“S. Martinho de Anta, 6 de Maio de 1978”
« Nem eu próprio sei explicar o absurdo. Não tenho dúvidas de que tudo há-de ser assim, que qualquer dia, em vez de vivo e activo, com os sentidos a correr à frente do automóvel, venho fechado num caixão – sem poder mais sorrir ao rododendro de Magueija, olhar com melancolia a Sé de Lamego, encher os olhos de paisagem na descida para a Régua -, e não sei que parte de mim nega-se a admiti-lo. A pergunta ansiosa que faço desde menino é agora quase que uma obsessão. Quando? Será hoje? Será amanhã? Torturo-me em cada lugar onde chego: estou aqui pela antepenúltima, pele penúltima ou pela última vez? E, contudo, o pânico da interrogação não abrange toda a minha natureza. O mais íntimo dela recusa-se a aceitar a irrevogabilidade do aniquilamento, a fatalidade da morte. É como se a certeza da eternidade estivesse inscrita no meu código genético.»
Miguel Torga, Diário, vol. XIII.
Miguel Torga, Diário, vol. XIII.
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