REALEZA PECULIAR DE CRISTO
« Será útil repetir o que disse e repisei em artigos, em conversa, de todas as maneiras que soube, e que o Evangelho tinha dito antes, para quem quisesse ouvir?...
Talvez até nisto haja actualidade num país em que as almas, que se dizem ou crêem piedosas, lêem tudo com sofreguidão menos o Evangelho, porque certa aberração devocional moderna leva por vezes muitos espíritos a matarem sedes em fios de água tortuosos, encharcados alguns, e a esquecerem a fonte divinal, que a Revelação ofereceu à Humanidade.
(…)
Devo prevenir de antemão que aquela realeza peculiar é das que escandalizam muitos sequazes do próprio Cristo e fazem rir escarninhamente aos que se revoltam e O não querem para rei.
(…)
O Reino de Cristo conquistará e vencerá se nós o compreendermos como ele é e o vivermos.
Muitos devotos modernos do Coração de Jesus, em França e Portugal, deliraram acerca de um império temporal invencível e omnivitorioso, que teria por condição o estampar-se o Coração Real de Cristo na bandeira da pátria. Numa carta de grande elevação espiritual, dirigida a M. de Narfon e publicada no Figaro de 4 de Maio de 1918, o sábio padre Billot frisava o verdadeiro absurdo teológico de uma promessa divina interpretada no sentido enfatuado dos patriotas messianistas: “Chimères! Chimères, qui ont le grand tort de donner le change sur une dévotion admirable, toute orientée vers l’acquisition des vertus surnaturelles…”
Que é que podem esperar do Senhor os seus favorecidos, que sejam colectividades, pátrias, associações, lares, ou que sejam almas individuais?... O que o Senhor deu ao seu Filho muito amado: sofrimento, trabalho, generosidade, para levarem gostosamente a cruz da caridade.
Uma pátria será próspera e grande aos olhos do Senhor quando espalhar pela terra muito bem. Quando propagar, à sua custa, pelo mundo, o Amor de Cristo, quando muitos dos seus filhos forem imolados à glória da expansão do Evangelho.
Se queremos que reine entre nós Cristo, disponhamos a nossa alma à dor, ao perdão, a uma vida de trabalhos e de frutos de caridade.
Enquanto não aceitar este substrato de abnegação, de humildade, de sacrifício, o nosso clamor de “Venha a nós o Vosso reino” – obstinado a aliar-se com o comodismo e a comodidade ou com o orgulho, será um clamor de hipócritas, que terá a responsabilidade de atrasar até a vinda daquele Reino e de fazer blasfemar aos insensatos contra o Rei Divinal, por O imaginarem tão inútil como os seus pregoeiros.
Não farei aos leitores a injúria de os supor tão cobardes, ou tão loucos, que preferissem à glória do amor e do trabalho o gozo vegetativo e mortal dos egoístas. »
Joaquim Alves Correia, A Largueza do Reino de Deus.
[ Realcei os itálicos do autor nestes excertos do 1º cap. da obra que trazia como subtítulo da 1ª edição de 1931: Ou de Como a Intolerância e o Despotismo são Apenas Variações do Anti-Cristo Proteiforme. Máscaras deste eram os nacionalismos fascista e hitleriano, de que o padre Joaquim Alves Correia (1886-1951) foi dos primeiros denunciadores entre nós. Como antes já tinha sido do nacionalismo monarquista do tipo da Action Française , a que alude no texto, propenso à instrumentalização da religião pela política. Não terá sido por acaso que a encíclica de Pio XI que instituiu a festa litúrgica de Cristo-Rei, em 1925, foi seguida da condenação daquele movimento, no ano seguinte. Crítico do regime do “Estado Novo”, em que nunca acreditou, Alves Correia, missionário, professor e teólogo da Congregação do Espírito Santo foi obrigado a exilar-se em 1946 para os Estados Unidos, onde faleceu.
A imagem supra é a da estátua de Cristo-Rei que o leigo católico e monárquico Aristides de Sousa Mendes (1885-1954) mandou fazer na Bélgica e transportar para Portugal, onde ficou erguida no sítio em que está hoje: na sua terra natal de Cabanas de Viriato, voltada para a serra da Estrela, de Coração aberto para o centro e leste da Europa. Foi no ano de 1933. Julgo terá sido esta a primeira estátua da invocação de Cristo-Rei levantada em Portugal. ]
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