FERNÃO RODRIGUES LOBO SOROPITA
Não se conhecem as datas de nascimento e morte deste poeta, que foi o apresentador e editor da primeira edição (1595) das Rythmas [Rimas] de Luís de Camões, de quem terá sido amigo e foi seguramente um dos melhores continuadores. Foi, de facto, “poeta mestre”, no juízo de D. Francisco Manuel de Melo, corroborado por Camilo Castelo Branco que, em 1868, escreveu uma “prefação” e anotou a primeira publicação impressa de seus poemas, com algumas prosas inéditas; utilizou um manuscrito salvo do mosteiro de Tibães pelas mãos de um monge “ainda não convencido do legítimo direito com que o Estado tirou aos frades a casa, os livros e os manuscritos que eles tinham feito”.
Eis como o nosso poeta sai tratado do Hospital das Letras por D. Francisco: « Fernão Rodrigues Lobo, a quem disseram o Soropita (…) foi poeta mestre e, quando não escrevera mais que os seus Desvarios, bem se vê que quem desvairando acertava por aquele modo, quanto acertaria atinado! » O insigne Doutor Melo refere-se aqui ao título “Desastres e Desvarios deste Mundo”, constante da segunda parte dum escrito titulado destarte: Descobrimento das ilhas da poesia novamente composto por Cid Ruy Dias, condestable de Benavente, imperador de Cacilhas, capitão mór da poesia em garganta [sic]. Um saboroso título que logo inculca o tom faceto e satírico deste e doutros do mesmo tom, como o Regimento escolástico para os estudantes, que se achou no ventre de uma toninha; que lhe valeram ser comparado por críticos modernos, como Óscar Lopes e A. J. Saraiva, ao Nicolau Tolentino que o escansão-mor deste Tonel aqui nos serviu há dias.
Quanto ao não menos insigne Camilo Castelo Branco, tem-no nesta estima: « Singela, conscienciosa e unicamente diremos que Fernão Rodrigues Lobo Soropita é digníssimo de emparelhar com Mirandas, Caminhas, Ferreiras, Bernardes e Camões no grave, terso, vernáculo e sentencioso da poesia. Na prosa festival e galhofeira não conhecemos coevo que se lhe avantajasse. »
O soneto que segue teve honras de transcrição integral na História da Literatura dos citados Lopes e Saraiva.
Do grande mar do meu tormento antigo,
Como aurora d’amor sai a esperança,
Vestida já da luz que de si lança
O sol que eu sempre temo e sempre sigo.
Ao seu aparecer foge o perigo;
Aonde quer que a claridade alcança,
Rompe o véu negro da desconfiança
Que juntamente aprovo e contradigo.
Mas o secreto d’alma, inda toldado
Das nuvens negras com que antigamente
A cercou por mil partes meu cuidado,
Se a luz de tanta glória inda não sente,
São efeitos cruéis do mal passado
Que lhe não deixam ver o bem presente.
[ O leitor tem disponível integral as Poesias e Prosas Inéditas da citada edição camiliana de 1868 nos Google Books, em exemplar da Harvard College Library. Nasceu nesse ano o homem a quem pertenceu o exemplar que foi parar a Harvard e agora está gratuitamente à vista do universo dos internautas: chamava-se Aleixo Queirós Ribeiro de Souto-Maior de Almeida e Vasconcelos (1868-1917), conde de Santa Eulália. Ao pé dum nome destes, um plebeu escriba como eu até sente vergonha de falar em “Soropita”. E tal é a variante mais benigna de Surropita, Zarapita ou Zuripita, que também se encontram nos manuscritos… O Dicionário Onomástico de Machado cita alguém que tentou averiguar a origem de semelhante nome e alvitrou a aglutinação de Sueiro + Pita: um alvitre revelador de quanto a imaginação dos etimologistas só podia comparar-se à dos velhos linhagistas. É possível que fosse alcunha estudantil, que ficou ao nosso poeta dos tempos em que frequentou a universidade de Coimbra. Se tinha algum significado na gíria, perdeu-se no tempo e não chegou ao moderno Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Simões. Enfim, se o poeta não ficou com um nome bonito ( mas também o não é o do seu amigo Camões!), ficou de sua graça com um singularíssimo, sem ascendentes nem descendentes. Poucos se podem gabar do mesmo.]
Eis como o nosso poeta sai tratado do Hospital das Letras por D. Francisco: « Fernão Rodrigues Lobo, a quem disseram o Soropita (…) foi poeta mestre e, quando não escrevera mais que os seus Desvarios, bem se vê que quem desvairando acertava por aquele modo, quanto acertaria atinado! » O insigne Doutor Melo refere-se aqui ao título “Desastres e Desvarios deste Mundo”, constante da segunda parte dum escrito titulado destarte: Descobrimento das ilhas da poesia novamente composto por Cid Ruy Dias, condestable de Benavente, imperador de Cacilhas, capitão mór da poesia em garganta [sic]. Um saboroso título que logo inculca o tom faceto e satírico deste e doutros do mesmo tom, como o Regimento escolástico para os estudantes, que se achou no ventre de uma toninha; que lhe valeram ser comparado por críticos modernos, como Óscar Lopes e A. J. Saraiva, ao Nicolau Tolentino que o escansão-mor deste Tonel aqui nos serviu há dias.
Quanto ao não menos insigne Camilo Castelo Branco, tem-no nesta estima: « Singela, conscienciosa e unicamente diremos que Fernão Rodrigues Lobo Soropita é digníssimo de emparelhar com Mirandas, Caminhas, Ferreiras, Bernardes e Camões no grave, terso, vernáculo e sentencioso da poesia. Na prosa festival e galhofeira não conhecemos coevo que se lhe avantajasse. »
O soneto que segue teve honras de transcrição integral na História da Literatura dos citados Lopes e Saraiva.
Do grande mar do meu tormento antigo,
Como aurora d’amor sai a esperança,
Vestida já da luz que de si lança
O sol que eu sempre temo e sempre sigo.
Ao seu aparecer foge o perigo;
Aonde quer que a claridade alcança,
Rompe o véu negro da desconfiança
Que juntamente aprovo e contradigo.
Mas o secreto d’alma, inda toldado
Das nuvens negras com que antigamente
A cercou por mil partes meu cuidado,
Se a luz de tanta glória inda não sente,
São efeitos cruéis do mal passado
Que lhe não deixam ver o bem presente.
[ O leitor tem disponível integral as Poesias e Prosas Inéditas da citada edição camiliana de 1868 nos Google Books, em exemplar da Harvard College Library. Nasceu nesse ano o homem a quem pertenceu o exemplar que foi parar a Harvard e agora está gratuitamente à vista do universo dos internautas: chamava-se Aleixo Queirós Ribeiro de Souto-Maior de Almeida e Vasconcelos (1868-1917), conde de Santa Eulália. Ao pé dum nome destes, um plebeu escriba como eu até sente vergonha de falar em “Soropita”. E tal é a variante mais benigna de Surropita, Zarapita ou Zuripita, que também se encontram nos manuscritos… O Dicionário Onomástico de Machado cita alguém que tentou averiguar a origem de semelhante nome e alvitrou a aglutinação de Sueiro + Pita: um alvitre revelador de quanto a imaginação dos etimologistas só podia comparar-se à dos velhos linhagistas. É possível que fosse alcunha estudantil, que ficou ao nosso poeta dos tempos em que frequentou a universidade de Coimbra. Se tinha algum significado na gíria, perdeu-se no tempo e não chegou ao moderno Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Simões. Enfim, se o poeta não ficou com um nome bonito ( mas também o não é o do seu amigo Camões!), ficou de sua graça com um singularíssimo, sem ascendentes nem descendentes. Poucos se podem gabar do mesmo.]
1 Comments:
Impressiona-me o mistério que está em torno desse grande poeta. Considero-o assim, principalmente por ter ao menos presenciado ao Camões, ainda sem a honra devida, em vida.
Pesquiso sobre as obras de Soropita.
Parabéns pela postagem!
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