O “PESSIMISMO NACIONAL” ( 3) : COMPLICAÇÕES
“Não há coesão cívica “ na sociedade portuguesa, para o médico e escritor Manuel Laranjeira: “não existe essa coordenação colectiva que imprime aos aglomerados nacionais, que se chamam povos e nações, essa harmonia, essa unidade que os caracteriza como indivíduos e os impõe como verdadeiros organismos autónomos, de ordem superior, mercê da sua complexidade estrutural.” De aí a “desagregação da alma nacional”.
O autor pressupõe e não duvida da analogia entre a vida de um indivíduo e a das nações. “A vida duma nação não é uma ficção política, não é uma mentira convencional, para dividir povos. Existe, é uma realidade patente, como é uma realidade a vida de um homem, apesar de formado pelo um agregado de uma infinidade de vidas elementares. Como é uma realidade a vida dum enxame de abelhas, por exemplo.” Mas, entre nós, é diminuto o “espírito de colmeia, o instinto de conservação colectiva dominando e disciplinando o instinto de conservação individual”; por isso fica “o sentimento do interesse nacional abafado na confusão caótica dos sentimentos do interesse individual.” E prossegue logo depois:
“Em Portugal não existe o egoísmo da nação vencendo e disciplinando o egoísmo de cada português. A nossa vida política, económica e moral não tem sido senão uma série lastimosa de actos de egoísmo individual, impondo-se despoticamente ao egoísmo colectivo, ao interesse da nação e subjugando-o.” Com este parágrafo o autor parece estar a responder à questão que lhe tínhamos posto no postal anterior: afinal não terá havido nenhum período excepcional de “equilíbrio”, que fosse mister “restabelecer”: parece que “a nossa vida não tem sido senão…” E se, como viria a dizer o Poeta, “as nações todas são mistérios”, mais misteriosa fica sendo a vida da nossa portuguesa, tão cedo politicamente organizada em estado independente, e “que não tem sido senão…” Ao nosso autor não ocorreu nesse momento, talvez sob a pressão e indignação a respeito da ditadura de João Franco, questionar se esses actos individuais serão sempre “imposições despóticas” que “subjugam o interesse da nação”; ou se não podem ocasionalmente ser, ao invés, episódicas coincidências felizes do interesse individual e colectivo. Laranjeira tem sobre esta hipótese uma desagradada prevenção: “um dos aspectos mais típicos da vida portuguesa e um dos seus males mais funestos é a sua prodigiosa fertilidade messiânica.” Este mal deixa a nossa vida social à mercê de indivíduos e “quadrilhas messiânicas” que atacam o “corpo da nação”, como se fossem uma “polilha”, uma traça roaz a devorar os tecidos e órgãos do organismo nacional.
De passagem, numa penada de adjectivos, o autor não deixa de também intrometer a processo o grande bode pombalino e dos intelectuais conferencistas do Casino: a “influência corruptora e secular da educação jesuítica, sinistra e deprimente.” Enfim, não chega a ser uma complicação o outro membro da alternativa que tinha posto em tese: mais do que uma “psicose passageira”, não será o nosso mal-estar uma “fatalidade mórbida, originária, de natureza degenerativa”, uma “tendência irreprimível, progressivamente crescente para a dissolução”; não seria uma “verdadeira degenerescência psíquica colectiva” e não estaria “o povo português biologicamente condenado”? Para o médico Laranjeira, as degenerescências sucedem por infertilidade ou inadaptabilidade; ora, “são o cérebro e o braço português completamente estéreis”? Será a “raça portuguesa uma raça inadaptável”? Não só isso não está demonstrado como, pelo contrário, a “pasmosa resistência deste desgraçado povo” às penosas condições duma existência agravada pela “polilha parasitária e dirigente” aí está sugerindo “a medida exacta do inesgotável cabedal que existe no organismo português.”
Veremos no próximo postal qual é a terapêutica com que o médico português quer fazer passar de todo a “passageira psicose” portuguesa.
O autor pressupõe e não duvida da analogia entre a vida de um indivíduo e a das nações. “A vida duma nação não é uma ficção política, não é uma mentira convencional, para dividir povos. Existe, é uma realidade patente, como é uma realidade a vida de um homem, apesar de formado pelo um agregado de uma infinidade de vidas elementares. Como é uma realidade a vida dum enxame de abelhas, por exemplo.” Mas, entre nós, é diminuto o “espírito de colmeia, o instinto de conservação colectiva dominando e disciplinando o instinto de conservação individual”; por isso fica “o sentimento do interesse nacional abafado na confusão caótica dos sentimentos do interesse individual.” E prossegue logo depois:
“Em Portugal não existe o egoísmo da nação vencendo e disciplinando o egoísmo de cada português. A nossa vida política, económica e moral não tem sido senão uma série lastimosa de actos de egoísmo individual, impondo-se despoticamente ao egoísmo colectivo, ao interesse da nação e subjugando-o.” Com este parágrafo o autor parece estar a responder à questão que lhe tínhamos posto no postal anterior: afinal não terá havido nenhum período excepcional de “equilíbrio”, que fosse mister “restabelecer”: parece que “a nossa vida não tem sido senão…” E se, como viria a dizer o Poeta, “as nações todas são mistérios”, mais misteriosa fica sendo a vida da nossa portuguesa, tão cedo politicamente organizada em estado independente, e “que não tem sido senão…” Ao nosso autor não ocorreu nesse momento, talvez sob a pressão e indignação a respeito da ditadura de João Franco, questionar se esses actos individuais serão sempre “imposições despóticas” que “subjugam o interesse da nação”; ou se não podem ocasionalmente ser, ao invés, episódicas coincidências felizes do interesse individual e colectivo. Laranjeira tem sobre esta hipótese uma desagradada prevenção: “um dos aspectos mais típicos da vida portuguesa e um dos seus males mais funestos é a sua prodigiosa fertilidade messiânica.” Este mal deixa a nossa vida social à mercê de indivíduos e “quadrilhas messiânicas” que atacam o “corpo da nação”, como se fossem uma “polilha”, uma traça roaz a devorar os tecidos e órgãos do organismo nacional.
De passagem, numa penada de adjectivos, o autor não deixa de também intrometer a processo o grande bode pombalino e dos intelectuais conferencistas do Casino: a “influência corruptora e secular da educação jesuítica, sinistra e deprimente.” Enfim, não chega a ser uma complicação o outro membro da alternativa que tinha posto em tese: mais do que uma “psicose passageira”, não será o nosso mal-estar uma “fatalidade mórbida, originária, de natureza degenerativa”, uma “tendência irreprimível, progressivamente crescente para a dissolução”; não seria uma “verdadeira degenerescência psíquica colectiva” e não estaria “o povo português biologicamente condenado”? Para o médico Laranjeira, as degenerescências sucedem por infertilidade ou inadaptabilidade; ora, “são o cérebro e o braço português completamente estéreis”? Será a “raça portuguesa uma raça inadaptável”? Não só isso não está demonstrado como, pelo contrário, a “pasmosa resistência deste desgraçado povo” às penosas condições duma existência agravada pela “polilha parasitária e dirigente” aí está sugerindo “a medida exacta do inesgotável cabedal que existe no organismo português.”
Veremos no próximo postal qual é a terapêutica com que o médico português quer fazer passar de todo a “passageira psicose” portuguesa.
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