sexta-feira, maio 08, 2009

RUY CINATTI: UM NÓMADA AO DEUS-DARÁ



Dizia-nos aqui na semana passada Bernardo Pessoa que “tinha um amor orgânico e fatal à fixação”. Dizia isto em 1932. Era o tempo em que os jovens portugueses tinham tempo nas férias para ter tempo livre. Daquele Verão de 1941, contaria o então jovem Ruben Andersen Leitão n’ O Mundo à Minha Procura a chegada à praia da Granja, em Gaia, dum grupo de amigos à procura dele: « … que pela praia vinham há semanas desde a Ericeira, acampando ao Deus-dará e relatando peripécias do mais alto chiste. Ver aquela farandulagem surgir diante do ar recatado das famílias que no bar da piscina evitam amarrotar os vestidos brancos, ou sujar a biqueira, ver aqueles mistos de vaqueiros de barbas fortes, queimados como torresmos, de cajado e sacola, foi como assistir à verdadeira procissão do mundo centenário da nossa raça. Uma história deliciosa que contaram, das muitas que me legaram em testamento, foi a paragem em S. Pedro de Muel de visita ao poeta Afonso Lopes Vieira, amigo do Cinatti, na Casa do Mar, com o símbolo da vieira, que mais tarde eu havia de conhecer. O poeta do vento é bom bailador, baila, baila e rodopia, o poeta da finesse, recebeu-os com todas as honras do estilo poético do Cinatti, albergou-os, sentiu a verdade que transportavam. »

O duas vezes nomeado Cinatti, no livro com que publicamente se estreou poeta, desse mesmo ano de 41, apresentar-se-ia a si e aos amigos como « vagabundos do sonho / atentos às mensagens do Céu ». O delicado e ultracivilizado poeta Lopes Vieira não sei se teria medido bem o peso daquela “verdade que transportava” e carregaria com ele toda a vida o simples e primitivo poeta Ruy Cinatti; do mesmo modo, não sei se o amigo Ruben A., com aquela do “mundo centenário da nossa raça”. Mas era, de facto, e foi até ao fim de seus dias, um exemplar de pura raça esse que, seis anos antes, aos vinte de idade, já percorria as colónias portuguesas da África ocidental e, na ilha do Príncipe, tinha tido a “A Alegria do Descobrimento”, que traduziu assim:

« Fazendo roda, com os rostos extremamente sérios, quase cerrados a qualquer expressão, os corpos nus, reflexivos como felinos evitando obstáculos imperceptíveis, ei-los na sua beleza perfeita, como um friso de estátuas que um sopro divino tivesse posto em movimento, como a África própria, hostil e atraente. »

Os ritmos, os cantos, a dança não se interrompem com a cerração da noite, e prosseguem sob chuvosa e trovejada tempestade tropical, que não apaga o fogo:

« Os negros permaneciam indiferentes, como que absorvidos pelo sentido maravilhoso da arte, que em si próprios realizavam. A água escorrendo-lhes pelo dorso desviava-se, seguindo os canais musculares, dinamizando-os ainda mais. A terra saturava-se num instante, liquefazia-se, para deslizar como um rio de magma avermelhado. As árvores enchiam-se de tremores estranhos, a folhagem das árvores aguçava-se. Mas os negros continuavam, dir-se-ia que formados pela terra; naquele momento eram formas de terra que nasciam e se movimentavam, percorridos pelo sangue da terra, pulsando a natureza inteira. Com toda a beleza dos movimentos animais, executavam a dança, talvez inconscientes, porém profundamente convencidos da exactidão e do sentido plástico, que as suas atitudes revelavam e a que a chuva emprestava um pano de fundo irreal. »

O jovem europeu é da raça dos portugueses capazes de sentir o peso “dum mistério que (…) não compreendia”, e não se fica sem reagir: desata a correr, interna-se e isola-se na escuridão da floresta…

« O barulho dos tambores ouvia-se lá longe, transmitindo-se pela ramaria em ondas sonoras e que depois se confundia com os próprios ecos. O homem continuava a dominar a natureza, dominando-me. A minha paz só se podia restabelecer quando fosse apenas eu o único homem na floresta, dominando-a, não com o movimento, não com as sonoridades, mas sim com as palavras da imaginação… »

Os “tremores estranhos” das árvores e a “folhagem aguçada” na aguda percepção do poeta não lhe inibem ou cortam os “canais” onde “pulsa a natureza inteira” e, como toda a terra que tocou o nómada que por quase toda a terra andou, a África lhe ficará para sempre não hostil mas atraente. Notável é que o português não se recuse ou refugie acolhido ao quartel colonial: não foge da floresta, entra sozinho por ela. E é percorrendo toda a escala da floresta obscura da consciência pessoal e colectiva, animal e espiritual, terrestre e celeste, que há-de encontrar as precisas palavras suas para dizer o que tem de dizer - as “palavras da imaginação”. De lhe ter ficado para sempre algo do que da “África própria” se “transmitia pela ramaria” até à necessária distância para se tomar o pulso e passo seus, teve, entre outras esta consequência: não poucas vezes, e quando mesmo já adiantado em anos, ouvindo música entre amigos ou desconhecidos, sucedia o corpo magro, flexível e felino do poeta pôr-se a dançar sozinho estranhas coreografias… Outra forma de “realizar em si próprio o sentido maravilhoso da arte”.

Mas, depois de prensada e espremida a cordial, consonante sensibilidade com as coisas, depois da necessária destilação e do tempestivo repouso, o que a voz da manhã exprimida dá é isto:

Ah!, aquela manhã, quando acordou
Foi ao som dos sinos, não do vento
Pulsando a ramaria.
No silêncio da selva se escondeu
A voz de Deus nascido, ao relento,
E as vozes ecoaram longamente.

Cessaram os tantãs….


A “voz de Deus”… Uma voz que não impede outras vozes de “ecoarem longamente”. São versos dessa estreia de Ruy Cinnati em livro que – de poeta cristão e, portanto, católico - não estranharemos levasse como título Nós Não Somos Deste Mundo. Um livro onde “grande parte da geração do autor encontrou na sua voz a expressão de si própria”, como diz Helena Cidade Moura, que fez parte dela. Uma geração que se estreara no ano anterior de 40 na 1ª série da revista Cadernos de Poesia, apresentada por Cinatti, um dos fundadores. Foi aí que, se não erro, também nasceu para a Literatura uma amiga sua, Sophia de Mello Breyner, que, mais de 50 anos depois recordava assim o poeta: « Mestre é aquele que reconhece a unidade entre a poesia e a vida. Quando na minha adolescência o conheci ele era para mim e para um pequeno grupo de gente muito nova o poeta mítico. Trazia-nos perturbação e deslumbramento. Dele esperávamos que nos revelasse, mais do que a verdade intelectual, a verdade espiritual e o verdadeiro caminho da vida. Era o nosso guru. Quem assistiu, nunca mais esquecerá aqueles fins de tarde de Primavera em que Ruy Cinatti, caminhando em equilíbrio sobre a beira do tanque, proclamava ao sol e à brisa poemas de Ezra Pound. Ele era o arauto de todas as modernidades. »

Julgo suficiente todo o sobredito para atenuar os previsíveis hodiernos mal-entendidos com o “nós não somos deste mundo” de quem sempre se expôs e nunca se temeu de ficar “ao relento”. A depuração para o necessário crescimento em fundura e altitude não significam separação nenhuma. Longe disso. Espero que o trecho seguinte dum poema que esteve inédito até 1995 (mas que deve datar desses anos 40), dissipe toda a dúvida.


Para se ser poeta é preciso ser-se simples
Como eram simples os elementos naturais
Antes de Deus fazer misturas.
Para se ser poeta é preciso nascer-se poeta
E ainda assim não chega pois nem todos falam música
[ou cometem o impossível.
Para se ser poeta é preciso também despir as vísceras
Que, à força de hábito, se acostumaram a usar a cor dos fatos
E a forma dos sapatos
E a beleza das gravatas.
É preciso despir as vísceras e pô-las ao sol,
Lavá-las no mar,
No mar cheio de coisa podres mas imune,
Na terra onde o embrião força a semente
E suga o néctar onde os vermes se espreguiçam;
Depois é só com a flor e o seu perfume,
E nascer de novo com cada coisa em seu lugar
Como a mulher que concebe
E conhece a Deus no beijo do homem amado.
Só então o poeta começa a ser poeta
De modo algum somente aquele olhar
Ou a sublime ideia ou ainda o sonho:
Apenas três degraus mas não o trono
A realidade infinita.


1 Comments:

Blogger pvnam said...

«........mini-spam........»
Não sejam BURROS! Não se pode andar a perder tempo com BANDALHOS!
(é preciso dizer NÃO aos Bandalhos Brancos)


---> Os Bandalhos Brancos (a maioria dos europeus) não se têm preocupado em constituir uma sociedade sustentável (média de 2.1 filhos por mulher), e têm argumentado que se deve recorrer à imigração para resolver o problema demográfico!!!
---> Mas acontece que muitos imigrantes vêm de países (ex: islâmicos) aonde precisamente foi a repressão dos Direitos das mulheres (mulheres são tratadas como úteros ambulantes...) que permitiu alcançar uma boa produção demográfica... e consequente exportação de população.
---> Quando a população originária desses países dominar demograficamente a Europa (eles caminham para isso a passos largos) , quem (leia-se os Bandalhos Brancos - a maioria dos europeus) andou a proclamar que os imigrantes seriam os salvadores do problema demográfico, sabe muito bem que vai ter que comer e calar...,...
RESUMINDO: Os Bandalhos Brancos estão a liquidar os Direitos das mulheres... e a Liberdade de Expressão (veja-se os casos de Theo van Gogh, Geert Wilders, etc...).

---> Como não constituem uma SOCIEDADE SUSTENTÁVEL - isto é, uma sociedade dotada da capacidade de renovação demográfica - os Bandalhos Brancos procuram infiltrar-se em qualquer lado [ex: quer importando outros povos para a Europa... quer deslocando-se para o território de outros povos...], consequentemente, os Bandalhos Brancos são intolerantes para com a preservação/sobrevivência das Identidades Étnicas Autóctones...



ABRAM OS OLHOS: Não há tempo a perder com Bandalhos... antes que seja tarde demais, há que mobilizar, para o SEPARATISMO, aquela minoria de europeus que possui disponibilidade emocional para abraçar um projecto de Luta pela Sobrevivência...

6:54 da tarde  

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