sábado, junho 06, 2009

TAU

O tempo passa tão devagarinho
quando Tu passas, meu Deus,
e quando a velocidade é repentina
eu fico alucinado, perdido de todo,
ruído de barracas de feira, de comícios de partido,
de qualquer coisa, enfim, o hino nacional,
um cântico religioso, um blue,
Harry Belafonte, Ella Fitzgerald, outros e outras,
bêbedos, drogados, sim ou não, inoculados, imunizados quando Te
honram nos seus spirituals, tanto se me importa…
Eu quero é ouvir invocar o Teu nome, ó Senhor meu, em
nome colectivo e também só meu
e adormeço sossegado, humilde e consciente de
que Te amo muito mais do que a mim
aos Outros que desconheço e de quem gosto muito, ó indivíduo Emmanuel.
O Poder e a Glória, esses Teus atributos,
e eu, Ruy Cinatti, agradecido cão,
que olha líquido pró olhar do Dono, ó Coisa inefável!...
um trilo pastoril de flauta na serra da Estrela, Marão ou no Suajo –
transumância, eu quero mudar de vida! –
ou em Timor-Ocússi… Atóni, Atóni… chamam por ti, homem,
tantos homens te procuram,
ó desgraçado Mau Bére… ó Timor meu Amigo.
Ó Pastor, procura-a, não deixes que se perca a Tua ranhosa ovelhinha…

A palavra cala-se, a boca fede, o silêncio é de oiro
O silêncio é de oiro, a palavra cala-se, a boca sorri

e depois, ó maravilha de delicadeza, Tu salvas a nossa Vida!


Ruy Cinatti
Junho-Agosto, 1976.



[ Tau é sinal certo do poeta de “Signo Marcado”, acertadamente incluído no livro Manhã Imensa. No transcrito, acerta em cheio, Contudo, fez muito bem o biógrafo e amigo Peter Stilwell, a propósito do 1º verso, em lembrar certo outro do 1º livro – Nós Não Somos Deste Mundo: Ah! Porque não vens, ó meu amigo ? / Contigo o tempo voa sem passar. Apesar do “devagarinho”, aqui como antónimo poético de “devagar”, eu teria preferido o verso do 1º livro e, com outra pontuação, evitava-se qualquer confusão com a velocidade repentina. Mas, tal qual está, talvez seja outro sinal da aproximação dos tempos até à coniunctio oppositorum que o poeta viveu na sua última década de vida, aproximação que o resto do poema confirma.

O mesmo biógrafo aponta em nota que a expressão “mau bere” tem, na língua tétum timorense as conotações de “pé-descalço”, “maltrapilho”, que combinam bem com desgraçado e ranhosa. Por mim, aponto aos bebedores deste Tonel de Diógenes o cão guardador e ajudante do Pastor. Dir-me-eis que os velhos cães de raça grega seriam pés-descalços e maltrapilhos, mas timbravam em não andar à voz de nenhum dono. Lembrais bem, e assim era. E eu lembro-vos o que enlevou o nosso poeta cristão naquele poema de 76, feito poucos meses após este “Tau”, que eu arquei para aqui há dias: Ó Cristo Jesus, duro e amorável / como a pedra e a água, a funda Cruz! / A ti me ofereço, não escravo, mas homem / virgem ainda do que me seduz!... Podia lá ser escravo, quem andava no rasto do Libertador! E, sim, até podia, podia mesmo…

Aos três postais que dediquei aqui ao nómada Ruy Cinatti quero associar o nome de José Manuel Duro, que também é meu amigo que desconheço e de quem gosto muito. ]