quarta-feira, maio 21, 2008

“UM TERROR SEM NOME PAIRAVA SOBRE AS CASAS…”





“Na ocasião em que a Família Real chegava de Vila Viçosa, às 5 e 25 da tarde…” Era um sábado, dia 1 de Fevereiro de 1908; e tal a hora registada na nota oficial que o governo fazia sair para os jornais. No posto de bombeiros no Terreiro do Paço, o pessoal de serviço registava 5 horas e 20 minutos. Mas houve quem antecipasse mais o tempo… a tempo. No dia anterior, um moço empregado no hospital de S. José procurava o seu amigo dr. Thomaz de Mello Breyner, médico da Casa Real, e avisava-o de que no dia seguinte iria ocorrer um atentado contra el-rei. E na noite anterior, no paço de Vila Viçosa, fora entregue a D. Carlos um misterioso bilhete, que leu junto à lareira acesa e atirou ao fogo… Depois, sentou-se à mesa de jogo, esforçando-se por ser o jogador divertido que costumava ser. O jogador que nunca se forçara nem se temera de jogar a peito aberto, ou com o Imprevisto ou com a Fatalidade.

Três meses depois, a 21 de Maio de 1908, um jovem de 18 anos conseguia escrever para si estas “Notas Absolutamente Íntimas”:

« Saímos da estação bastante devagar. Minha Mãe vinha-me a contar como se tinha passado o descarrilamento na Casa Branca quando se ouviu o primeiro tiro no meio do Terreiro do Paço, mas que eu não ouvi: era sem dúvida o sinal: sinal para começar aquela monstruosidade infame, porque pode-se dizer e digo que foi o sinal para começar a batida. Foi a mesma coisa que se faz numa batida às feras: sabe-se que tem de passar por caminho certo: quando entra nesse caminho, dá-se um sinal e começa o fogo! Infames!

«Eu estava olhando para o lado da estátua de D. José e vi um homem de barba preta, com um grande gabão. Vi esse homem abrir a capa e tirar uma carabina. Eu estava tão longe de pensar num horror destes que me disse para mim mesmo, sabendo o estado de exaltação em que tudo isto estava: “que má brincadeira”. O homem saiu do passeio e veio pôr-se atrás da carruagem e começou a fazer fogo. (…)

« Quando vi o tal homem de barbas, que tinha uma cara de meter medo, apontar sobre a carruagem percebi bem, infelizmente, o que era. Meu Deus, que horror! O que então se passou só Deus, minha Mãe e eu sabemos; porque mesmo o meu querido e chorado irmão presenciou poucos segundos, porque instantes depois também era varado pelas balas. Que saudades, meu Deus! Dai-me força, Senhor, para levar esta Cruz, bem pesada, ao Calvário! Só vós, meu Deus, sabeis o que eu tenho sofrido! »

Trasladei o escrito pelo jovem D. Manuel, também ele baleado e ferido, improvisado rei duma monarquia que tinha monárquicos capazes de financiarem e armarem os assassinos de seu pai e irmão.

Se não houve concordância na hora exacta, e em muitos outros pormenores, todos sem excepção concordam no que se viveu e sentiu em Lisboa no resto desse dia: janelas, portas e taipais das lojas a fecharem, as pessoas que debandavam e fugiam recolher-se em casa. E depois do “alude de povo desaustinado que se atropelava na Rua dos Retroseiros, em grita terrorista: - Mataram o rei! Mataram o rei!” – depois… o súbito pairo dum grande, aterrorizador e total silêncio. Agostinho de Campos,  director-geral da Instrução Pública, que foi também um estimável pedagogo e filólogo erudito, estava a essa hora no seu gabinete do Terreiro do Paço, e subiu depois ao Chiado: “Era a hora em que, normalmente, aquela rua elegante do centro de Lisboa se animava de uma multidão luzida, descuidada e alegre. Mas em 1 de Fevereiro de 1908, pelas cinco e meia da tarde, o Chiado parecia outro; e nunca mais o vi nem verei assim. A sensação mais estranha que tive ao atravessá-lo foi a de um silêncio absoluto. Muita gente subia ou descia a rua; mas os próprios passos dos transeuntes não se ouviam, como acontece nas cidades do Norte, nos dias em que neva e o ruído do trânsito se abafa inteiramente no tapete fofo que o céu estende sobre a terra. Ninguém falava, ninguém parava, ninguém formava grupos. Sentia-se pesar sobre toda aquela gente silenciosa e açodada a carga de uma orfandade ou de uma responsabilidade; e adivinhava-se nitidamente, em cada um, a pressa de chegar a casa, para ir defender os seus, ou para se abrigar a si próprio. (…) O verdadeiro instinto colectivo revelou-se, a meu ver, nesses primeiros momentos augustos, de solene pavor ou de luto silencioso.” Com a cidade “mergulhada num profundo silêncio”, dizia o político Júlio de Vilhena, - como que “um terror sem nome pairava sobre as casas”, sentia o jornalista e historiador Rocha Martins. Os que primeiro responderam à gélida majestade do silêncio que assombrou o luminoso fim de tarde desse sábado foram os sinos das igrejas, tocando a defuntos.

Uma semana depois, no cortejo fúnebre que atravessou Lisboa, entre o Paço das Necessidades e o panteão real de S. Vicente de Fora, logo atrás dos poderosos dignitários de imperantes e embaixadores políticos, destacava-se um homem do povo, um velho, que até ao fim insistiu em manter-se o mais próximo possível da urna com o cadáver do rei. Tinha uma medalha da Ordem da Torre e Espada ao peito. Chamava-se António de Almeida Neves. Era o faroleiro da Guia que, 35 anos antes, em Cascais, havia salvo o então infante D. Carlos, com 10 anos, de morrer afogado, levado por uma onda do mar. Mas este silêncio cerimonial das oficiais exéquias é já de outra qualidade: cortado em alguns momentos por murmúrios de desconsideração e assomos de protesto por parte de alguns “elementos anarquistas”, que surdiam e logo sumiam numa ou noutra esquinas do caminho. Pôs-lhe fim a tremenda salva de artilharia que atroou no momento em que as urnas eram depostas sobre as essas no panteão. Não sabemos o que esse velho faroleiro disse a 7 de Fevereiro de 1908 ou o que disse a 23 de Outubro de 1873. A voz do povo não costuma chegar aos ouvidos dos que contam a História como “ciência”. Sabemos que em 1919 Teixeira de Pascoaes fez entrar um “velho” no seu drama em verso Dom Carlos. E o poeta ouviu esse velho clamar sobre nós assim: -

Ai de ti! Ai de ti, meu Portugal!
Grande Crime! Tremenda Expiação
!”



3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Obrigada, Deus, por me teres feito inculta e básica. Ao menos não dou secas de morte às outras pessoas nem destruo blogs que costumavam ser vivos e interessantes, à custa de tanto copy paste que apenas demonstra a limitada criatividade de quem escreve.

2:17 da tarde  
Blogger Alexandre Dias Pinto said...

Cara Senhora à beira de um ataque de nervos:

A sua crítica não é pertinente nem justa. Em primeiro lugar, porque os textos escritos para blogues não têm de respeitar uma única temática (política, literatura, desporto, etc.); é saudável que os temas tratados num blogue sejam variados. O que o Pedro aqui faz é recuperar factos, dados, memórias que ficaram perdidos no tempo e que urge preservar. Os seus textos são interessantíssimos pelo assunto abordado, pela subtileza da escolha e da forma como são apresentados. E, depois... são escritos com o estilo fascinante e riquíssimo do seu autor.

Falta de criatividade? Que crítica mais infundada! O artigo é, como outros que o Pedro escreve, um texto de divulgação, de recuperação de factos e memórias. Mas, como eu disse, é apresentado com uma leveza e com um estilo, aqui escorreito (apesar de erudito) ali humorístico, que lhe confere criatividade e identidade.

Copy-paste? Que loucura! Os textos são do signatário do artigo. E, cara senhora, citar não é plagiar. Quando os excertos são convocados, pretende-se dar a palavra aos intervenientes directos. Mas as citações são excerto integrados no texto do autor.

Um conselho: diziam os Parodiantes de Lisboa que a cevada era boa para os nervos. Teste a teoria.

9:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Ah, espera, que afinal estão bem um para o outro. Adeus.

11:31 da manhã  

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