quinta-feira, maio 28, 2009

Maternidade, xenofobia e o caso Alexandra

O assunto exige um comentário mais longo do que o tempo me permite. No entanto, não resisto a abordá-lo.

Alexandra é uma menina que nasceu em Portugal. A sua mãe é russa e teve problemas pessoais que levaram as autoridades portuguesas a colocar a filha "à guarda" de uma família de acolhimento. A situação é dura e triste para as três partes: para a mãe, para a filha e para a família de acolhimento, a quem deram uma ilusão de paternidade. A minha simpatia pessoal vai para a família que acolheu e deu afecto a Alexandra. No entanto, em questões de justiça e valores humanos, o assunto tem de ser tratado recionalmente, não com o coração e muito menos com abordagem de telenovela, que é o que está a acontecer.
O tribunal determinou que Alexandra fosse entregue à mãe. Só tinha de ser assim. Presumo que os problemas pessoais da mãe russa estejam ultrapassados ou controlados, e o seu direito a viver com a filha e a educá-la é um primado da concepção de maternidade que aceitamos no Ocidente. (É de má memória a ideia maoísta de permitir ao Estado retirar os filhos aos pais para os educar.)
Depois veio este curto vídeo que os canais de televisão exibiram. Não é agradável ver uma menina a levar umas palmadas. Nunca é. Mas todo o pai e toda a mãe já deram um açoite ao filho com fins correctivos e, numa ou noutra altura, já perderam a paciência com a insistência ou o amuo da criança, que estava a ser chatinha, e lhe terão pregado uma palmada a mais. Aconteceu-me um par de vezes quando eu era criança e não fiquei traumatizado nem com raiva ao meu pai.
Mas no caso de Alexandra o país indignou-se. Chamaram-se especialistas para comentar o caso, rotularam as palmadas no traseiro com o título de "agressão" e as imagens deram escâdalo. A explicação é clara e simples. As imagens tornaram-se um caso de indignação nacional (um país em que a violência doméstica a companheiras e crianças pulula que nem cogumelos) porque a mãe de Alexandra é russa, e, mais criminoso ainda, uma imigrante, e os pais de acolhimentos eram portugueses. Trata-se de uma pura situação de xenofobia. Troquemos de nacionalidades e a agressão seria uma medida educativa. Com o timbre xenófobo cruza-se o traço telenovelesco. Todos asistimos sem nos pasmar e aceitamos como natural os açoites no traseiro que uma mãe dá a uma filha quando esta está a fazer birra e a desobedecer a uma instrução. (E Alexandra estava a fazer birra.) Mas estas palmadas foram dadas à frente das câmaras e exibidas ao um público (português) que detilava sanha e ódio pela situação e pela mãe russa. Combinação perfeita e explosiva: xenofobia e voyeurismo telenovelesco. Tínhamos reunidos os combustíveis para a irracional explosão.

3 Comments:

Anonymous Fernanda Jacinto said...

se a natalia queria tanto a filha entao porque a abandonou quando ela mais precissava? que direitos tem aquela mae para tirar o bem estar daquela menina? nao se trata de xenofobia mas sim de ver as coisas como elas sao, a menina e PORTUGUESA por isso tem tudo o direito de estar em PORTUGAL a Natalia e que nao tem direitos nenhuns nem como mulher nem como mae,pensen bem no que dizem e ja agora pensen nos vossos filhos quem tem tudas as condiçoes mas ha aquela menina lhe tiram tudo

10:56 da manhã  
Blogger purpurina said...

não comento a decisão do tribunal pois não creio saber suficientemente do caso para fundamentar uma opinião.

relativamente ao recurso a castigos corporais, a palmadinha ou o açoite que não faz mal nenhum, tenho de discordar veementemente. o carácter subjectivo da tal palmadinha torna-a completamente inaceitável: quanto é que é pouco? a partir de quanto é que é demais? não é possível deixar isto ao critério dos pais - tal como foi referido, estes perdem a paciência e, por arrasto, o discernimento.

felizmente, a lei portuguesa livra-nos destes dilemas de quantificação de intensidade de palmadas. nenhuma é permitida!

de acordo com o código penal, lei 59/2007 de 4 de setembro, artigo 152°-A:

"(...) Lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais,
privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a tratar cruelmente; (...) é punido com pena de prisão de um a cinco anos (...)"

12:24 da tarde  
Blogger Unknown said...

O mediatismo deste caso serviu para que as pessoas tivessem uma real noção das leis relativas à protecção de menores em Portugal. Apesar de ter assinado as petições que se encontram online, julgo que estas terão muito mais utilidade se visarem uma mudança nas nossas leis. Isso é deveras importante para que se evitem casos de "Alexandras", "Esmeraldas", "Vanessas", e tantos outros que todos os dias acontecem.

12:00 da manhã  

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