quinta-feira, junho 07, 2007

À Mesa com Kafka, de Marc Crick



O livro saiu em Portugal em 2006. Mas ainda é fácil encontrá-lo nas livrarias, fresquinho e pronto a servir. Refiro-me a À mesa com Kafka, de Mark Crick (edição Casa das Letras). O subtítulo deste livrinho sintetiza o seu conteúdo: Uma história da literatura mundial em 14 receitas. Trata-se de um conjunto de catorze contos, cada um dos quais integrando e centrando-se numa receita. Por sua vez, cada receita está associada à figura e à obra literária de um escritor. A título de exemplo, encontramos “Ovos com estragão à la Jane Austen”, “Tiramisu à la Proust” ou “Coq au vin à la Garcia Marquez”. Kafka, Raymond Chandler, Steinbeck, Harold Pinter, Borges são outros dos autores "saboreados".

Grande parte do interesse da obra reside no facto de cada conto/receita ser um pastiche - uma paródia do estilo, das situações típicas, dos temas, em suma, da arte literária - de cada um dos catorzes escritores. E se compor com qualidade um tal mosaico literário é um trabalho de escrita louvável, não menos louvável é a exigente tradução destes quadros narrativos para outra língua. A excelente tradução portuguesa, a cargo de Margarida Vale de Gato, consegue uma admirável versão em língua pátria de contos pautados pelo estilo muito pessoal e algo idiossincrático dos seus escritores. Em “Bolo rico de chocolate à la Irvine Welsh”, o desafio consistiu em verter para português o estilo do autor de Trainspotting, que representa quase foneticamente a linguagem (repleta de calão) dos jovens de classe baixa e média-baixa de Edimburgo. Por outro lado, não menos difícil terá sido reproduzir na língua de Camões o tom grandíloquo e épico do autor da Odisseia na banal tarefa de apresentar a receita de “Fenkata à la Homero”. Outro admirável exercício translatório foi conseguido em “Tarte de cebolas à la Geoffrey Chaucer”. Ou seja, a tradução viu-se claramente forçada a estabelecer uma difícil simbiose com o pastiche literário; mas o resultado é… delicioso.

Como comida e desejo carnal se cruzam sempre, deixo-vos o título do conto que melhor cumpre a combinação destas duas tentações do corpo: “Passarinhas desossadas à la Marquês de Sade”.

(A capa que aqui se apresenta é a da edição inglesa; mas não difere muito da capa portuguesa.)

1 Comments:

Blogger Xor Z said...

Isto da letra agora é moda. Se for avisa que é para me adequar aos novos tempos.

9:51 da tarde  

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