sábado, abril 04, 2009

ZOMBIE ROOM: DA GAIOLA DE SKINNER À MÁQUINA SCHWITZGEBEL



«People are manipulated; I just want them to be manipulated more effectively.”

B. F. Skinner

« Os escritórios da CIA nos Estados Unidos são muito úteis. As suas relações com as universidades têm duplo sentido: a CIA financia certos programas nas universidades; em troca, estas ajudam-na a recrutar pessoal. (…) Apesar da possível perda de liberdade académica, há muito poucas universidades que tenham recusado trabalhar para a CIA. Esta pôde conseguir os serviços de quase todas as instituições universitárias com as quais entrou em contacto, bem como do seu pessoal….»

David Wise & Thomas B. Ross, O Governo Invisível, 1964.



Pelo que vai neste e nos títulos dos anteriores, ao caro leitor não lhe passe pela cabeça que eu levo o psicólogo Burrhus Skinner à rédea de “monstro”. Não. Nem mesmo se soubesse dele indícios fortes de colaboração com a CIA, ao invés dos que há do seu contemporâneo crítico e afamado psicólogo “humanista”, Carl Rogers. Não tenho é a mínima dúvida de ser Skinner um típico exemplar de sujeito afectado de uma mitomania aliás comum a tantíssimos contemporâneos nossos, e tal que basta só por si para identificar e definir toda uma época da história da humanidade; uma mania que é um complexo de todas as mais perigosas ambições e as mais iludidas esperanças da desrazão humana. E que pode resumir-se em duas palavrinhas, já tão bem casadas e hoje aglutinadas em um só termo: “tecnociência”. Ciência, Tecnologia, Tecnociência… - eis a sagrada família que extasia os veneradores da “razão”, da “crítica”, do “conhecimento objectivo”, e do “humanismo” secular expungido das arcaicas e perniciosas superstições da mitomania religiosa.

Skinner era em uma só pessoa um inventor nato, daquela espécie de gente hábil na invenção e montagem de engenhocas; também era um cientista curioso, da curiosidade daquela espécie de meninos capazes da vivissecção dos gatos e canários domésticos; e também era o intérprete músico em piano e órgão das fugas de Bach... Um artista que nas suas horas líricas era capaz de versos como estes, que bem podiam ter ficado em epígrafe:

Define
And thus expunge
The ought
The should
(…)
Truth’s to be sought
In Does and Doesn’t.

Faz ou não faz? Eis a questão que só interessa. Se numa pequena gaiola os ratos fazem, por que não os humanos numa gaiola grande do tamanho da cidade ou do mundo? (Pela inversa veio a interessar-se um bioengenheiro de Stanford, Irving Weissman, que em 2001 injectava células estaminais do tubo neural de fetos humanos abortados no tecido cerebral de ratos, que ficaram a ter cerca de 1% de neurónios e células gliais humanas.) E se uma máquina faz o mesmo que um homem, a ponto de já não se conseguir saber (“cientificamente”!) qual é o quê, que interessa o quem é quem? Assim já não é só o "ought" e o "should" - a viabilidade do "define" fica também “expungida”.

O engenhoso Skinner não precisava sequer da sua grelha eléctrica para se orgulhar de pôr os pombos a dançar o oito em menos de quinze minutos de amestramento. E como também era um bom patriota americano, chegou a garantir aos militares ser capaz de fazer os pombos guiarem mísseis infalivelmente para um alvo. E parece que a ideia só foi abandonada porque o complicado sistema de acoplar as aves com as suas caixas de “reforço operante” às bombas, subtraía a estas tantos quilos de explosivo que ficavam certeiras, sim, mas quase inofensivas… Agora, leitor, suspendamos o riso. Se Skinner nos perguntasse: - na hipótese de conseguirmos com o “thus expunge” eliminar os “ought” e os “should” dos códigos de honra e de nobreza dos kamikaze humanos, substituídos por pombos, não teríamos afinal realizado um progresso “moral”, poupando vidas humanas à pressão cultural de mórbidas ideologias? – que lhe responderíamos?...

Pelos anos em que vimos o psicólogo Stanley Milgram fazer inofensivas experiências com falsos electrochoques, o doutor Ewen Cameron fazia outras, que não aparecem nos manuais de Psicologia. Este psiquiatra não acreditava na eficiência da psicanálise freudiana, nem acreditaria que os “reforços” skinnerianos fossem suficientes para modificar comportamentos resultantes de “distúrbios da personalidade”, como a chamada “esquizofrenia”. Havia que agir directamente e eficazmente sobre a personalidade, isto é, sobre o cérebro, mas com procedimentos inovadores e mais sofisticados que as leucotomias do nosso Egas Moniz ou as lobotomias de Walter Freeman, que, nos anos 50, percorria triunfalmente o território americano numa unidade automóvel especialmente equipada – o “lobótomo” -, disposto a lobotomizar quem quer lhe aparecesse no caminho.

Pois sucedeu que entre 1957 e 1964 o dr. Cameron e a sua equipa meteram muitas pessoas diagnosticadas à pressa com “esquizofrenia” num bloco de acesso restrito anexo à escola médica da universidade McGill em Montreal. E nelas experimentou o seu revolucionário método de “depatternizing”, “psychic driving” e “benefical brainwashing”. Estes nomes eram pelo dr. Cameron, por essa época alçado a presidente da World Psychiatric Association, convictamente entonados e seriamente escutados em colóquios científicos internacionais e lidos em artigos do American Journal of Psychiatry. Resumindo muito agora, porque quero poupar-me e ao leitor a detalhes repugnantes: durante semanas, por períodos que chegaram a 3-4 meses, os pacientes que se lhe tinham confiado eram primeiro postos a dormir com um cocktail de barbitúricos, às vezes por mais de uma semana; eram submetidos a sessões continuadas de electrochoques com voltagens mais de dez vezes superiores às normalmente usadas; em estado de quase total privação sensorial, eram obrigados a ouvir, a dormir ou semi-acordadas, às vezes 16 horas seguidas, diariamente, 6-7 dias por semana, repetidamente as mesmas frases, de trechos gravados de entrevistas anteriores com o médico e outras.. A partir de certa altura, os electrochoques alternavam com doses de LSD 25. Não admira que no fim saíssem da chamada “Isolation Chamber” fazendo jus ao nome que o pessoal de enfermagem lhe dava: a “Zombie Room”…

Quem fornecia a droga, subsidiava e monitorizava a torcionária actividade do sábio cientista Cameron (um dos peritos médicos americanos que tinham examinado e considerado responsabilizáveis os arguidos nazis no Tribunal de Nuremberga!) era a mesma entidade que, desde 1950, promovia e coordenava um conjunto de programas de investigação sobre estados alterados da consciência e modificação do comportamento: - a CIA. Aliás fora em 1950, precisamente, que um agente desta, empregado em jornalista, tinha lançado o nome “brainwashing” e o boato de que chineses e coreanos aplicavam extraordinárias técnicas de “lavagem ao cérebro” em militares americanos aprisionados na guerra da Coreia. O mais duradouro desses programas chamou-se MK-ULTRA, chegou até princípios dos anos 70 e envolveu equipas dirigidas por 185 investigadores e cientistas e 80 instituições não governamentais, entre as quais não poucos hospitais e universidades americanas de maior nomeada. Mas também no estrangeiro, como vimos na Canadá (com conhecimento do governo canadiano) e se viu no hospital de S. Tomás em Londres, onde um amigo a émulo de Cameron, o dr. William Sargant e autor de The Battle for the Mind: A Physiology of Conversion and Brainwashing se dedicava a idênticas experimentações com seres humanos. Entre os vários subprogramas do MK-ULTRA, um aqui nos interessa directamente: o uso de drogas, electrochoques, indução hipnótica e radioeléctrica de pensamentos, emoções e comportamentos. Parece que a percepção extra-sensorial já era objecto de interesse, como certamente foi nos anos 70. Com estes objectivos, entre outros: avaliar e desenvolver métodos de obter informações de uma pessoa sem a sua vontade ou sem o seu conhecimento; processos de aumento diminuição o fragmentação da memória e da consciência; controle e condução do comportamento, de forma a que os sujeitos obedeçam a ordens mesmo contra a sua vontade e tendências mais básicas de auto-preservação.

O engenheiro assistente de Cameron, que tinha montado em McGill a parafrenália eléctrica da “Isolation Chamber”, com aperfeiçoamentos e inovações técnicas notáveis que incluíam almofadas de cama forradas de microfones e micro-altifalantes, era um indivíduo que não interessava menos a CIA. No Office of Research and Development, a Agência iria recolher e desenvolver por sua conta as tecnologias de “radiotelemetria” para estimulação eléctrica do cérebro humano. Uma delas, a “Schwitzgebel Machine” era uma pequena caixa inventada pelos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel, do laboratório de Psiquiatria da escola médica de Harvard: tratava-se de um minúsculo aparelho acoplado a uma cinta, capaz de receber e retransmitir sinais eléctricos do cérebro para um equipamento de radar, até cerca de 400 metros de distância. Era, nos princípios da passada década de 70, o protótipo das “pulseiras electrónicas” de hoje, que hoje nos dizem que são só para presos fora das prisões. Mas, caro leitor, quem são estes "inseguros", "passivos" e "despersonalizados" aos quais parece que vivem fora de prisões ?...



[ Depois do citado livro de Robert Wise, o leitor interessado tem aqui outro dos livros (de não ficção) fundamentais sobre “O Governo Invisível”, escrito por um ex-funcionário do State Department e ex-colaborador da Agência:
http://www.druglibrary.org/schaffer/lsd/marks.htm

E aqui fica também um pequeno vídeo de introdução historicamente contextualizada sobre o programa MK-ULTRA. Notável a citação inicial de Ewen Cameron: umas palavras que poderiam ser assinadas por essoutro fervoroso crente na “cultural engeneering” que foi Skinner:
http://www.archive.org/details/tmdg

É também de Skinner a ilustração deste postal: o “air crib”, um berço climatizado que ele inventou quando do nascimento duma filha sua, inteiramente seguro e dotado de todo o conforto e lúdicos “reforços operantes” para os bebés, deixando os papás descansados e livres para outras tarefas. O também inventor da “teaching machine” (com esses quizzes tão populares nas TIC educativas de hoje), tentou vender o “air crib” às mães donas de casa americanas, parece que com pouco sucesso. ]