A LIÇÃO DO CÃO ( I )
O leitor tem dúvida de que o Cão precisa de açaime?...
Suponha uma sociedade em que a maioria dos indivíduos era da raça do nosso Diógenes, que “opunha uma impassível segurança aos acasos da sorte”. E agora pergunte-se para onde iria a segurança das tão prósperas companhias de seguros…
Ou como seria uma sociedade em que todos a todo o momento tivessem relações sexuais com quem quisessem e os filhos de todos fossem tratados como de cada um? E não é tão interessante que as experiências históricas conhecidas que o tentaram acabassem mal sucedidas?
Nem preciso lembrar os extravagantes menus carnívoros…
Será que esta “atitude crítica” do filósofo de Sinope punha a sociabilidade humana numa “situação crítica”?... Situação insustentável e, por isso, logo abandonada ou corrigida por uma como “selecção natural”?... Que respondam os “filósofos de sofá” (armchair philosophers), sempre assentando que a “filosofia” é “atitude crítica” acomodada a esmoer argumentos e contra-argumentos de digestão livresca.
Dizia-se de Diógenes que ele “opunha às leis a natureza”. Ora, sejam as “leis”, aqui, o complexo aparato de todas as normas sociais e jurídicas com que as sociedades humanas vão procurando suster e sustentar a interacção dos indivíduos e a sua adaptação ao meio natural. Suponha-se, por outro lado, que a “natureza” da grande maioria dos indivíduos não tem as capacidades de um Diógenes – também capaz de “opor ao sofrimento a razão” -, ao invés se perde facilmente da razão no sofrimento e arrasta para este o semelhante. A lição do Cão seria, pois, a de um exemplar anómalo, incompatível com uma maioria incapaz de a compreender e aplicar? Mas, como explicar a existência e persistência de tais anómalos, desviantes até à marginalização e exclusão social? Não há que procurar um genezinho cínico, mas a resposta à questão: dar-se-ia o caso de estes cães farejarem e serem guardadores fiéis de outras possibilidades – efectivas possibilidades – da “natureza” humana se representar no teatro do mundo?...
Um mundo maravilhoso, onde os monstros podem ser belos príncipes; onde mendigos não avarentos podem ser mais ricos que banqueiros (e os banqueiros mendigos); ou como quem diz: poder um vagamundo andrajoso e sujo, sem eira nem beira, vivendo do dia a dia, ser mais que um gracioso filho querido de Atena... – um deus disfarçado!...
[ Vinha rosnador o molosso, do canil de Roy Lichtenstein (1923-1997), antes de ter provado aqui do Tonel… ]
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