sexta-feira, junho 15, 2007

Ego Micromegas

Continuo hoje a minha senda de tentar descortinar a idiossincrasia do ser humano através de coisas que, na maior parte das vezes, nos parecem corriqueiras. O ponto de análise hoje é a simples frase “como está?”, asserção com a qual saudamos aqueles que, frequentemente ou não, vamos encontrando na rua e, sinceramente ou talvez não, chamamos os nossos amigos.
Pode-se dizer que podemos encontrar, no mínimo, três tipos de indivíduos escondidos atrás do famoso “como está?”.
O primeiro tipo é aquele que aproveita a frase, ou melhor, a nossa resposta, na qual ele não está minimamente interessado (experimentem começar por dizer que familiares vossos morreram num acidente de viação, repararão que são capazes de vos responder: folgo muito com isso, ou qualquer coisa do género), pois a frase é apenas um pretexto para que eles desfiem o rosário das suas vidas. Normalmente, este tipo de pessoas é aquela cujos filhos (se os tem) são os mais difíceis de aturar, que lhe criam imensos cabelos brancos, etc., etc. Os problemas desta gente são sempre os mais complicados e nada na vida se compara aos seus contratempos pessoais, no fim dum encontro com este tipo de pessoas se não saímos com os ouvidos a zunir, é a cabeça que as paga. A esta espécie de seres humanos apelido, de acordo como o título do posto, ego Micromegas.
A segunda casta, que chamarei ego Saturnino, é apenas um pouco mais delicada, no caso dos nossos pais terem falecido num acidente de viação, ainda perguntam: quando, onde e como. Porém, o onde, quando e como apenas são um subterfúgio para nos poderem contar algo ainda mais mirabolante, trágico ou cómico (conforme as situações). Esta variedade de seres que andam com dois pés e duas mãos, em certas ocasiões, ainda conseguem ser mais enfastiantes que as primeiras.
Por fim, existem aqueles que se preocupam mesmo connosco e com os quais temos alguma empatia, neste último caso, o como está? É realmente um como está? – a estes últimos denomino de Ego Terrestre ou Terráqueo, que por moda de brasileirice se vai impondo, qualquer dia dizemos nazista em vez de nazi ou treinamento em substituição de treino (esta última também já muito em voga), contrariando a célebre lei da economia da língua: o que se pode dizer com 4 ou 5 letras não se deve dizer com 7 ou 11.

6 Comments:

Blogger Edelweiss said...

Agora tem que estudar as respostas: os que dizem que está tudo bem, mesmo quando os familiares morreram no dia anterior; os que aproveitam para contar a vida toda e também a dos vizinhos e amigos; e os que respondem a verdade, de preferência com palavras de 4 ou 5 letras.

7:27 da manhã  
Blogger Raimundo_Lulio said...

Vivi no alentejo uns anitos. Aprendi com eles outrotipo de cumprimento.

7:33 da tarde  
Blogger Xor Z said...

As respostas, cara edelweiss, terão que ficar para nova oportunidade, porque agora o trabalho é muito. Outro tipo de cumprimento, caro R., não nos diz qual?

12:45 da tarde  
Blogger Xor Z said...

Pensando bem, cara edelweiss, esses tipos já estão retratados: o 1º é Cândido ou o optimista, ou melhor Pangloss (personificação de Leibniz) do célebre romance de Voltaire, de onde são respigados, por coincidência, o Micromegas e o Saturnino; o 2º é o vulgar fala-barato, ou o Dâmaso Salcede; do último existem também algumas representações.

2:05 da tarde  
Blogger Edelweiss said...

Amigo Z, de Leibniz só conheço aquelas bolachas em forma de animais, as Leibniz Zoo. Micromegas e Saturnino parecem-me excelentes nomes para um casal de coelhos anôes.

3:49 da tarde  
Blogger Xor Z said...

Não conheço as outras: de chocolate (de chocolate preto melhores que as de chocalate de leite que são muito enjoativas) e nem por isso? São excelentes, verdadeiras bolachas filosóficas.

3:57 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home