POVOS ANTIGOS
« Quem não entenda, ou finja não entender, que as invasões de povos constituem um dado essencial das sociedades euro-asiáticas da Antiguidade, não compreende nada do que então se passou. »
Comecemos onde diz-se terá começado a História: as planícies do “crescente fértil” entre os rios Tigre e Eufrates, a região do actual Iraque; sim, as mesmas que têm sido um pantanal para as tropas regulares do exército mais poderoso que já pisou a Terra (ajudadas de 40 mil “contractors”, assoldados por empresas de segurança privadas), agora em processo de discreta e inglória retirada. Muitos outros por lá passaram e sumiram.
Há dois mil e trezentos anos antes de Cristo, mandava lá nessa zona da Mesoptâmia o império de Acad, herdeiro da Suméria, que se estendia do sul da Anatólia até ao actual Barém, no golfo Pérsico. A sudeste, para além do Sinai, o Egipto ia na VI dinastia do Império Antigo, já com cerca de dois mil anos de existência. Para leste, nas margens do Indo, florescia a civilização urbana de Harappa e de Mohenjo-Daro, com uma escrita de tipo hieroglífico, ainda hoje indecifrada. Estes estados centralizados em grandes cidades, propriamente civilizados, contrastavam com a multidão dos povos ainda nómadas, como os das estepes euro-asiáticas. Estavam neste caso os da região de Yamnaya, que se estendia desde os mares Negro e Cáspio até aos Urais. É o berço dos indo-europeus. Os primeiros que deixaram nome seriam os Umman Manda, os quais, descendo pelo Cáucaso, ocupam os planaltos arménio e anatólio; contidos pelo rei Sargão de Acad, divergem para o planalto iraniano e demandarão depois o vale do Indo. Terá sido esta uma das primeiras vagas invasoras dos indo-europeus, a que sucederão outras, séculos depois. Entre os Umman Manda contavam-se os que viriam a ser chamados Cimérios, Medos, Assírios (“Sírios brancos”, em grego), os Sindos (que deram nome ao Indo) e os Citas. Vinham de longe e foram para longe, porque foram os primeiros utilizadores do cavalo de montada: tão longe quanto… a Península Hispânica, cujo nome antigo – Ibéria – era na Antiguidade o nome duma região caucasiana onde fica hoje a Geórgia.
De facto estes povos indo-europeus deslocaram-se também para o Ocidente, e não terá sido a primeira vez. Deles nos ficaram vestígios, os mais antigos datáveis de cerca de 3 000 a. C: para além da célebre cerâmica de feitio campaniforme, os não menos famosos ídolos-placa representando uma divindade com olhos grandes de coruja, representação duma deusa-mãe que teria talvez sido cultuada por onde estamos nós hoje, com o nome de “Ammaia”: é o nome dum povoado que chegou à época romana, sito nos “montes ammaienses” – a serra de S. Mamede e uma região onde a vivaz festa das maias, tão preferida e protagonizada por jovens raparigas, só viria a fenecer no séc. XX d. C..
Uma referência inédita e curiosa (apoiada em referências de Estrabão, geógrafo grego do séc. I a. C. e Diodoro Sículo) é a presença de povos de cepa indo-ariana de língua Konkani (próxima do sânscrito) na nossa Península, pelo séc. XIII a. C., com origem no reino de Mitanni, na Alta Mesoptâmia. Expandiram-se para a região sírio-palestina, depois para o litoral norte-africano, donde alcançariam a Ibéria. Teriam sido empurrados pela grande migração que os egípcios registaram como a “invasão dos povos do Mar” (do mar Negro): os Sardos, os Calibes, os Bizeres, os Zela, os Hurritas, Mésios, Danaos (os homéricos Aqueus, sitiadores de Tróia) e os Teucros. Estes dois últimos fizeram deslocar os Estrímnios da Trácia para a Bitínia e mais para leste. É de lembrar que o famoso geógrafo romano Avieno (séc. IV d. C., mas apoiado em fontes gregas muito mais antigas) dará à região mais ocidental da Ibéria o nome Ofiussa, e dirá que era habitada pelos Estrímnios (à letra: povos do Ocidente). Ora, os tais povos de língua konkani serão os Concanes, de que nos falam Silo Itálico (séc. I d. C.) e Cláudio Ptolomeu (séc. II d. C.) como habitando o noroeste da Península Ibérica. Será o topónimo Concão (na freguesia de Poiares, Ponte de Lima) um paleolinguístico vestígio desse antiquíssimo etnónimo?... O Concão é o nome duma região da Índia, onde fica Goa e se fala o konkani. Muitos séculos mais tarde, « quando Afonso de Albuquerque, em 1510, escolheu Goa para capital portuguesa do Oriente não sabia que ia ocupar uma zona habitada por populações que tinham a mesma origem que alguns dos seus soldados e marinheiros.» Uma coincidência não tão notável assim, porque o mundo é redondo e andamos nele desinquietos há muito tempo: « os Concanes são apenas um dos inúmeros exemplos de fluxos e refluxos de povos na Euro-Ásia, movimentos que se mantiveram incessantemente por toda a Antiguidade e Idade Média.»
Se não for ainda mais antiga, a chegada dos primeiros povos indo-europeus à Estrímnia ou Hespéria, depois chamada Ibéria deu-se seguramente desde os finais do 3º milénio a. C. até ao final da Idade do Bronze (c. 1000 a. C.). É a civilização dos povoados fortificados em “castros”, dos quais os mais antigos (dos finais do 3º milénio) estariam na Estremadura portuguesa, com exemplos em Vila Nova de S. Pedro (Azambuja), Zambujal (Torres Vedras) e Leceia (Oeiras); dos vasos de cerâmica campaniforme, dos machados de talão, das estelas decoradas com motivos geométricos e (no sudoeste da Península) com motivos antropomórficos e uma escrita ainda hoje indecifrada.
Vieram uns por mar, integrados nas referidas invasões dos “povos do Mar”, vindos do Egeu, da península balcânica e do litoral da Anatólia. É o tempo da chegada dos Danaos-Aqueus a Tróia e do fim da civilização micénica. Entre estes povos contavam-se também os já mencionados Teucros (associáveis ao herói Teucro, da Ilíada), que fundaram Salamina, ocuparam Chipre e, viajando pelo Mediterrâneo, vieram a desembarcar perto de Cartagena, no sul da Hispânia, chegando posteriormente até à Galiza. O povoado chamado Hellenes, que ficava no noroeste peninsular, e a presença de Helleni e dos Grovii na nossa região de Braga, teria esssa origem. Como se vê, a mais moderna historiografia não desdenha olhar com mais compreensão a “mítica” e “fabulosa” lenda de um grego – Ulisses – ter chegado à região de Lisboa, que lhe teria herdado o nome (talvez mais provavelmente de origem céltica, Lixbona, como os das europeias Bona, Ratisbona, Narbona).
Outros vêm por terra : os Cónios, os Cefes e os Cinetes, estes dois últimos chamados “celtas” pelos autores clássicos. De facto, entre os que vieram pelo interior continental (pressionados pelos Germanos) e introduziram entre nós a metalurgia do ferro estão os povos celtas, vindos do sul da Alemanha, França e Suíça, que se deslocariam também para leste até à Trácia e à Galácia (na Ásia Menor) e para o noroeste atlântico (Irlanda e Grã-Bretanha). Encontram-se entre nós desde pelo menos o séc. VIII a. C., principalmente no Alentejo e noroeste peninsular, aqui talvez desde data mais recuada. Não esqueçamos os Fenícios, Cartagineses e Lígures tão encarecidos pelos historiadores, mas de que a arqueologia e a paleolinguística não encontraram vestígios relevantes na área do território hoje português. Temos, sim, notícia certa duma chusma de povos – Pemanos, Eburões, Turões, Volcos, Nérvios, Túngrios, Draganes, Rúgios,Vazeus, Lusões e Vetões – de origem étnica pouco clara: admitem alguns que fossem de origem germânica, daquelas tribos que, em meados do séc. VI a. C., atravessaram o Reno e obrigaram os celtas a deslocarem-se mais e mais para ocidente. Teriam corrido atrás deles até aqui? Teríamos então uma primeira vaga germânica, antecedente da dos Vândalos, Alanos, Suevos e Visigodos nos começos da Idade Média.
Não esqueçamos, evidentemente, os famosos Lusitanos, de origem celta, segundo querem uns, ou celtizados, segundo outros. Duas hipóteses inovadoras: seriam eles associáveis aos Tapori, que Plínio (séc. I d. C.) diz habitarem numa região da vertente ocidental da serra da Estrela ou na zona de Castelo Branco. Estes Tapori seriam da mesma origem que os Tapúrios, junto aos montes Elburz, a leste de Teerão; Ptolomeu (séc. II d. C.) dá-lhes origem nos montes Tapúrios, na Ásia central. Mas as nossas incrições (ainda por decifrar) de Cabeço das Fragas e de Lamas de Moledo, que têm sido associadas aos Lusitanos, não revelam uma língua com semelhanças ao sânscrito ou ao velho iraniano. A outra hipótese, talvez mais consistente, é a origem ilírica. Os Ilírios ocuparam no primeiro milénio a. C. a região da Trácia, áreas dos Balcãs, da actual Albânia e até no sul da Hungria. O ilírico é uma das línguas secularmente mais estáveis que os linguistas conhecem, e na nossa toponímia há uma série de nomes praticamente iguais a outros que ainda hoje existem nos Balcãs e na Albânia; mas também antropónimos e etnónimos, como os dos acima citados Gróvios, associáveis à cidade ilíria de Grofes. Se o nome de Viriato é claramente celta, os dos seus dois assassinos Ditalco e Audaca seriam de raíz ilírio-trácia. (Mas, no texto grego do historiador Apiano, aparece Audax, nome de sabor gaulês...) Recorde-se que os Estrímnios, de que se falou acima, seriam originários da Trácia. Do que não há dúvida nenhuma é que são dos povos celtas os mais numerosos e extensos vestígios, nas fontes escritas, na arqueologia, na toponímia e na hidronímia, com importantes contribuições quer do céltico continental, quer do insular. Para além dos Sefes e dos Cempsos, no sul actualmente português, os Bogontes, Brigantes, Equesos e Brácaros, a norte, seriam também celtas.
Tudo isto impõe pelo menos duas conclusões incontestáveis: « A nossa história não começa com D. Afonso Henriques. No séc. XII já tem milénios, e a Idade Média portuguesa nunca será poderá ser entendida se não for enquadrada numa longa tradição civilizacional para a qual os obscuros Indo-europeus do II milénio a. C. e vários outros povos pré-romanos deram uma contribuição fundamental. » E como corolário:
«Tal significa que podemos afastar completa e definitivamente a tese do “ermamento” seja em que período temporal for, desde pelo menos a Idade do Bronze, e seja em que parcela do território continental se localize. » É o que os trabalhos arqueológicos já feitos ou ainda em curso por causa da barragem do Alqueva têm mostrado para o Alentejo: quanto mais se recua no tempo, mais povoamento aparece.
Comecemos onde diz-se terá começado a História: as planícies do “crescente fértil” entre os rios Tigre e Eufrates, a região do actual Iraque; sim, as mesmas que têm sido um pantanal para as tropas regulares do exército mais poderoso que já pisou a Terra (ajudadas de 40 mil “contractors”, assoldados por empresas de segurança privadas), agora em processo de discreta e inglória retirada. Muitos outros por lá passaram e sumiram.
Há dois mil e trezentos anos antes de Cristo, mandava lá nessa zona da Mesoptâmia o império de Acad, herdeiro da Suméria, que se estendia do sul da Anatólia até ao actual Barém, no golfo Pérsico. A sudeste, para além do Sinai, o Egipto ia na VI dinastia do Império Antigo, já com cerca de dois mil anos de existência. Para leste, nas margens do Indo, florescia a civilização urbana de Harappa e de Mohenjo-Daro, com uma escrita de tipo hieroglífico, ainda hoje indecifrada. Estes estados centralizados em grandes cidades, propriamente civilizados, contrastavam com a multidão dos povos ainda nómadas, como os das estepes euro-asiáticas. Estavam neste caso os da região de Yamnaya, que se estendia desde os mares Negro e Cáspio até aos Urais. É o berço dos indo-europeus. Os primeiros que deixaram nome seriam os Umman Manda, os quais, descendo pelo Cáucaso, ocupam os planaltos arménio e anatólio; contidos pelo rei Sargão de Acad, divergem para o planalto iraniano e demandarão depois o vale do Indo. Terá sido esta uma das primeiras vagas invasoras dos indo-europeus, a que sucederão outras, séculos depois. Entre os Umman Manda contavam-se os que viriam a ser chamados Cimérios, Medos, Assírios (“Sírios brancos”, em grego), os Sindos (que deram nome ao Indo) e os Citas. Vinham de longe e foram para longe, porque foram os primeiros utilizadores do cavalo de montada: tão longe quanto… a Península Hispânica, cujo nome antigo – Ibéria – era na Antiguidade o nome duma região caucasiana onde fica hoje a Geórgia.
De facto estes povos indo-europeus deslocaram-se também para o Ocidente, e não terá sido a primeira vez. Deles nos ficaram vestígios, os mais antigos datáveis de cerca de 3 000 a. C: para além da célebre cerâmica de feitio campaniforme, os não menos famosos ídolos-placa representando uma divindade com olhos grandes de coruja, representação duma deusa-mãe que teria talvez sido cultuada por onde estamos nós hoje, com o nome de “Ammaia”: é o nome dum povoado que chegou à época romana, sito nos “montes ammaienses” – a serra de S. Mamede e uma região onde a vivaz festa das maias, tão preferida e protagonizada por jovens raparigas, só viria a fenecer no séc. XX d. C..
Uma referência inédita e curiosa (apoiada em referências de Estrabão, geógrafo grego do séc. I a. C. e Diodoro Sículo) é a presença de povos de cepa indo-ariana de língua Konkani (próxima do sânscrito) na nossa Península, pelo séc. XIII a. C., com origem no reino de Mitanni, na Alta Mesoptâmia. Expandiram-se para a região sírio-palestina, depois para o litoral norte-africano, donde alcançariam a Ibéria. Teriam sido empurrados pela grande migração que os egípcios registaram como a “invasão dos povos do Mar” (do mar Negro): os Sardos, os Calibes, os Bizeres, os Zela, os Hurritas, Mésios, Danaos (os homéricos Aqueus, sitiadores de Tróia) e os Teucros. Estes dois últimos fizeram deslocar os Estrímnios da Trácia para a Bitínia e mais para leste. É de lembrar que o famoso geógrafo romano Avieno (séc. IV d. C., mas apoiado em fontes gregas muito mais antigas) dará à região mais ocidental da Ibéria o nome Ofiussa, e dirá que era habitada pelos Estrímnios (à letra: povos do Ocidente). Ora, os tais povos de língua konkani serão os Concanes, de que nos falam Silo Itálico (séc. I d. C.) e Cláudio Ptolomeu (séc. II d. C.) como habitando o noroeste da Península Ibérica. Será o topónimo Concão (na freguesia de Poiares, Ponte de Lima) um paleolinguístico vestígio desse antiquíssimo etnónimo?... O Concão é o nome duma região da Índia, onde fica Goa e se fala o konkani. Muitos séculos mais tarde, « quando Afonso de Albuquerque, em 1510, escolheu Goa para capital portuguesa do Oriente não sabia que ia ocupar uma zona habitada por populações que tinham a mesma origem que alguns dos seus soldados e marinheiros.» Uma coincidência não tão notável assim, porque o mundo é redondo e andamos nele desinquietos há muito tempo: « os Concanes são apenas um dos inúmeros exemplos de fluxos e refluxos de povos na Euro-Ásia, movimentos que se mantiveram incessantemente por toda a Antiguidade e Idade Média.»
Se não for ainda mais antiga, a chegada dos primeiros povos indo-europeus à Estrímnia ou Hespéria, depois chamada Ibéria deu-se seguramente desde os finais do 3º milénio a. C. até ao final da Idade do Bronze (c. 1000 a. C.). É a civilização dos povoados fortificados em “castros”, dos quais os mais antigos (dos finais do 3º milénio) estariam na Estremadura portuguesa, com exemplos em Vila Nova de S. Pedro (Azambuja), Zambujal (Torres Vedras) e Leceia (Oeiras); dos vasos de cerâmica campaniforme, dos machados de talão, das estelas decoradas com motivos geométricos e (no sudoeste da Península) com motivos antropomórficos e uma escrita ainda hoje indecifrada.
Vieram uns por mar, integrados nas referidas invasões dos “povos do Mar”, vindos do Egeu, da península balcânica e do litoral da Anatólia. É o tempo da chegada dos Danaos-Aqueus a Tróia e do fim da civilização micénica. Entre estes povos contavam-se também os já mencionados Teucros (associáveis ao herói Teucro, da Ilíada), que fundaram Salamina, ocuparam Chipre e, viajando pelo Mediterrâneo, vieram a desembarcar perto de Cartagena, no sul da Hispânia, chegando posteriormente até à Galiza. O povoado chamado Hellenes, que ficava no noroeste peninsular, e a presença de Helleni e dos Grovii na nossa região de Braga, teria esssa origem. Como se vê, a mais moderna historiografia não desdenha olhar com mais compreensão a “mítica” e “fabulosa” lenda de um grego – Ulisses – ter chegado à região de Lisboa, que lhe teria herdado o nome (talvez mais provavelmente de origem céltica, Lixbona, como os das europeias Bona, Ratisbona, Narbona).
Outros vêm por terra : os Cónios, os Cefes e os Cinetes, estes dois últimos chamados “celtas” pelos autores clássicos. De facto, entre os que vieram pelo interior continental (pressionados pelos Germanos) e introduziram entre nós a metalurgia do ferro estão os povos celtas, vindos do sul da Alemanha, França e Suíça, que se deslocariam também para leste até à Trácia e à Galácia (na Ásia Menor) e para o noroeste atlântico (Irlanda e Grã-Bretanha). Encontram-se entre nós desde pelo menos o séc. VIII a. C., principalmente no Alentejo e noroeste peninsular, aqui talvez desde data mais recuada. Não esqueçamos os Fenícios, Cartagineses e Lígures tão encarecidos pelos historiadores, mas de que a arqueologia e a paleolinguística não encontraram vestígios relevantes na área do território hoje português. Temos, sim, notícia certa duma chusma de povos – Pemanos, Eburões, Turões, Volcos, Nérvios, Túngrios, Draganes, Rúgios,Vazeus, Lusões e Vetões – de origem étnica pouco clara: admitem alguns que fossem de origem germânica, daquelas tribos que, em meados do séc. VI a. C., atravessaram o Reno e obrigaram os celtas a deslocarem-se mais e mais para ocidente. Teriam corrido atrás deles até aqui? Teríamos então uma primeira vaga germânica, antecedente da dos Vândalos, Alanos, Suevos e Visigodos nos começos da Idade Média.
Não esqueçamos, evidentemente, os famosos Lusitanos, de origem celta, segundo querem uns, ou celtizados, segundo outros. Duas hipóteses inovadoras: seriam eles associáveis aos Tapori, que Plínio (séc. I d. C.) diz habitarem numa região da vertente ocidental da serra da Estrela ou na zona de Castelo Branco. Estes Tapori seriam da mesma origem que os Tapúrios, junto aos montes Elburz, a leste de Teerão; Ptolomeu (séc. II d. C.) dá-lhes origem nos montes Tapúrios, na Ásia central. Mas as nossas incrições (ainda por decifrar) de Cabeço das Fragas e de Lamas de Moledo, que têm sido associadas aos Lusitanos, não revelam uma língua com semelhanças ao sânscrito ou ao velho iraniano. A outra hipótese, talvez mais consistente, é a origem ilírica. Os Ilírios ocuparam no primeiro milénio a. C. a região da Trácia, áreas dos Balcãs, da actual Albânia e até no sul da Hungria. O ilírico é uma das línguas secularmente mais estáveis que os linguistas conhecem, e na nossa toponímia há uma série de nomes praticamente iguais a outros que ainda hoje existem nos Balcãs e na Albânia; mas também antropónimos e etnónimos, como os dos acima citados Gróvios, associáveis à cidade ilíria de Grofes. Se o nome de Viriato é claramente celta, os dos seus dois assassinos Ditalco e Audaca seriam de raíz ilírio-trácia. (Mas, no texto grego do historiador Apiano, aparece Audax, nome de sabor gaulês...) Recorde-se que os Estrímnios, de que se falou acima, seriam originários da Trácia. Do que não há dúvida nenhuma é que são dos povos celtas os mais numerosos e extensos vestígios, nas fontes escritas, na arqueologia, na toponímia e na hidronímia, com importantes contribuições quer do céltico continental, quer do insular. Para além dos Sefes e dos Cempsos, no sul actualmente português, os Bogontes, Brigantes, Equesos e Brácaros, a norte, seriam também celtas.
Tudo isto impõe pelo menos duas conclusões incontestáveis: « A nossa história não começa com D. Afonso Henriques. No séc. XII já tem milénios, e a Idade Média portuguesa nunca será poderá ser entendida se não for enquadrada numa longa tradição civilizacional para a qual os obscuros Indo-europeus do II milénio a. C. e vários outros povos pré-romanos deram uma contribuição fundamental. » E como corolário:
«Tal significa que podemos afastar completa e definitivamente a tese do “ermamento” seja em que período temporal for, desde pelo menos a Idade do Bronze, e seja em que parcela do território continental se localize. » É o que os trabalhos arqueológicos já feitos ou ainda em curso por causa da barragem do Alqueva têm mostrado para o Alentejo: quanto mais se recua no tempo, mais povoamento aparece.
[ A parte mais substanciosa e todas as citações deste postal são de duas inovadoras (e heterodoxas) obras de João Ferreira do Amaral – Os Filhos de Caim em Portugal. Povos e Migrações no II Milénio Antes de Cristo (2004) – e do mesmo com seu irmão Augusto Ferreira do Amaral, Povos Antigos em Portugal. Paleoetnologia do Território Hoje Português (1997). ]
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