quarta-feira, abril 07, 2010

MOINHOS E MOENDAS


Tão bem me governaram o amor
E os benefícios de Abu Bacre Almodafar
Que parti para um campo primaveril...

Com esta elegante ironia refere-se o poeta Abu Zaíde Ibne Mucana Alisbuni Alcabdaque ao termo do seu serviço cortesão na corte do emir Almodafar, de Badajoz, e retorno aos campos primaveris da sua Alcabideche (Alcabdaque) natal:

Deixei os reis cobertos com os seus mantos
E renunciei a acompanhá-los nos cortejos...
Eis-me em Alcabideche colhendo silvas
Com uma podoa ágil e cortante.

Aqui nascera em princípios do século XI, e aqui voltava na velhice, “quase surdo”, como diz, mas longe de cego: com cortante podoa da ironia a colher silvas, como quem diz colher os frutos de espinhosos trabalhos e desenganos. O mais precioso fruto é referido logo a seguir:

Se te disserem: gostas deste trabalho?, responde: sim.
O amor da liberdade é timbre dum carácter nobre.

Carácter e palavra de homem decidido e servido de atilado discernimento. Com uma condição:

Se és homem decidido precisas de um moinho
Que trabalhe com as nuvens sem dependeres dos regatos.

O sábio Abu Zaíde, escarmentado das silvas, não diz: dependente dos variáveis ventos políticos. Aponta para mais alto...

De ventos amigos dependiam os nossos velhos moinhos, cujo dia nacional se celebra hoje, 7 de Abril, que esteve lindo de Sol a enxugar os lavados campos primaveris. E nem faltou uma brisa delicada e suficiente para armar as velas dalguns que ainda as têm. Na década de 60 contavam-se ainda cerca de mil, só na nossa Estremadura. Pude visitar alguns, em plena laboração, e para sempre me ficará na lembrança o som músico das cabacinhas de barro furado, presas nos mastros e cordame das velas: ouviam-se longe, e davam aviso ao moleiro lavrador da força e direcção dos ventos. A mim me lembravam também outros ventos: o som da siringe grega (de que fala Parménides em seu Poema), que Dioniso tocava a convocar das silvas silvanos e ninfas. Na falta destas, bailavam as nuvens.

Em tais visitas e moendas fui guiado pelo velho amigo Gabriel Vitorino, a quem daqui saúdo, comovidamente.


[ O poema de Mucana está no vol. IV (1975) da antologia Portugal na Espanha Árabe, organizada por António Borges Coelho. Terá sido composto cerca de 1068, ano em que morreu o citado Almodafar. Vai infra uma fotografia do moinho de que Vitorino Nemésio, aqui lembrado na quinta-feira passada, foi proprietário no cabeço da Portela de Oliveira, serra do Bussaco. O Poeta chegou a ser presidente da Associação Portuguesa dos Amigos dos Moinhos. A Câmara de Penacova restaurou-o e tem próximo dele um bonito e instrutivo Museu do Moinho, que muito recomendo ao estudante amador e procurador das coisas boas portuguesas.

Duas ligações úteis: http://www.moinhosdeportugal.org/web/