quinta-feira, setembro 27, 2007

Génio

Desde que resolvi visitar a casa onde viveu Einstein, em Berna, e onde, segundo tudo leva a crer, ele desenvolveu a teoria da relatividade, no início do século XX, tenho dado voltas à mioleira sobre o papel do génio na sociedade, questão que, desde Platão (nunca um homem medíocre pode fazer bem ou mal a uma cidade) tantas e tão brilhantes mentes tem ocupado. Andava eu nesta minha ruminação, quando se me depara um texto em que o génio é visto numa perspectiva muito peculiar. Não resisto, com risco de enfadar os meus já escassos leitores, a citá-lo, persistindo nesta embirração crónica de não indicar as minhas fontes.
Interpelado se o tio, que todos consideravam um génio, alguma vez lhe prestava ajuda, atestava o nosso herói: “se o faz a alguém, é sem o suspeitar. Trata-se de um filósofo, a seu modo. Pensa somente em si; o resto do universo é como se não existisse. A mulher e a filha têm apenas que morrer quando quiserem, e desde que os sinos da paróquia que tangerão por elas continuem a soar o meio-dia e as cinco horas, tudo estará bem. Isto é a felicidade para ele. E é o que particularmente prezo nas pessoas de génio. Só servem para uma coisa; feita esta, nada; não sabem o que é ser cidadãos, pais, mães, irmãos, parentes, amigos. Aqui entre nós, é preciso nos assemelhar a eles em tudo, mas não querer ser vinho da mesma pipa. Há necessidade de homens; homens de génio, não. Não, por minha fé, absolutamente não. Mudam a face do globo; e nas menores coisas, a tolice é tão comum e poderosa, que não se reforma nada sem grande confusão. Acontece parte do que imaginaram, parte continua como era; daí dois evangelhos e um traje de arlequim. A sabedoria do monge de Rabelais é a verdadeira sabedoria, para seu descanso e o dos outros: cumprir seu dever de acordo, falar sempre bem do senhor prior e deixar o mundo entregue à sua fantasia. Tudo vai bem, desde que a multidão esteja contente. Se eu soubesse história, demonstraria que o mal sempre surgiu aqui em baixo, de alguns homens de génio. Mas eu não sei história, porque não sei nada. Que o diabo me carregue se algum dia aprendi alguma coisa, e se, por não ter nada aprendido, eu me encontro em pior situação. Achava-me um dia à mesa de um ministro do rei de França, que tinha espírito por quatro; pois bem, ele nos provou, tão certo como um e um são dois, que nada era mais útil aos povos que a mentira, nada mais nocivo do que a verdade. Não me lembro bem das provas, mas deduzia-se evidentemente que os homens de génio são detestáveis e que, se uma criança ao nascer trouxesse na fronte o sinal dessa perigosa dádiva da natureza, dever-se-ia sufocá-la ou atirá-la ao chiqueiro.”