O ARGUMENTO ATEÍSTA
Nos últimos cinquenta anos, adentro daquilo a que, na cultura desta parte do mundo, usualmente se chama “Filosofia”, tem sido o “problema do mal” o motivo do argumento mais brandido contra a existência de Deus (entendido este ao modo do teísmo hebraico-cristão).
Era de esperar, num mundo pós-Auschwitz e num século que terá sido o mais mortífero da História da humanidade. E, contudo, estão hoje vivos muitos mais humanos do que há cem anos; e talvez com uma “qualidade de vida” média superior à de há cem anos (ou à de qualquer outro tempo). É então o caso de a quantidade e enormidade do mal andarem assim tão desiquilibradas com a grandeza do bem, menos clamorosa mas de não menos inegáveis consequências?...
O referido argumento aplicar-se-ia então da seguinte maneira: é inaceitável que o sofrimento involuntário de um único inocente sirva de meio para que outros vivam melhor. Ora, não só um mas milhões de indivíduos têm sido usados e abusados no interesse de outros. Logo, não há nenhum Deus absolutamente bom ou eficientemente capaz de o impedir, e se de facto vivemos melhor isso deve-se apenas a nós e às circunstâncias dum mundo em que o progresso só seria possível a este custo. O leitor, se está lembrado da Lei Moral kantiana de que aqui temos falado, já reconheceu significado no “inaceitável” o moralmente inaceitável: nenhuma pessoa pode servir a outras pessoas como apenas um meio. ( Mas, do ponto de vista utilitarista, Auschwitz seria moralmente aceitável, se fosse o único meio para as gerações sobreviventes virem a beneficiar de um futuro em que tal horror não fosse mais possível efectivamente... )
Entre outros, o argumento deixa na sombra os pressupostos racionais essenciais da filosofia prática de Kant, como o da imortalidade da alma. (O inocente sacrificado pelo mau uso da liberdade humana, poderia ser imediatamente gratificado por Deus com um bem maior do que qualquer outro que os vivos neste mundo possam jamais conseguir.) -
O argumento do mal não costuma lembrar bens nenhuns, ao contrário da versão supra, que no entanto se limita a associar-lhe um corolário inevitável: se nenhum Deus nem quaisquer entidades “sobrenaturais” existem, então o progresso no bem (ou no mal) dever-se-ia exclusivamente a nós. Suponhamos então que muitos mais indivíduos vivem hoje melhor na Terra do que há cem anos, e que não há dúvida nenhuma quanto ao que conta como “viver melhor”. A mim parece-me claro que isto não seria um bem moralmente aceitável, se feito à custa de todas as gerações passadas, excluídas das agora privilegiadas com uma “vida melhor”. De aqui o fruste sentido de todas as utopias sonhadas para este mundo, a não ser que incluam a ressurreição dos mortos ou a perene manutenção da mesma “vida melhor”, nos vindouros. Mas, também este ponto do argumento deixa clara a necessidade (racional) do pressuposto kantiano (e cristão): seria moralmente aceitável, se cada geração dos vivos pensasse ter e de facto tivesse uma “vida melhor” que as anteriores; e se tal progresso fosse consentido e até encorajado pelas almas dos que progrediram deste mundo para um outro melhor, como um meio normal de os sobreviventes neste mundo merecerem chegar a esse melhor. (Uma perspectiva que se conciliaria pois inteiramente com a interpretação utilitarista também.) Assim era moralmente admissível que, na verdade, vivamos hoje melhor; e haveria motivos de esperança para que no futuro vivamos ainda melhor, e não apenas neste mundo.
Duas consequências. Primeira, teríamos aqui um progresso menos injusto e mais amplo do que supunha o argumento: colaboram nele os bons e os maus; os vivos e os mortos de todas as gerações. Segunda, tal progresso ressalvaria de facto a possibilidade (não a necessidade) da não existência de qualquer Deus: seria tão somente uma Lei fundamental do universo, da natureza do Cosmos.
Cabe perguntar: tal Lei é compatível com a existência real da liberdade no humano ? Parece que sim: quem não quer progredir, regrediria. (Pense-se na Lei do karma hindu e na teoria da “reencarnação”.) Mas, regrediria até onde? Até à erva e às bolotas, como ansiava o sr. marquês de Sade, e, portanto, até à perda de qualquer capacidade de vontade e de liberdade? Não necessariamente. Então, com o tempo, em um novo ciclo cósmico, refeito este mundo, um outro Sade poderia querer o bem em vez do mal ? Mas, este outro Sade seria o mesmo Sade? Qual seria o verdadeiro: o sádico a regredir para o porco e a bolota, ou aquele que progrediria para santo? Poderia ser o mesmo, ora progredindo, ora regredindo; mas, nesse caso, ponha-se a questão ética fundamental : – por que deve querer antes ser um santo do que um sádico? Se ambos, “bem” e “mal”, podem alternar infinitamente, e o pior que poderia acontecer ao malfeitor sádico era terminar em erva e bolotas... E é aqui que entra a lei da causalidade retributiva do Karma: quem faz sofrer outrem atrai sobre si o sofrimento, e quanto mais fizer sofrer, mais sofrerá. É evidente que, neste sentido, o sádico não podia terminar numa erval inconsciência bucólica, de que nenhuma vontade consciente o tiraria para “progredir”, a não ser o andamento impessoal da roda do Dharma. E, por outro lado, quanto às vítimas dele – e que teriam merecido serem maltratadas (eventualmente teriam sido violadores sádicos numa existência anterior) -, como é que poderiam progredir no caminho da virtude? Começando por não querer a vingança, consentir no perdão... E também do sofrimento dos animais seguir-se-iam algumas consequências curiosas para a compatibilidade com este esquema geral, e quanto à impressão de que estaríamos melhor hoje no mundo do que há cem anos.
Teríamos então, pelo exposto, uma lei natural que é uma lei moral, contra o pensamento de Kant?
O sofrimento é uma parte do mal, e parte nenhuma se é um sofrimento merecido, caso em que pode mesmo considerar-se um bem. Para Kant, tudo está na intenção pessoal: o que cada um quer ou não quer, à luz duma lei moral que implica a liberdade, não o fatal giro duma cósmica Roda. Ora, tudo isto é empiricamente insondável e psicologicamente sofismável (a tendência a não desconfiarmos da bondade das nossas intenções e outros “bons sentimentos”). Por isso não há nem pode haver indicadores empíricos nenhuns que garantam sermos globalmente melhores hoje do que há cem anos, e que não nos estamos activamente a preparar sofrimentos ainda maiores do que os que experimentámos no séc. XX. Pelo contrário, o que parece mais evidente é um progresso sempre maior na capacidade de nos fazermos a nós e ao mundo cada vez mais mal. Assim, voltando ao nosso argumento da quantidade e enormidade dos males contra a existência de um Deus absolutamente bom, omnipotente e omnisciente, suponhamos que o argumento era lógica e epistemologicamente bem sucedido: não existiria na realidade nenhum tal Deus. Fica então nas mãos do argumentador o ónus de explicar como é que o mesmo argumento não demonstra a existência de um Deus mau, omnipotente e omnisciente. Um Deus que teria criado os humanos e todos os mais seres sencientes para se comprazer no sofrimento deles, infinitamente...
Tal é o desafio que o sr. marquês de Sade lança ao ateu.
ADENDA
Se não há um Deus absolutamente mau criador do pior dos mundos possíveis, então:
(1) Ou os males deste mundo sobrepassam largamente os bens;
(2) Ou os bens deste mundo sobrepassam largamente os males;
(3) Ou bens e males equilibram-se neste mundo.
Se (1), era de esperar que a vida humana biológica (assumida como um bem e condição necessária de todos os mais bens possíveis) não tivesse proliferado, mas diminuído ou até extinguido.
Se (3), o “argumento do mal” poderia ser apenas um desabafo pessimista travestido de lógica.
Como (2) é inaceitável pelo argumentador, resta manter (1) com a restrição de que os “males naturais” não são tão maus que tivessem impedido a proliferação da vida humana (ou até que não faz sentido falar em “males naturais”. Uma tal restrição, porém, robustece (3).
Conceda-se em benefício do argumento que (1) é a verdadeira, e tal que sobrepassem tão largamente os bens que seria de esperar que – naturalmente – a vida humana já se tivesse extinguido. Como o facto é que não se extinguiu, cabe ao argumentador: dar uma razão suficiente para a actualidade de (1), e não (2) e (3), que são falsas; e como é que este facto pode ser compossível com (1). Cabe-lhe explicar também o seguinte: se há uma hipotética Lei natural que introduz um limite necessário para a quantidade e/ou perigosidade dos males, como é que o bem e o mal morais não são moralmente equivalentes (porquê fazer antes o bem do que o mal).
Mas há outra razão disponível: os males largamente maioritários nunca serão incompatíveis com a propagação da vida porque há um Bem sobrenaturalmente tão forte que providencia uma efectiva garantia. Logo, a existência de um Deus bom, não só é possível mas seria vitalmente necessária. (E o bem e o mal morais são o livre concurso de criaturas livres com a Providência de um Deus livre.)
Em suma, quer (1) ou (2) ou (3) são todos compatíveis com a existência de um Deus bom, omnisciente e omnipotente.
Por outro lado, um Deus absolutamente bom, tal que nenhum bem maior é concebível, decerto não pode deixar de criar o melhor mundo possível. Mas, relativamente a Ele, tal mundo é necessariamente menos bom. Nesta diferença fica aberta a possibilidade do mal. A conversão da possibilidade em efectividade não pode, porém, ser imputável a Quem é e só quer o melhor possível, sem o impor a criaturas livres. A liberdade de agentes humanos e/ou sobrehumanos pode conduzir a (1). Portanto, também por este lado (1) é compatível com um Deus absolutamente bom.
(A alternativa era não haver liberdade ou não haver criação nenhuma. O primeiro termo, deixo-o aos cuidados dos acreditam num Logos heractino ou estóico, ou num Destino. Já os considerámos aqui, e as dificuldades postas supra a uma Lei natural regradora do mundo moral aplicam-se-lhes. O segundo não parece adequar-se a um Deus que é por essência criador. Impõe-se a analogia com os humanos, se estes foram criados à imagem e semelhança de Deus: é da essência do poeta o ser criador; e se este realiza em conformidade com o que é, realiza-se, é livre... Também não seria difícil mostrar como é que a essência criadora de Deus se adequa melhor a Um que é Trindade de Pessoas do que uma entidade solitária, tendo presente que o conceito de pessoa é necessariamente relacional.)
Era de esperar, num mundo pós-Auschwitz e num século que terá sido o mais mortífero da História da humanidade. E, contudo, estão hoje vivos muitos mais humanos do que há cem anos; e talvez com uma “qualidade de vida” média superior à de há cem anos (ou à de qualquer outro tempo). É então o caso de a quantidade e enormidade do mal andarem assim tão desiquilibradas com a grandeza do bem, menos clamorosa mas de não menos inegáveis consequências?...
O referido argumento aplicar-se-ia então da seguinte maneira: é inaceitável que o sofrimento involuntário de um único inocente sirva de meio para que outros vivam melhor. Ora, não só um mas milhões de indivíduos têm sido usados e abusados no interesse de outros. Logo, não há nenhum Deus absolutamente bom ou eficientemente capaz de o impedir, e se de facto vivemos melhor isso deve-se apenas a nós e às circunstâncias dum mundo em que o progresso só seria possível a este custo. O leitor, se está lembrado da Lei Moral kantiana de que aqui temos falado, já reconheceu significado no “inaceitável” o moralmente inaceitável: nenhuma pessoa pode servir a outras pessoas como apenas um meio. ( Mas, do ponto de vista utilitarista, Auschwitz seria moralmente aceitável, se fosse o único meio para as gerações sobreviventes virem a beneficiar de um futuro em que tal horror não fosse mais possível efectivamente... )
Entre outros, o argumento deixa na sombra os pressupostos racionais essenciais da filosofia prática de Kant, como o da imortalidade da alma. (O inocente sacrificado pelo mau uso da liberdade humana, poderia ser imediatamente gratificado por Deus com um bem maior do que qualquer outro que os vivos neste mundo possam jamais conseguir.) -
O argumento do mal não costuma lembrar bens nenhuns, ao contrário da versão supra, que no entanto se limita a associar-lhe um corolário inevitável: se nenhum Deus nem quaisquer entidades “sobrenaturais” existem, então o progresso no bem (ou no mal) dever-se-ia exclusivamente a nós. Suponhamos então que muitos mais indivíduos vivem hoje melhor na Terra do que há cem anos, e que não há dúvida nenhuma quanto ao que conta como “viver melhor”. A mim parece-me claro que isto não seria um bem moralmente aceitável, se feito à custa de todas as gerações passadas, excluídas das agora privilegiadas com uma “vida melhor”. De aqui o fruste sentido de todas as utopias sonhadas para este mundo, a não ser que incluam a ressurreição dos mortos ou a perene manutenção da mesma “vida melhor”, nos vindouros. Mas, também este ponto do argumento deixa clara a necessidade (racional) do pressuposto kantiano (e cristão): seria moralmente aceitável, se cada geração dos vivos pensasse ter e de facto tivesse uma “vida melhor” que as anteriores; e se tal progresso fosse consentido e até encorajado pelas almas dos que progrediram deste mundo para um outro melhor, como um meio normal de os sobreviventes neste mundo merecerem chegar a esse melhor. (Uma perspectiva que se conciliaria pois inteiramente com a interpretação utilitarista também.) Assim era moralmente admissível que, na verdade, vivamos hoje melhor; e haveria motivos de esperança para que no futuro vivamos ainda melhor, e não apenas neste mundo.
Duas consequências. Primeira, teríamos aqui um progresso menos injusto e mais amplo do que supunha o argumento: colaboram nele os bons e os maus; os vivos e os mortos de todas as gerações. Segunda, tal progresso ressalvaria de facto a possibilidade (não a necessidade) da não existência de qualquer Deus: seria tão somente uma Lei fundamental do universo, da natureza do Cosmos.
Cabe perguntar: tal Lei é compatível com a existência real da liberdade no humano ? Parece que sim: quem não quer progredir, regrediria. (Pense-se na Lei do karma hindu e na teoria da “reencarnação”.) Mas, regrediria até onde? Até à erva e às bolotas, como ansiava o sr. marquês de Sade, e, portanto, até à perda de qualquer capacidade de vontade e de liberdade? Não necessariamente. Então, com o tempo, em um novo ciclo cósmico, refeito este mundo, um outro Sade poderia querer o bem em vez do mal ? Mas, este outro Sade seria o mesmo Sade? Qual seria o verdadeiro: o sádico a regredir para o porco e a bolota, ou aquele que progrediria para santo? Poderia ser o mesmo, ora progredindo, ora regredindo; mas, nesse caso, ponha-se a questão ética fundamental : – por que deve querer antes ser um santo do que um sádico? Se ambos, “bem” e “mal”, podem alternar infinitamente, e o pior que poderia acontecer ao malfeitor sádico era terminar em erva e bolotas... E é aqui que entra a lei da causalidade retributiva do Karma: quem faz sofrer outrem atrai sobre si o sofrimento, e quanto mais fizer sofrer, mais sofrerá. É evidente que, neste sentido, o sádico não podia terminar numa erval inconsciência bucólica, de que nenhuma vontade consciente o tiraria para “progredir”, a não ser o andamento impessoal da roda do Dharma. E, por outro lado, quanto às vítimas dele – e que teriam merecido serem maltratadas (eventualmente teriam sido violadores sádicos numa existência anterior) -, como é que poderiam progredir no caminho da virtude? Começando por não querer a vingança, consentir no perdão... E também do sofrimento dos animais seguir-se-iam algumas consequências curiosas para a compatibilidade com este esquema geral, e quanto à impressão de que estaríamos melhor hoje no mundo do que há cem anos.
Teríamos então, pelo exposto, uma lei natural que é uma lei moral, contra o pensamento de Kant?
O sofrimento é uma parte do mal, e parte nenhuma se é um sofrimento merecido, caso em que pode mesmo considerar-se um bem. Para Kant, tudo está na intenção pessoal: o que cada um quer ou não quer, à luz duma lei moral que implica a liberdade, não o fatal giro duma cósmica Roda. Ora, tudo isto é empiricamente insondável e psicologicamente sofismável (a tendência a não desconfiarmos da bondade das nossas intenções e outros “bons sentimentos”). Por isso não há nem pode haver indicadores empíricos nenhuns que garantam sermos globalmente melhores hoje do que há cem anos, e que não nos estamos activamente a preparar sofrimentos ainda maiores do que os que experimentámos no séc. XX. Pelo contrário, o que parece mais evidente é um progresso sempre maior na capacidade de nos fazermos a nós e ao mundo cada vez mais mal. Assim, voltando ao nosso argumento da quantidade e enormidade dos males contra a existência de um Deus absolutamente bom, omnipotente e omnisciente, suponhamos que o argumento era lógica e epistemologicamente bem sucedido: não existiria na realidade nenhum tal Deus. Fica então nas mãos do argumentador o ónus de explicar como é que o mesmo argumento não demonstra a existência de um Deus mau, omnipotente e omnisciente. Um Deus que teria criado os humanos e todos os mais seres sencientes para se comprazer no sofrimento deles, infinitamente...
Tal é o desafio que o sr. marquês de Sade lança ao ateu.
ADENDA
Se não há um Deus absolutamente mau criador do pior dos mundos possíveis, então:
(1) Ou os males deste mundo sobrepassam largamente os bens;
(2) Ou os bens deste mundo sobrepassam largamente os males;
(3) Ou bens e males equilibram-se neste mundo.
Se (1), era de esperar que a vida humana biológica (assumida como um bem e condição necessária de todos os mais bens possíveis) não tivesse proliferado, mas diminuído ou até extinguido.
Se (3), o “argumento do mal” poderia ser apenas um desabafo pessimista travestido de lógica.
Como (2) é inaceitável pelo argumentador, resta manter (1) com a restrição de que os “males naturais” não são tão maus que tivessem impedido a proliferação da vida humana (ou até que não faz sentido falar em “males naturais”. Uma tal restrição, porém, robustece (3).
Conceda-se em benefício do argumento que (1) é a verdadeira, e tal que sobrepassem tão largamente os bens que seria de esperar que – naturalmente – a vida humana já se tivesse extinguido. Como o facto é que não se extinguiu, cabe ao argumentador: dar uma razão suficiente para a actualidade de (1), e não (2) e (3), que são falsas; e como é que este facto pode ser compossível com (1). Cabe-lhe explicar também o seguinte: se há uma hipotética Lei natural que introduz um limite necessário para a quantidade e/ou perigosidade dos males, como é que o bem e o mal morais não são moralmente equivalentes (porquê fazer antes o bem do que o mal).
Mas há outra razão disponível: os males largamente maioritários nunca serão incompatíveis com a propagação da vida porque há um Bem sobrenaturalmente tão forte que providencia uma efectiva garantia. Logo, a existência de um Deus bom, não só é possível mas seria vitalmente necessária. (E o bem e o mal morais são o livre concurso de criaturas livres com a Providência de um Deus livre.)
Em suma, quer (1) ou (2) ou (3) são todos compatíveis com a existência de um Deus bom, omnisciente e omnipotente.
Por outro lado, um Deus absolutamente bom, tal que nenhum bem maior é concebível, decerto não pode deixar de criar o melhor mundo possível. Mas, relativamente a Ele, tal mundo é necessariamente menos bom. Nesta diferença fica aberta a possibilidade do mal. A conversão da possibilidade em efectividade não pode, porém, ser imputável a Quem é e só quer o melhor possível, sem o impor a criaturas livres. A liberdade de agentes humanos e/ou sobrehumanos pode conduzir a (1). Portanto, também por este lado (1) é compatível com um Deus absolutamente bom.
(A alternativa era não haver liberdade ou não haver criação nenhuma. O primeiro termo, deixo-o aos cuidados dos acreditam num Logos heractino ou estóico, ou num Destino. Já os considerámos aqui, e as dificuldades postas supra a uma Lei natural regradora do mundo moral aplicam-se-lhes. O segundo não parece adequar-se a um Deus que é por essência criador. Impõe-se a analogia com os humanos, se estes foram criados à imagem e semelhança de Deus: é da essência do poeta o ser criador; e se este realiza em conformidade com o que é, realiza-se, é livre... Também não seria difícil mostrar como é que a essência criadora de Deus se adequa melhor a Um que é Trindade de Pessoas do que uma entidade solitária, tendo presente que o conceito de pessoa é necessariamente relacional.)
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