TRINDADE COELHO
“Quando chegará, minha boa amiga, o ‘reino de Deus’? ”…
… Com esta grande pergunta terminava a breve “Autobiografia” que, em 1902, José Francisco Trindade Coelho enviava a uma amiga e correspondente estrangeira. Em Novembro de 1907, corria em pleno a ditadura franquista, “foi publicado um decreto que sujeitava os processados políticos à alçada do juiz criminal, para serem julgados pela lei de 13 de Fevereiro de 1896, contra os anarquistas – a lei celerada, como lhe chamavam os avançados. Trindade Coelho não se conformou com esta determinação governativa. Para não a ter que aplicar, como magistrado do Mistério Público, pediu a demissão do seu cargo, sem olhar a interesses pessoais, sem considerar que o seu lar ficava sem o pão de todos os dias. Confiava, o pobre ingénuo, em que lhe viria a ser dada uma reparação…”
Não era a primeira vez que o integérrimo advogado da Justiça dizia “- Não!” aos políticos. O funcionário público não aguentou mais aplicar leis com que não concordava. E já uma vez os desgostos da profissão e o excesso de trabalho lhe tinham quebrado ao ânimo e as forças, que precisaram de meses a recuperar fora da cidade e dos tribunais. Agora, quem ainda nesse mesmo ano de 1907 impulsionava e ajudava a lançar a Liga Nacional de Instrução ( em que também colaborou Manuel Laranjeira ), não iria resistir a novo e irrecuperável quebranto. Por um Agosto de há cem anos, com apenas 47 anos de idade, deixava-nos Trindade Coelho, não sabemos nós se atraído por uma grande resposta…
Não nos deixou sem palavras com que nos consolássemos. E bastariam só as da mais popular das suas obras – Os Meus Amores. Amores que o povo fez seus, de neles tanto se rever, a ponto de lhe recontar trechos como essa “Parábola dos Sete Vimes”, que eu em criança ainda tive a dita de ouvir de viva e convicta voz. Quando veio de Mogadouro e era pré-universitário estudante num colégio do Porto, um obscuro jornalista dum obscuro jornal o reconhecia, convidava e apresentava assim aos leitores: “O artigo que vai ler-se é de uma verdade incontestável e manifesta claramente que o seu autor tem um coração bondoso e a consciência de um justo.” E continuando a escrever sempre em jornais e revistas, o mesmo se manifestou a alguém menos obscuro – Camilo Castelo Branco. Sem o conhecer pessoalmente, este tanto o notou e se interessou por Trindade Coelho que viria mesmo a empenhar-se encobertamente para lhe apadrinhar os primeiros passos da carreira profissional, como delegado da Procuradoria Geral da Coroa nas comarcas do Sabugal e de Portalegre. Assim o grande mestre de Ceide reconhecia quem lhe podia continuar o testemunho…
Já lembrei aqui um e também outro nomes dessa linhagem ilustre, não falando em Torga, que semanalmente nos tem acompanhado. O que mais quero lembrar agora é que não será por acaso que Os Meus Amores (1891) – um livro que tenho na prosa ao mesmo nível de correspondente entendimento com o Só (1892), de António Nobre, mas depurado da face sombria da Saudade - abre com esse justamente famoso “Idílio Rústico”. Digo “justamente”, pensando na pessoa “bondosa” e “justa” que fechou a sua biografia inquirindo pelo Reino de Deus. O leitor lembrará que o conto começa com uma madrugada que é como a madrugada do mundo, com um moço e uma moça pastores que se encontram num ermo, a salvo dos lobos, no meio de pacíficos e inocentes animais. É, como bem notou o crítico Óscar Lopes, um mundo de antes do pecado ter entrado no mundo… E lembrará depois que o livro fecha com a citada “Parábola dos Sete Vimes”, que um velho pai moribundo representa aos seus sete filhos, a melhor lição que o português Trindade Coelho poderia ter deixado aos seus órfãos portugueses.
- Mas, que estou ouvindo, como é que diz o leitor?... Não leu? Não ouviu? Não tem uma edição acessível do livro? Está esgotado? E sabe o que é um feixe de electrões a bailarem numa tela de plasma, mas não sabe o que sejam “vimes”? Pois digo-lhe eu que não sei se é o livro ou se somos nós que estamos… esgotados. E, se ainda não lhe foram assaz reparadoras as balneares férias algarvias, tem aqui os mais tónicos e despoluídos ares que hoje podemos respirar:
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ebooks/os_meus_amores.pdf
[ Se me permite mais uma sugestão, comece a leitura pela Autobiografia, que nas últimas edições impressas tem aparecido no fim do livro. A pessoa de Trindade Coelho é o melhor mestre de cerimónias para nos introduzir naquele “Reino Maravilhoso” de que falava Torga. Quem sabe se não descobrirá o mais maravilhoso: que o outro Reino – o dos Céus – afinal não anda muito longe deste… ]
… Com esta grande pergunta terminava a breve “Autobiografia” que, em 1902, José Francisco Trindade Coelho enviava a uma amiga e correspondente estrangeira. Em Novembro de 1907, corria em pleno a ditadura franquista, “foi publicado um decreto que sujeitava os processados políticos à alçada do juiz criminal, para serem julgados pela lei de 13 de Fevereiro de 1896, contra os anarquistas – a lei celerada, como lhe chamavam os avançados. Trindade Coelho não se conformou com esta determinação governativa. Para não a ter que aplicar, como magistrado do Mistério Público, pediu a demissão do seu cargo, sem olhar a interesses pessoais, sem considerar que o seu lar ficava sem o pão de todos os dias. Confiava, o pobre ingénuo, em que lhe viria a ser dada uma reparação…”
Não era a primeira vez que o integérrimo advogado da Justiça dizia “- Não!” aos políticos. O funcionário público não aguentou mais aplicar leis com que não concordava. E já uma vez os desgostos da profissão e o excesso de trabalho lhe tinham quebrado ao ânimo e as forças, que precisaram de meses a recuperar fora da cidade e dos tribunais. Agora, quem ainda nesse mesmo ano de 1907 impulsionava e ajudava a lançar a Liga Nacional de Instrução ( em que também colaborou Manuel Laranjeira ), não iria resistir a novo e irrecuperável quebranto. Por um Agosto de há cem anos, com apenas 47 anos de idade, deixava-nos Trindade Coelho, não sabemos nós se atraído por uma grande resposta…
Não nos deixou sem palavras com que nos consolássemos. E bastariam só as da mais popular das suas obras – Os Meus Amores. Amores que o povo fez seus, de neles tanto se rever, a ponto de lhe recontar trechos como essa “Parábola dos Sete Vimes”, que eu em criança ainda tive a dita de ouvir de viva e convicta voz. Quando veio de Mogadouro e era pré-universitário estudante num colégio do Porto, um obscuro jornalista dum obscuro jornal o reconhecia, convidava e apresentava assim aos leitores: “O artigo que vai ler-se é de uma verdade incontestável e manifesta claramente que o seu autor tem um coração bondoso e a consciência de um justo.” E continuando a escrever sempre em jornais e revistas, o mesmo se manifestou a alguém menos obscuro – Camilo Castelo Branco. Sem o conhecer pessoalmente, este tanto o notou e se interessou por Trindade Coelho que viria mesmo a empenhar-se encobertamente para lhe apadrinhar os primeiros passos da carreira profissional, como delegado da Procuradoria Geral da Coroa nas comarcas do Sabugal e de Portalegre. Assim o grande mestre de Ceide reconhecia quem lhe podia continuar o testemunho…
Já lembrei aqui um e também outro nomes dessa linhagem ilustre, não falando em Torga, que semanalmente nos tem acompanhado. O que mais quero lembrar agora é que não será por acaso que Os Meus Amores (1891) – um livro que tenho na prosa ao mesmo nível de correspondente entendimento com o Só (1892), de António Nobre, mas depurado da face sombria da Saudade - abre com esse justamente famoso “Idílio Rústico”. Digo “justamente”, pensando na pessoa “bondosa” e “justa” que fechou a sua biografia inquirindo pelo Reino de Deus. O leitor lembrará que o conto começa com uma madrugada que é como a madrugada do mundo, com um moço e uma moça pastores que se encontram num ermo, a salvo dos lobos, no meio de pacíficos e inocentes animais. É, como bem notou o crítico Óscar Lopes, um mundo de antes do pecado ter entrado no mundo… E lembrará depois que o livro fecha com a citada “Parábola dos Sete Vimes”, que um velho pai moribundo representa aos seus sete filhos, a melhor lição que o português Trindade Coelho poderia ter deixado aos seus órfãos portugueses.
- Mas, que estou ouvindo, como é que diz o leitor?... Não leu? Não ouviu? Não tem uma edição acessível do livro? Está esgotado? E sabe o que é um feixe de electrões a bailarem numa tela de plasma, mas não sabe o que sejam “vimes”? Pois digo-lhe eu que não sei se é o livro ou se somos nós que estamos… esgotados. E, se ainda não lhe foram assaz reparadoras as balneares férias algarvias, tem aqui os mais tónicos e despoluídos ares que hoje podemos respirar:
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ebooks/os_meus_amores.pdf
[ Se me permite mais uma sugestão, comece a leitura pela Autobiografia, que nas últimas edições impressas tem aparecido no fim do livro. A pessoa de Trindade Coelho é o melhor mestre de cerimónias para nos introduzir naquele “Reino Maravilhoso” de que falava Torga. Quem sabe se não descobrirá o mais maravilhoso: que o outro Reino – o dos Céus – afinal não anda muito longe deste… ]
1 Comments:
podiam-me confirmar se a morte de Trindade Coelho foi a 9 de junho de 1908
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