ADENDA
Aqui pois finalmente com rigores
Insofríveis de todo e desusados,
Passam a vida estes santos sofredores
De todo o trato humano desterrados.
Seu comer só são lágrimas e dores,
Quando muito uns legumes incruados,
Sem azeite, e sem gosto, que parece
Que tudo o cá da Terra lhes falece.
Cada um deles parece certamente
Nas chagas e feridas rigorosas
Outro franciscano santo e penitente,
Que cinco teve tão miraculosas.
A eles lhes parece ouro fulgente
Estas alegres e purpúreas rosas,
Porque enfim quem d’amor está prendado,
O rigor lhe parece mais folgado.
Bem mostram pois aqui neste alto Monte
Com sua sujeição e obediência,
Com seus corpos de sangue feitos fonte,
Com sua austera vida e penitência,
Que muitas excelências deles conte:
Mas falta-me o melhor, que é a ciência;
Mas somente direi que deste Alverno
Tremer fazem o horrífico Inferno.
Postos em Cruz estão, ninguém duvida,
Pois se a Cruz são trabalhos e rigores,
Que mores podem ter com sua vida
Cheia de tantos descontos e suores!
A Cruz é só seu bem, sua querida,
Nela têm seu descanso e seus amores,
Sua glória, seu prazer, sua luz pura,
Seu remédio e seu bem, sua ventura.
Descalços, pobrezinhos, remendados,
Cansados e famintos, abstinentes,
De feridas e de açoites retalhados,
Sem cama, sem camisa, continentes;
Cozidos num burel e amortalhados,
E com outros rigores diferentes,
Passam a vida aqui neste deserto
Para se verem do Céu muito mais perto.
Tais são algumas das estâncias dedicadas ao convento franciscano da Santa Cruz num poema seiscentista em oitavas e seis cantos titulado Serra de Sintra, de autor anónimo, escrito por alturas da Restauração.Versos como os transcritos, e outros do anónimo autor, não repugnariam a frei Agostinho da Cruz, que professou no convento de Sintra antes de ir para guardião do de Ribamar e depois para Santa Maria da Arrábida.
Insofríveis de todo e desusados,
Passam a vida estes santos sofredores
De todo o trato humano desterrados.
Seu comer só são lágrimas e dores,
Quando muito uns legumes incruados,
Sem azeite, e sem gosto, que parece
Que tudo o cá da Terra lhes falece.
Cada um deles parece certamente
Nas chagas e feridas rigorosas
Outro franciscano santo e penitente,
Que cinco teve tão miraculosas.
A eles lhes parece ouro fulgente
Estas alegres e purpúreas rosas,
Porque enfim quem d’amor está prendado,
O rigor lhe parece mais folgado.
Bem mostram pois aqui neste alto Monte
Com sua sujeição e obediência,
Com seus corpos de sangue feitos fonte,
Com sua austera vida e penitência,
Que muitas excelências deles conte:
Mas falta-me o melhor, que é a ciência;
Mas somente direi que deste Alverno
Tremer fazem o horrífico Inferno.
Postos em Cruz estão, ninguém duvida,
Pois se a Cruz são trabalhos e rigores,
Que mores podem ter com sua vida
Cheia de tantos descontos e suores!
A Cruz é só seu bem, sua querida,
Nela têm seu descanso e seus amores,
Sua glória, seu prazer, sua luz pura,
Seu remédio e seu bem, sua ventura.
Descalços, pobrezinhos, remendados,
Cansados e famintos, abstinentes,
De feridas e de açoites retalhados,
Sem cama, sem camisa, continentes;
Cozidos num burel e amortalhados,
E com outros rigores diferentes,
Passam a vida aqui neste deserto
Para se verem do Céu muito mais perto.
Tais são algumas das estâncias dedicadas ao convento franciscano da Santa Cruz num poema seiscentista em oitavas e seis cantos titulado Serra de Sintra, de autor anónimo, escrito por alturas da Restauração.Versos como os transcritos, e outros do anónimo autor, não repugnariam a frei Agostinho da Cruz, que professou no convento de Sintra antes de ir para guardião do de Ribamar e depois para Santa Maria da Arrábida.
A fundação do convento da Santa Cruz da Serra foi ideia do nosso vice-rei na Índia D. João de Castro, proprietário do sítio, e da quinta da Penha Verde mais abaixo. Não a pôde executar em vida, e foi seu filho D. Álvaro de Castro que a levou a cabo a favor dos frades franciscanos reformados, chamados “Capuchos”, lá estabelecidos em 1560.
El-rei D. Filipe II, então senhor de Portugal, aqui veio de visita aos frades com quem seu sobrinho D. Sebastião gostava de praticar. Pedindo o soberano espanhol para si um púcaro com água, a fidalgaria que o acompanhava pediu ao guardião que o servisse com algum doce, para adoçar a el-rei a visão de tanta austeridade. O guardião trouxe-lhe o púcaro com um pratinho de passas. D. Filipe instou com o guardião que lhe pedisse alguma coisa de necessidade para o convento. O frade chamou o irmão cozinheiro e inquiriu se havia azeite bastante para a almotolia do refeitório (era mendigado à semana). Havia. Não precisava de nada, e beijou a real mão pelo cuidado em fazer mercê. Saindo do convento, admirado e agradado de tanto desapego, saiu-se bem el-rei apontando ao longe na direcção do convento jerónimo da Pena: - “Allá es la pena, e esta es la glória.” E depois ufanava-se de ter em seus reinos o convento mais rico (o Escurial) e o mais pobre de toda a Cristandade.
Ainda hoje à vista das celas o visitante pode corroborar a exactidão do velho cronista frei António da Piedade: « são estas tão estreitas que ordinariamente seus habitadores dormem encolhidos, e alguns mandaram abrir na rocha, que lhes serve de parede, buracos para acomodarem os pés; as portas têm cinco palmos de alto, e palmo e meio de largo; as paredes que as dividem são de vimes tecidos com barro; o forro de tudo é de cortiça e está nas portas pregada em grades de tosca madeira. »
Frei Honório de Santa Maria veio a estas celas pelo ano de 1561, contava já sessenta de idade, e chegou a guardião do convento. Talvez porque as achasse demasiado cómodas, « elegeu por cela uma cova que está na cerca .... cuja horrorosa vista intimida aos humanos por a verem, quanto mais para habitarem. Ninguém a vê sem que lhe sirva para despertador da morte; e todos ouvem assombrados que nela pudesse viver dezasseis anos contínuos Fr. Honório, contando já oitenta de idade. A sua cama era uma cortiça, e uma pedra ou pau lhe servia de cabeceira, sem outra cobertura com que se pudesse reparar dos frios mais que a de dois grandes penedos, que lhe impedem a claridade. »
A cova aonde esteve por dezasseis anos (não trinta, como exageram outros) fica documentada na fotografia, e lá está ainda hoje para edificar e despertar o visitante, que pode visitar o convento à vontade e beneficiar de horas de uma paz que o acompanhará multiplicada por dias.
[ A vida de Honório pode ler-se aqui na Parte I, Livro IV, Cap. XL do Espelho de Penitentes e Crónica da Província de Santa Maria da Arrábida, de frei António da Piedade (1728), acessível neste sítio digno do sítio do convento: http://soscapuchos.blogspot.com/2009/03/vida-do-veneravel-fr-honorio-de-santa.html
Um bom guia moderno para o visitante é O Convento dos Capuchos da Serra de Sintra- Percurso Histórico e Guia Interpretativo (2005), de Nuno Miguel Gaspar.
O poema anónimo do séc. XVII, possivelmente dum erudito frade jerónimo do convento da Pena, foi editado, anotado e publicado pela primeira vez por João Rodil, em Sintra, há poucos anos (1993). ]
O poema anónimo do séc. XVII, possivelmente dum erudito frade jerónimo do convento da Pena, foi editado, anotado e publicado pela primeira vez por João Rodil, em Sintra, há poucos anos (1993). ]
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