Às vezes é Abril
Começo por desdizer o título deste post, mas só aparentemente: Para mim, Abril será sempre Abril! Abril, com "A" maiúscula. E nenhum acordo ortográfico me há-de obrigar a grafar o nome deste mês com minúscula inicial. Abril será sempre Abril: por muitas voltas que o Portugal democrático dê, por muitos que sejam os demagogos e aspirantes a tiranetes que procurem domesticar os portugueses, não amaldiçoarei nunca o dia em que o Estado Novo chegou ao fim. A democracia em Portugal está longe de ser plena, e os índices de cidadania estão longe de ser os desejáveis. Pior ainda: nos últimos quatro anos, a democracia tem definhado a olhos vistos. Mas esse não é um pretexto para amaldiçoar Abril.
Nasci em 69, tinha cinco anos em Abril de 74. Felizmente, não passei pela experiência de viver sob o signo do autoritarismo poliítico e da intimidação; não conheci o medo que então se entranhava nas relações quotidianas entre conhecidos, colegas e amigos. Se tenho vivido durante o Estado Novo, teria muito provavelmente tido problemas com os agentes do regime. A minha revolta teria sido certamente imensa, e o meu ódio ao regime, a quem o sustentava e (pior!) a quem com ele era conivente ter-se-ia tornado obsessivo. Abril permitiu-me crescer livre, pensar, conhecer, reflectir, criar, amar, criticar, ser solidário e ajudar os outros. Abril foi vida, quando o que existia antes era a morte. Abril, para mim, será sempre Abril. Deu-me o sonho sem me ter obrigado a passar pelo pesadelo.
No entanto, quando olho para o Portugal de hoje, 35 anos após a madrugada que tantos esperavam, concluo que nem sempre é Abril. E os últimos quatro anos têm sido os menos democráticos, os mais terceiro-mundistas e os mais fétidos do Portugal democrático. Não preciso de retratar aqui a situação que os media têm caracterizado e atestado tão amplamente nos últimos anos: o sistema capitalista faliu e provou que era um monstro voraz (mas os economistas, os empresários e alguns políticos continuam a não querer admiti-lo); a classe governante tornou-se mais requintadamente manhosa, amoral (e imoral) e maquiavélica; as relações laborais e sociais pautam-se pelo mal-estar, a injustiça e a perseguição; os desfavorecidos são cada vez mais desfavorecidos; os discriminados, mais discriminados. A vida quotidiana está a tornar-se insuportável e insustentável. Fez-se a revolução política mas não se realizou a revolução social e das mentalidades. Aliás, o ADN ideológico português está impregnado de ideias, tiques e práticas salazarentas e salazaristas. Não chegaram 35 anos para os limpar, não sei quanto tempo mais perdurarão.
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E, no entanto, hoje é Abril. E a Esperança renasce. Abril renasce nos gestos solidários e altruístas de muitos portugueses; Abril renasce na Amizade e no Amor, que ainda existem; Abril renasce quando um Homem ainda pode ser Homem e não escravo ou verme; Abril renasce quando meus alunos mostram uma mente aberta, crítica e construtiva; Abril renasce quando eu sonho ou crio ou vejo os outros sonhar, criar e rir. É isso que me faz dizer que, enquanto Portugal não se tornar eternamente Abril, às vezes ainda é Abril.
1 Comments:
Neste dia lembrar-me-ei sempre de ti. Saudações de Abril.
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