quinta-feira, abril 06, 2006

Filosofia e Direita

A propósito da política socrática (não daquele que foi cicutado mas do outro que, aos poucos, nos vem cicutando a todos nós) perguntava-me um amigo meu, com aquele tom despreocupado que só as crianças têm, se a direita tinha filosofia. E, em tom brincalhão, prosseguia demandando se a filosofia tinha direita. Devo confessar que as questões me deixaram embatucado e ele se riu do meu embaraço, embora, com o intuito de salvar a situação, lhe atestasse que iria pensar no assunto (devia ter dito, como os políticos, ainda bem que me fazes essa pergunta e aproveitava para acrescentar algumas banalidades para me dar tempo para lhe dar uma resposta ainda que provisória) e quando fosse o caso lhe responderia. Pois, Honório, cá vai o produto dessas cogitações por ti catalizadas.
Começo por te assegurar que a filosofia não tem direita ou esquerda. Quer dizer, se tomarmos como boas as reflexões platónicas (seguidas em grande medida pela maior parte dos pensadores) que certificam que ela se dirige à realidade em si mesma, vai em frente e não oblíqua para lado algum (agradeço que não me perguntem em que consiste essa realidade). Nesse sentido, são os poetas que se encontram três pontos afastados da veracidade e, por esse motivo, são escorraçados da cidade (caro “ombros largos”, devo dizer com frontalidade, que antes devias ter expulso muito mais gente que, por pudor, não refiro nesta ocasião). É verdade que se fala dos hegelianos de esquerda o que denota que também haveria dos ditos de direita mas, como sabem, não se pode confundir a parte com o todo e esta nomenclatura, que entrou na linguagem comum, foi, como se sabe, uma instrumentalização ideológica. Já agora, porque será que se continua a chamar aos socialistas anteriores a Marx utópicos?
Ora bem caro Honório, em relação à filosofia da direita duas questões prévias exigem resolução: qual a sua base filosófica/ideológica e depois de resolvida esta questão, quem ocupa esse espaço. À primeira questão só pode haver uma resposta possível, a base ideológico-filosófica da direita é a doutrina da contra-revolução enunciada por Burke, De Maistre, Bonald, etc. e que no nosso país teve os seguintes representantes: Marquês de Penalva (Fernando Teles da Silva de Caminha e Meneses), José Agostinho de Macedo, Filipe Nery Soares de Avelar, José da Gama e Castro, Faustino José da Madre de Deus, José Acúrsio das Neves, Frei Fortunato de São Boaventura, António Joaquim de Gouveia Pinto, entre outros. Por outro lado, como estas doutrinas se afirmam como reacção à Revolução Francesa daí o facto de alguns teóricos (esquerdistas na sua maioria) classificarem todas as doutrinas de direita como reaccionárias.
Em relação à segunda questão apenas podemos atestar que esse espaço é ocupado pelas doutrinas de extrema-direita. Aliás, foram os integralistas os primeiros a serem sensíveis à questão da base ideológica da direita e, por essa razão, foram colher aos tradicionalistas e contra-revolucionários nacionais enunciados as bases da sua doutrina. Se se quiser ter uma perspectiva da construção desta doutrina contra-revolucionária portuguesa leiam-se, entre outros (embora estes me pareçam os mais representativos), os artigos que, debaixo do título Os Mestres da Contra-Revolução, António Sardinha escreveu nas páginas da Nação Portuguesa, revista publicada no início do século XX.
Conclui-se, portanto, daqui que a direita conservadora, asséptica não tem qualquer base doutrinal e nunca possuiu nenhuma. E que melhor exemplo se pode dar que o do seu pretenso líder, o agora Presidente da República, Cavaco Silva.

8 Comments:

Blogger Xor Z said...

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12:22 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Hmm. Deves ser muita vermelho! A direita á a única doutrina que pode endireitar o mundo.

10:49 da tarde  
Blogger Xor Z said...

Anónimo
Poderia se fosse doutrina. Espero ter a minha cota parte de vermelhidão por dentro que bem preciso.
Manda sempre.

11:09 da tarde  
Blogger Xor Z said...

Adenda
Quando digo doutrina quero dizer um corpo ideológico-filosófico, como digo no post e penso ter ficado claro. A direita existe e pode salvar (endireitar) o mundo, mas isso é algo completamente diferente.
Mande sempre.

11:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tira essas palas que tens a ladear os olhos. A esquerda só tem teoria e não quer saber dos pobres.
Ass
O Anónimo da outra vez.

12:11 da manhã  
Blogger Xor Z said...

Anónimo da outra vez
Quando diz que a esquerda só tem teoria está a admitir, implicitamente, a minha tese principal, ou seja, que a esquerda é teórica e a direita pragmática, isto é, dispensa a teoria.
Quanto à sua outra observação já vi formas mais airosas de me chamarem burro.
Mande sempre.

4:55 da tarde  
Blogger RBF said...

Nao acho que o conservadorismo portugues escolha Cavaco como seu lider. Nem acho que Cavaco se veja como representante dos conservadores (alias, neste momento, na posicao onde esta, nao deve ser representante de nenhuma ideologia politica).

Acho sim que o apoio de algumas franjas conservadoras a Cavaco se deveu ao facto de nao haver cao. E, portanto, cacaram com gato.

Gostei do post e de nao ter cedido ao cliche politico do "ainda bem que me faz essa pergunta".

8:02 da manhã  
Blogger Xor Z said...

Não sei se a resposta vai tardia mas vai na mesma. Em relação ao Cavaco você tem razão e apenas o dei como exemplo porque não encontro mais ninguém, se quiser dar uma sugestão? Eu não sou capaz.
Mande sempre que eu, ao contrário do JPP, gosto de comentários e de polémica.

12:07 da manhã  

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