DO TONEL AO POÇO
Olhemos outra vez para o interior do tonel: não está mais escuro lá dentro do que na praça pública onde Diógenes andava de lanterna acesa. E que vemos? A “Grande Mãe”?... Aquela a quem o efésio Heraclito tinha entregue o livro dos apotegmas obscuros?... O que eu vejo agora é um grande pai: como se fosse um poço fundo, no tonel ecoa o nome daquele que todas as “histórias da Filosofia” consideram o primeiro, o patriarca, geralmente famoso e estimado como um dos “sete sábios da Grécia” - Tales de Mileto. Era um homem capaz de mudar o curso dos rios, medir a altura das pirâmides e das estrelas, encomendar eclipses do Sol que punham termo a conflitos bélicos e… de especular negócios com lagares de azeite. Foi ele, segundo Aristóteles, daqueles “primeiros filósofos que consideraram formas de matéria como os únicos princípios de todas as coisas”; terá sido mesmo “o iniciador de tal filosofia”, a que o Estagirita chama dos “physiologoi”. Era pois um estudioso da physis, da natureza das coisas que compõem o cosmos, e terá considerado que essa forma material primigénita, substancial e subsistente da “natureza” seria a água…
Interessa-me aqui mais o poço. Olhando melhor, vê-se que também este sábio não menosprezava a companhia feminina. Diz-nos o eco: “Certa noite, Tales, enquanto olhava para cima, para os astros, caiu num poço. E conta-se que uma guapa e jovem criada da Trácia troçou dele, pelo ardor de conhecer as coisas celestes sem se dar conta do que tem diante si aos pés.” E acrescenta Platão ao conto: isto é uma “graça” que “serve para todos os que se dedicam à filosofia”, e que “têm apenas o corpo na cidade” mas cujo espírito viaja pelas extensões astrais ou (citando aqui um verso de Píndaro) vai “até às profundezas da terra”. O historiador Diógenes Laércio, refere o episódio, com pequenas diferenças menos lisonjeiras para o nosso cientista distraído. Em vez de uma jovem temos uma “velha”. Mais vivida, portanto; e mais sabida daquela sabedoria nocturna que se desfiava ao lume da lareira enquanto se fiavam as estrigas. (No séc. XV a primeira recolha de provérbios ibéricos, do Marquês de Santillana, será intitulada Refranes que dicen las viejas tras el fuego.) Sabiam e podiam muitas coisas, essas velhas, às vezes temidas e perseguidas como “bruxas”. E o Tales viu-se avelhacado por um velho cepticismo: - “Como é que tu queres conhecer o que está longe se não dás por o que tens ao pé?...”
Em honra do sábio, lembrarei que a tradição doxográfica atribui ao milésio uma série de ditos significativos de que ao “fisiólogo” não importava apenas a água, a altura das pirâmides, a composição da magnetite, os feixes de paralelas cortadas por rectas transversais ou outros problemas capazes de nos baldarem aos poços. Aforismos como os seguintes, em que o leitor logo reconhecerá a forma proverbial duma bem conservada sabedoria velha e o conteúdo de alguns que por cá a nossa tradição portuguesa conservou quase literalmente:
- As belas acções não carecem de belas palavras.
- Não deva a tua riqueza nada à justiça.
- Como tratares teus pais assim serás tratado por teus filhos.
- Difícil é cada um conhecer-se a si.
- Aprende e ensina apenas o bem.
- Mais vale ser invejado que compadecido.
- Sê comedido.
- Se queres governar, começa por mandar em ti.
Ao estudioso do magnetismo natural não terá faltado a lanterna de diogénio, se em seu nocturno passeio foi capaz de ir “até às profundezas da terra”, e tirar diamantinas respostas como esta que deu em certo lance:
« Defendeu que a vida nada tem de preferível à morte. E perguntaram-lhe: - “Então, por que não te entregas à morte ?” – “Porque não há diferença.” » E assim sendo, eu aposto que o tal poço de Tales foi também esse de onde bebemos a proverbial expressão “poço de sabedoria”.
Interessa-me aqui mais o poço. Olhando melhor, vê-se que também este sábio não menosprezava a companhia feminina. Diz-nos o eco: “Certa noite, Tales, enquanto olhava para cima, para os astros, caiu num poço. E conta-se que uma guapa e jovem criada da Trácia troçou dele, pelo ardor de conhecer as coisas celestes sem se dar conta do que tem diante si aos pés.” E acrescenta Platão ao conto: isto é uma “graça” que “serve para todos os que se dedicam à filosofia”, e que “têm apenas o corpo na cidade” mas cujo espírito viaja pelas extensões astrais ou (citando aqui um verso de Píndaro) vai “até às profundezas da terra”. O historiador Diógenes Laércio, refere o episódio, com pequenas diferenças menos lisonjeiras para o nosso cientista distraído. Em vez de uma jovem temos uma “velha”. Mais vivida, portanto; e mais sabida daquela sabedoria nocturna que se desfiava ao lume da lareira enquanto se fiavam as estrigas. (No séc. XV a primeira recolha de provérbios ibéricos, do Marquês de Santillana, será intitulada Refranes que dicen las viejas tras el fuego.) Sabiam e podiam muitas coisas, essas velhas, às vezes temidas e perseguidas como “bruxas”. E o Tales viu-se avelhacado por um velho cepticismo: - “Como é que tu queres conhecer o que está longe se não dás por o que tens ao pé?...”
Em honra do sábio, lembrarei que a tradição doxográfica atribui ao milésio uma série de ditos significativos de que ao “fisiólogo” não importava apenas a água, a altura das pirâmides, a composição da magnetite, os feixes de paralelas cortadas por rectas transversais ou outros problemas capazes de nos baldarem aos poços. Aforismos como os seguintes, em que o leitor logo reconhecerá a forma proverbial duma bem conservada sabedoria velha e o conteúdo de alguns que por cá a nossa tradição portuguesa conservou quase literalmente:
- As belas acções não carecem de belas palavras.
- Não deva a tua riqueza nada à justiça.
- Como tratares teus pais assim serás tratado por teus filhos.
- Difícil é cada um conhecer-se a si.
- Aprende e ensina apenas o bem.
- Mais vale ser invejado que compadecido.
- Sê comedido.
- Se queres governar, começa por mandar em ti.
Ao estudioso do magnetismo natural não terá faltado a lanterna de diogénio, se em seu nocturno passeio foi capaz de ir “até às profundezas da terra”, e tirar diamantinas respostas como esta que deu em certo lance:
« Defendeu que a vida nada tem de preferível à morte. E perguntaram-lhe: - “Então, por que não te entregas à morte ?” – “Porque não há diferença.” » E assim sendo, eu aposto que o tal poço de Tales foi também esse de onde bebemos a proverbial expressão “poço de sabedoria”.
2 Comments:
Caro Pedro, continuo a apreciar as suas coisas e enquanto lia o que escreveu fiquei a pensar porque é que no ensino secundário da filosofia se deixou de aprender, todos nós sabemos que pouco, mas, enfim, a história da filosofia que canonicamente se começava por este seu (nosso, da humanidade) Tales.
Nunca me esqueceu a reprodução nos livros da primária da história do poço.
Não sei se está a pensar em continuar historicamente a senda iniciada pelo miletense, de qualquer modo, continue para eu me poder "consolar" com o seus textos.
Caro XOR Z:
Veremos se continuo. Para já fico de guarda ao Tonel, a ver se os da ASAE passam de largo e caem no poço.
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