JOSÉ RELVAS
Foi este o homem do directório do Partido Republicano que anunciou aos lisboetas, da varanda da Câmara Municipal, a 5 de Outubro, o triunfo do novo regime. Depois de ter passado, contra vontade sua, pelo ministério das Finanças do 1º goveno provisório da República, José Relvas foi nomeado embaixador em Madrid, onde esteve entre 1911 e 1913. Nessa missão delicada viria a conseguir, em Setembro de 1912, um acordo diplomático com o governo de Madrid, terminando este a cobertura mais ou menos discreta às incursões da reacção monárquica a partir da Galiza.
Retirando para a sua casa de Alpiarça, sem pertencer a nenhum dos partidos que, desde o Congresso Republicano de 1911, se digladiavam entre si pelo poder, voluntariamente afastado da política activa e de um protagonismo que nunca quis para si, as superiores qualidades políticas e pessoais que desinteressadamente revelara ao serviço do Estado não seriam esquecidas. Em Janeiro de 1919 ver-se-ia chamado à chefia do governo, de que tomou posse a 27, num momento da vida política que qualificou de “pavorosa confusão”. Os monárquicos haviam proclamado a 19 a restauração da Monarquia, no Porto, dominando o país até ao Vouga, durante cerca de um mês. Após enfrentar e dominar com êxito a crise, propôs-se José Relvas um “regresso ao 5 de Outubro”, tentando convencer os partidos à respectiva reorganização em bases programáticas claras e coerentes, e levar o presidente da República à dissolução do Parlamento. Certo dia de Fevereiro pensou tê-lo conseguido, e anotou isto no 2º volume das suas Memórias Políticas ( Lxa., 1ª ed. 1978), em carta a um “amigo” anónimo:
« No meu regresso de Belém tornou-se logo conhecida a resolução do Governo e a anuência do presidente. O Século mandava, à 1 hora da tarde afixar a notícia no placard do Rossio. Mas, a pedido de Cunha Leal e dos seus amigos, o placard foi retirado. Às 3 horas realizava-se o grande comício no Coliseu, ocultando-se ao povo o decreto da dissolução. O Cunha Leal – comediante-tragediante [sic] – sabendo que o Parlamento já não existia, resignou o seu mandato de deputado perante o comício. E acrescentou que, se o governo não decretasse a dissolução, convocava desde já o povo para dissolver o governo! E em verdade pouco faltou para que a ameaça se realizasse, pois no meio dos tumultos provocados com a polícia nas ruas do Ouro e dos Capelistas esse farsante subiu as escadas do Ministério do Interior, acompanhado de populares, que a breve trecho entravam violentamente no meu gabinete, armados com pistolas e espingardas, invectivando-me e não me tendo morto graças à oportuna intervenção de Tito de Morais, ministro da Marinha, secundado por outras pessoas revoltadas com a infâmia que estavam presnciando. Perante o recuo dos assassinos, Cunha Leal que os capitaneava, metido no vão de uma janela do meu gabinete, dizia: - “Não tem dúvida, daqui a meia hora”! Era com efeito insustentável a posição no ministério do Interior. Resolvemos refugiar-nos no Quartel do Carmo e, ao abrigo de um golpe de força, resolver como devíamos defrontar os acontecimentos. Entretanto nas ruas do Ouro e dos Capelistas, continuava o tiroteio com a polícia, obrigada a defender-se dentro já da esquadra do banco de Portugal. Havia mortos e feridos. O primeiro polícia fora morto à porta do Ministério.
Na arcada encontrei de novo o Cunha Leal e populares armados. A atitude de meu filho Carlos e das pessoas amigas que me acompanhavam evitou a segunda tentativa de assassinato. Já a bomba tinha feito o seu aparecimento, e foi sob um tiroteio nutrido e o estalar das bombas que atravessámos o Largo do Município e as ruas que percorremos até ao Carmo.
Como V. vê não se fez esperar a retribuição dos sacrifícios que estou fazendo pela República! »
Relvas teve sorte de escapar ao mesmo fim de que não escapou dois anos mais tarde primeiro ministro António Granjo, assassinado um mês depois da queda do seu governo, na “Noite Sangrenta” de 19 de Outubro de 1921, em que também foram assassinados Carlos da Maia e Machado Santos. Aguentou-se na chefia do governo até 30 de Março de 1919. Deste mês é outra das cartas que escreveu ao anónimo amigo sobre esta experiência, e em que se pode ler a abrir:
« Com os políticos dos partidos históricos da República temos a impressão de que não sabem bem o que querem, fora do estreito critério da posse do poder. Não se consegue que formulem um corpo de doutrina, que possa agremiar simpatias e esforços para uma obra de redenção. Entretanto o mesmo não sucede com os partidos avançados, em luta contra a própria República.
[ Transcreve aqui um trecho do jornal anarco-sindicalista A Batalha, e conclui assim esta carta. ] Os partidos vão abdicar perante o bolchevismo ou perante uma ditadira férrea. Suicidam-se estupidamente! »
Já de novo em Alpiarça, “restituído à paz da minha casa e da minha consciência”, escrevia em outra carta, com data de 5 de Abril:
«Voltaremos às mesmas lutas estéreis, ao mesmo desinteresse dos problemas nacionais, às mesmas intrigas ambiciosas, e ao cabo de um período mais ou menos longo outra ditadura virá renovar os dias de Pimenta de Castro [1915] e de Sidónio Pais [1917-18] (...). Uma ditadura que manterá apenas um simulacro de República, ou que será uma transição para a Monarquia. E essa será a maior responsabilidade dos partidos, que, a despeito de todas as experiências e de largas provações, são incorrigíveis nos seus processos e na na aceitação das mais comprometedoras solidariedades. »
Seguir-se-iam, por espaço de sete anos, até ao golpe militar que pôs termo à 1ª República, mais vinte e seis governos...
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