É PRECISO MUDAR PARA QUE TUDO FIQUE NA MESMA.
Não gosto de referendos, não gosto de referendos porque:
1. o referendo é uma forma de auscultação da opinião popular, ou seja, os consultores são chamados a dar uma opinião, a partir de uma pergunta já formulada. Ora, não é preciso ser especialista em filosofia da linguagem para saber que qualquer pergunta encerra em si própria o sentido de uma resposta. Não foi por acaso que a pergunta que será colocada aos portugueses no dia 11 de Fevereiro teve um tempo de gestação muito superior à de um ser humano, e, mesmo assim, foi arrancada às doutas cabeças dos senhores deputados e de um inúmero considerável de especialistas, pelo método de fórceps.
2. o referendo é uma forma de auscultação da opinião popular, como tal, não é vinculativa. A actual maioria ou a futura maioria poderá referendar o referendo. Assim, o estatuto jurídico e constitucional do referendo desprestigia todo o acto eleitoral de sufrágio universal. Poderemos pensar que o referendo reforça a democracia. Ao invés, fragiliza-a, torna o acto eleitoral uma mera consulta de opinião, sem o carácter decisório que todo o acto eleitoral democrático deverá sempre ter. Não é por acaso que muitas ditaduras e regimes claramente autoritários recorrem à estratégia do referendo, não deixando, no entanto, por isso, de ser ditaduras.
3. o referendo revela grande fragilidade do sistema político, no que diz respeito à capacidade de decisão da Assembleia da República. Esta fragilidade pode, no futuro, arrastar consigo perigosos bloqueios para o sistema político. Sob a capa democracia, a democracia referendária revela a desresponsabilização do poder político.
4. o referendo é hipócrita. “Votar sim é votar contra a hipocrisia”. Qual hipocrisia? A hipocrisia maior não é o próprio referendo? É exactamente devido a essa hipocrisia que não gosto de referendos e, como tal, não vou votar neste referendo. Porque não referendamos a nossa permanência (ou entrada) na U.E., na NATO, o pacote Laboral, as privatizações das empresas públicas do estado (se o estado somos todos nós?), as propinas, o envio de tropas para o Iraque, a eutanásia, a entrada (ou a saída) de imigrantes, os anos de prisão para os crimes previstos no código penal, etc.? Porque não podemos escolher através do referendo o regime republicano ou monárquico?
Em suma: o referendo banaliza o acto eleitoral, confunde, em vez de esclarecer, enfraquece a democracia.
Não foi por acaso que os legisladores da constituição de 1976 não incluíram o referendo na lei fundamental. Lembro-me, que nessa altura os deputados da Constituinte discutiram se o corpus constitucional deveria ou não permitir o referendo, e, lembro-me, também, que só a direita mais conservadora defendia a democracia referendária. O marasmo a que esta democracia chegou precisa de referendos como “o pão para a boca”. Convido-vos a olhar para os comandantes dos dois movimentos antagónicos. Quem são? As elites de esquerda e da direita, ou seja, a elite portuguesa. O referendo da IVG é a festa da elite portuguesa. Mais uma vez, a mulher que aborta no “vão de escada” não foi convidada para este festim. Alheada de todos os argumentos retóricos da elite, das máquinas partidárias que falam em nome dela, das empresas de publicidade, ela sabe que depois do dia 11 de Fevereiro continuará a abortar no “vão de escada”. Por isso, no dia 11 de Fevereiro, qualquer que seja o resultado, tudo ficará como dantes.
2 Comments:
Caro Raimundo
Em tudo aquilo que diz tem a sua razão, principalmente naquela das ditadures referendárias e das perguntas dirigidas. Porém, não consigo ter a sua aversão pelos referendos e a razão porque a constituição de 76 não os contemplava não parece ser aquela que deixa subentendida. Sou mesmo defensor dos referendos e do mandato imperativo, tais medidas concedem aos eleitores verdadeiro poder decisório e há questões que, com perguntas dirigidas ou não, devem ser referendadas.
Já agora mais um argumento contra os referendos. Feitos em alturas ideais desviam a atenção para questões que não põem em causa o poder, como tem acontecido no caso da IVG, como tem reparado, as questões mais importantes da vida do país ficam na sombra.
Apoiado, Raimundo. Ou então referendem-se todas as alterações de lei, ou as novas leis.
Quer dizer, eles estão no parlamento para pensar (ao menos isso)nas coisas ou são pagos para pensarmos e decidirmos por eles?
Embora feliz com o resultado deste, não deixo de afirmar que a questão devia ter sido resolvida no parlamento.
(fiquei sem saber se, afinal, o xor z é a favor ou contra o referendo...)
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