carlos que, no entanto, não se opôs aos dois outros sublevados ]. Impossível conceber esperanças! De facto, que podia esperar-se ficando o D. Carlos leal e a Guarda Municipal livre, sem ter sido possível encurralá-la nos quartéis? Todos os corpos comprometidos [ manifesto exagero espanhol... ] estão contra a revolução, o Arsenal em poder do governo, e a bateria de Queluz, apesar dos seus numerosos sargentos republicanos, marcha contra a Rotunda... Para quê insistir numa inútil resistência ? Para quê verter ainda mais sangue? Agitadamente, reúne o conselho dos oficiais, não assistindo Machado santos, que está procedendo às obras de defesa na entrada da Avenida Fontes. (...) Os nove oficiais que assistem ao conselho concordam que a situação é desesperada e que, prolongá-la, é correr para uma espantosa carnificina. O que há a fazer é abandonar o campo. Chamam, por isso, os sargentos, incitando-os a regressar com as forças aos quartéis. E, em seguida, trocam os uniformes por vestuário de paisanos, propondo-se dar o exemplo da retirada. Machado Santos, informado imediatamente do que se está passando, aparece e protesta energicamente contra a resolução, que classifica de “suicídio”(...). Mas não o atendem; a inquietação invadiu os mais corajosos. Recusam-se a ouvir as palavras da razão. Partem! Nesse momento, a Guarda Municipal inicia novo ataque e Machado Santos desembainhando a espada, fala aos revolucionários seus amigos: - “Soldados, para aqui viemos para vencer ou morrer. A nossa missão está por cumprir! Avante pela República!” E a Guarda é vencida outra vez por aqule punhado de heróis! »
A narração confere em traços gerais com a que o próprio Machado Santos pormenorizou no “Relatório” que, sob título A Revolução Portuguesa.1907-1910, publicou em 1911, e que na curta introdução traz este sintomático trecho: « Depois da proclamação da República, os heróis e os organizadores da revolução caíram sobre o País como nuvem de gafanhotos. O Governo Provisório tomou-os a sério e os verdadeiros foram postos de banda. // Seria caso virgem na História não suceder assim. // O nosso relatório desmascara-os, porque, no momento da acção, ninguém sabe onde se esconderam. » Desmascara os oportunistas, mas também teve o cuidado de conservar os nomes e os feitos de largas dezenas dos que não se esconderam.
Mas já desde 12 de Novembro de 1910 vinha mantendo e manteve durante anos, no seu jornal “diário republicano radical” O Intransigente, um combate intransigente pela pureza do seu ideal republicano, contra o confisco totalitário do regime pelo Partido Democrático afonsista, de que foi um crítico implacável. Por causa disso, na noite 19 de Agosto de 1911, à entrada do teatro da Rua dos Condes, aos Restauradores, o homem quem a República ficara a dever a seu triunfo alguns meses antes, agora deputado à Assembleia Nacional Constituinte, era apupado e injuriado por um bando de energúmenos como “Herói de merda!”... Cinco anos depois, em Dezembro de 1916, chefiou uma intentona militar, falhada, como já apoiara um ano antes o “movimento das espadas” do general Pimenta de Castro ( o que lhe valera um ano de deportação nos Açores) e apoiaria um ano depois o golpe e o breve consulado militar de Sidónio Pais, de que chegou a ser ministro do Interior. Esteve depois (1919) na primeira linha do assalto ao acampamento monárquico de Monsanto, donde seguiria para o Norte a combater a efémera Restauração. Isto já não pesou na balança do ódio que os “democráticos” de Afonso Costa lhe dedicavam. Acabou asssassinado no massacre de 19 de Outubro de 1921 (a conhecida “Noite Sangrenta”), em que foi também morto um outro herói do 5 de Outubro, o então tenente Carlos da Maia, que fora protagonista do assalto ao quartel de marinheiros de Alcântara e chefiou a tomada do cruzador S. Rafael e, depois, a do D.Carlos.