segunda-feira, dezembro 14, 2009

PROJECT NATAL


É este o “codename” de um novo interface para videojogos que está a ser afinado por uma conhecida empresa informática norte-americana, há alguns anos entrada a disputar neste mercado a liderança japonesa. O leitor fique descansado, que para o utilizar não precisa de pôr a linda coiffure que aparece na fotografia supra, tirada numa recente feira de robótica em Tóquio. Para jogar o novo pacote de jogos nem precisa de treinar os dedinhos frenéticos nalgum telecomando: não é preciso nenhum. Basta-lhe apenas ligar a nova câmara 3D à consola da marca e pôr-se diante dela. A câmara tem sensores de infravermelhos que tiram o “retrato” ao leitor, a mais três ou quatro pessoas que apareçam ao lado si, ao mobiliário e dimensões da sala em que está e a vários objectos em que pegue ou vá buscar. Depois, é só falar para os bonecos que, na tela, falam consigo, ouvem o que o leitor lhes diz e lhe respondem. Diz-se até que são sensíveis à expressão de emoções. Num pequeno filme promocional de um dos jogos, temos uma amostra do espectáculo que nos espera e da figura que nos convidam a fazer. Noutros desta nova série, o utilizador salta, corre, estira-se no chão, dá pontapés (no ar), e vê diante si o boneco fazer a mesmíssima coisa num emocionante desafio de futebol. Lindo.
O “codename”, alegadamente dado por um dos engenheiros que trabalham no Projecto e é brasileiro natural duma cidade com aquele nome, cifra-se noutra interpretação, a da empresa proprietária: - “É o nascimento duma nova dimensão nas dimensões do entretenimento”. Será. Na minha linguagem, decifra-se assim: é uma nova dimensão no assalto à privacidade do consumidor, com a instalação “amigável” e brincalhona de uma câmara de videovigilância doméstica, a completar com a generalização próxima da televisão digital interactiva. E lá virá o dia em que o consumidor divertido e distraído (mais os seus familiares e convivas) terá no Banco digital longe de si um ficheiro guardado de todos os seus dados biométricos, prontos para a replicação integral do seu organismo no ciberespaço, para jogar lá, com os outros bonecos, aliás cada vez mais parecidos com o telejogador. Quem diz jogar, diz fazer muitas outras coisas interessantes, atraentes e irresistíveis. Tudo muito divertido, é claro, e sem lhe custar esforço, perigo, responsabilidade nenhumas.
Mas, caro leitor, já está a ver: chegará o momento em que o consumidor viciado desejará algo mais forte. Desejará sentir o mais possível o ambiente cada vez mais natural e “realista” que lhe pintam diante o olhar seduzido, o juízo descabelado e a vontade submetida. Então, talvez tenha mesmo de enfiar aquela cabeleira eriçada de sensores (e estimuladores) da sua actividade cerebral, que lhe há-de pentear o juízo. Mas vale a pena, porque o seu duplo digitalizado, cada vez mais parecido consigo, pode ser uma imagem muito melhorada de si e... melhorada por si, segundo o seu “ideal”. Poderá mesmo mudar de sexo (ou ter ambos), sem custosas e perigosas cirurgias, quantas vezes quiser. E, contra a cedência dumas tantas fotografias do seu álbum de família, pode “rejuvenescer” e reviver nos ambientes da sua juventude, reencontrar-se com os seus entes queridos falecidos... Irresistível!
Por um lado, há que manter entretida a maioria dos cidadãos que, no próximo futuro, será a de desempregados ociosos e viciados neste e em todo o tipo de drogas, cada vez mais imbecilizados e desumanizados, sobrevivendo dum qualquer rendimento social de manutenção, pequenos biscates de ocasião ou dum empreendedorismo privado estritamente controlado e de curto alcance. Por outro lado, e mais sinistro, teríamos agora de nos voltar para os laboratórios das “biotecnologias” e das “clínicas de fertilidade”, aonde se farão as ligações “naturais” aos operadores manipuladores do telecomando das telecomunicações e dos mass media. É por aí, com a devida supervisão policial e militar, que os magos volvidos de adoradores em adorados estão a tratar duma certa “Natividade”...
Tais são as prendas do novo Pai Natal que se apresta para entrar (e instalar-se) na casa dos consumidores, que nos últimos anos têm andado a chamá-lo e a convidá-lo colocando no exterior dos seus prédios bonecos salteadores de varandas e janelas. Para já, bem excitado pela propaganda, o consumidor ávido terá de reprimir as ânsias e esperar até cerca do Natal de 2010 para correr a comprar a câmara e os jogos, e veremos se não terá de comprar também uma nova consola. Esperemos que na corrida a comprar e experimentar o brinquedo, ao menos não atropelem nem matem ninguém. Como aconteceu fez agora um ano, nessa mesma Wonderland dos grandes sonhos lindos (e dos grandes pesadelos), no dia dos imbatíveis descontos e promoções na abertura da Christmas Season. Numa loja de certa famosa cadeia de super-mercados, a pressão da multidão impaciente sobre os vidros do estabelecimento foi tal, que os rebentaram: e as as hordas desembestam por ele adentro, derrubam, espezinham, sufocam e mataram um pobre funcionário que se lhes atravessou na frente. Estes possessos estão prontos para o circo de feras e de fogo que se está a armar.
Meu jovem e caro amigo: - Será capaz de andar por si sobre um fio de arame, sem Rede?...

[ Aqui está o filme referido acima, apresentado por um responsável do Projecto, conhecido designer e promotor de jogos:
Tudo muito bonitinho, muito inocente e bem-comportadinho. Tudo repulsivamente distorcido, desde o estarem adiante da “ficção científica”, quando vão atrás do que já é há anos corrente em tecnologias de “realidade aumentada” e “realidade virtual” usadas em centros de investigação (e treino) militares e académicos, até à sugestão de que os bonecos têm personalidade e são susceptíveis duma relação interpessoal. É a “real magic” da sempre a mesma real propaganda. ]