sexta-feira, novembro 23, 2007

OS LATIDOS DE DIÓGENES ( 5º )


O caro leitor, quando a vir, não me perdoará… Que se lhe há-de fazer? Olhe, exercite comigo a paciência de diferir para o próximo postal as devidas homenagens à gentil figura de mulher que nos saiu do tonel, garantido que não era o capitoso efeito dalgum néctar mais trepador. Temos ainda um preliminar aperitivo.

O grande ironista Platão - “que sabe tão bem troçar”, como reconhecia honestamente alguém que o soube por experiência própria: o príncipe dos sofistas, Górgias -, dizia que Diógenes de Sinope era um “Sócrates enlouquecido”. O diogénico Cioran (que nos está aqui a convidar para qualquer dia), falava dele como um “Sócrates tornado sincero”, desatado da máscara platónica. Eu permito-me dizer que o kosmopolitês, o “cidadão do mundo”, era um Sócrates livre do cárcere da polis, em que este livremente se deixara confinar e morrer.

O Cão de Sinope proclamava lícitas as uniões sexuais dentro ou fora do casamento, e a comum adopção das crianças nascidas de tais uniões. Também não via mal nenhum em que se comesse a carne de qualquer animal, incluindo a humana. Conta-se que ele considerava existirem elementos da carne no pão ou nas ervas, e vice-versa. Quais fossem esses constituintes elementares da matéria (a que o seu contemporâneo Demócrito chamava “átomos”), não se sabe. Do que podemos ficar seguros é de que o nosso Diógenes não morderia naqueles asiáticos calacianos, de que nos fala Heródoto, que tinham o costume de comer os seus mortos e muito se horrorizavam com o costume grego da cremação. O “cidadão do mundo” estaria livre do afogo das variáveis convenções instituídas nas variadas sociedades humanas; era um “amigo dos deuses”: via-as com diverso, divino ponto de vissta, digamos, mais distanciado, mais… divertido. E sou eu livre de supor interpolação apócrifa de escandalizado comentador aquela tentativa de explicação “química” das carnívoras dietas: o Cão não se importava com especulações sobre a composição do cosmos, mas sim em trabalhar o homem, começando por si. Este trabalho era uma askesis, comparável ao exercício ginástico para os atletas, e o resultado dele tinha um nome que os estóicos também prezavam muito: a ataracsía - uma impassibilidade soberana ao jogo e jugo das contingentes voltas e reviravoltas da fortuna. De facto, os que se habituam ao gozo duma vida cómoda e confortável sofrem quando privados dos seus prazeres; ao invés, os que se exercitaram a suportar pesares e penas livram-se dessa dependência e do temor do sofrimento. E, acrescenta a doxografia, Diógenes demonstrava-o menos com palavras do que com a vida exemplar de alguém que pretendia viver como Héracles e “punha a liberdade acima de tudo”. De facto, um trabalho digno de Héracles… pretender que os homens não refujam o mais que podem dos sofrimentos e não se prendam aos prazeres. Pretendia ele, Diógenes (e realça aqui um equívoco ponto de contacto com alguns dos sofistas), que nos desembaraçássemos das convenções para seguir a Natureza. Mas, cabe perguntar se não é a mesma Natureza que manda o homem comum maioritário, como a outros animais, evitar os sofrimentos e procurar os prazeres; se, portanto, o hedonismo popular ou uma ética utilitarista não são, deste ponto de vista, os mais “naturais”…

Diz a tradição, e disse eu supra que ele “demonstrava” menos com palavras do que com a sua própria vida. Hoje, quando se fala de problemas, teorias, argumentos, demonstrações há uma tendência a subalternizar esta vertente prática – ascética – do trabalho filosófico. Digo que fica subalterna para não dizer perdida. Como se perdeu a seleccionada e directa convivência numa vida comum e quotidianamente partilhada entre mestre e discípulo na praça pública, a céu aberto ao que der e vier.

2 Comments:

Blogger Edelweiss said...

Com o devido respeito pelo seu trabalho e pesquisa, mas isto já não são latidos, isto já são uivos. E diz-me que ainda há uma sexta parte? Bem, venha ela, como mete uma mulher deve ser mais emocionante.Que género de mulher é que se enfia com um tipo tão feio dentro de um tonel é que eu estou curiosa para saber.

6:39 da tarde  
Blogger Pedro Isidoro said...

Estimada Edelweiss curiosa:

Um pouco de estóica paciência a temperar a curiosidade, por obséquio.
Estes carões "feios" são, por isso mesmo, já uma homenagem relevadora e reveladora da feminil beleza que irradirá aqui em breve. É a lei dos contrastes perceptivos, neste caso tão injusta para os homens...

11:41 da tarde  

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