sábado, outubro 02, 2010

CAMILO CASTELO BRANCO

CAMILO CASTELO BRANCO


« O homem, pois, que muito sofre, e não se furta às dores aniquilando-se, é a continuação do Filho de Deus sobre a terra; é porventura o eterno Cristo expiando a primeira culpa do tronco verminoso da humanidade.» (1854)

« Lamentai o suicida, porque a sua última hora foi uma luta horrível entre a deseperação, a incerteza e, talvez, a saudade. » (1857)

« Se a alma do suicida pudesse subir à presença de Deus, a Divina Majestade esconderia a face envergonhada ou condoída da sua; porque o suicida lhe diria como Job: Porque me tiraste do ventre materno ? « (1888)

« A mulher que de tão longe o saúda, tem também uma história de lágrimas .... Quinze anos vivi numa Fazenda no Sertão; uma amiga que sabia das minhas amarguras, emprestou-me as obras de Camilo Castelo Branco, que me foram a distracção e consolação única nos longos e deseperados dias de quinze anos. » (Uma leitora brasileira, 1881. )

« O homem, que escurece a vista curvado sobre a banca do estudo, aprofundando a ciência e os mistérios do coração humano, à procura do bálsamo para chagas inumeráveis, afigura-se-me suspenso à terra por um fio divino: tão perto o vejo revoar dos segredos de Deus. » (Ana Plácido)
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Um bom conhecedor de Camilo, João Bigotte Chorão, lamentava a hodierna falta de uma antologia de textos selectos que servisse de introdução camiliana para a mocidade estudiosa. Isto era bom se os novos tivessem interesse em estudar, e os superiores responsáveis do sistema público educativo tivessem interesse em que eles aprendessem com os velhos que melhor cultivaram a Língua Portuguesa. ( A pressa e o empenho é que as crianças, ainda balbuciando mal assimilados rudimentos da língua materna, comecem desde logo com o Inglês...)

Se já foram feitas em tempos algumas boas antologias, não sei eu de jamais haverem sido compilados os prefácios de Camilo aos seus livros, de não menor importância para o conhecimento do Autor das muitas “refolhudas glossas” (diz o próprio) que a cada página “enfronham” a tessitura dos seus contos. Os seus contos!... O primeiro que teve sucesso popular foi um dramalhão em forma de folheto de cordel – Maria, não me mates que sou tua Mãe! -, e o Autor, condenado a (quase) só viver do que escrevia, tão sensível como era às solicitações do mercado, logo viu o furo e aproveitou o filão, que explorou até ao fim da atribulada carreira de “grilheta da pena”. Mas não esqueçamos, além da vastíssima e enxundiosa (permita-se-me o adjectivo camiliano) obra do ensaísta histórico e do crítico literário, que Camilo começou e continuou por toda a vida escrevendo versos, sendo de poesia o seu último livro publicado (para o qual lhe foi difícil achar editor!). Ora acontece comigo, que sou pouco lido em romances e sem paciência para intrigalhadas de faca e alguidar, ainda hoje caírem-me os olhos na primeira página dalguma novela camiliana e não sou capaz de me despegar até à última linha, pelo meio ora rindo à gargalhada num página aqui, ora chorando de comovida pena umas poucas páginas adiante. Tal é o engenho e a arte deste prodigioso artífice da palavra e dos sentimentos. Mas o que mais interessa e empolga é o caso humano de como no século de oitocentos, totalmente aberto, permeado e lucidamente informado da cultura do seu século, se debateu um certo tipo de português com os problemas humanos de sempre. É a partir desta perspectiva que me parece o leitor pode inteirar-se melhor da soberana excelência do Artista, tanto como das indigências e insuficiências que afectaram o homem e... na mesma nos afectam a nós, portugueses de hoje. (Mesmo que tão aparentemente demudados pelo grande traumatismo que temos padecido nos últimos decénios.)

Este homem das dores foi um mestre consumado da comicidade, desde a ironia mais subtil ao sarcasmo mais grosseiro e desbragado de respeitos humanos. Na linha média da escala parece-me estar o puro humor dos dois primeiros trechos que sirvo em baixo ao leitor, e nos falam doutras lutas mais inofensivas. Não era a primeira vez que Camilo se havia com a bicheza hospedada à conta da falta de higiene numas lôbregas hospedarias, das quais já Vernei, em setecentos, falava com horrorizado anojo nas Cartas Italianas. Desta feita foi no sítio de Baltar, passando de Vila Real para o Porto, em Vinte Horas de Liteira (1864) e de saborosas histórias que ia trocando com um amigo e companheiro de viagem... –

1 Comments:

Blogger Pedro Isidoro said...

Sobre o estilo camiliano, numa alocução coimbrã de 1925, falava destarte o jovem Vitorino Nemésio, já em grande estilo de prendado herdeiro do mestre de Ceide:

« Em primeiro lugar, descobre-se na madre de tão poderoso estilo o veio que enervou a fala culta, solta nos paços e nas sés, porém entrançado com o filão popular, mais pitoresco. Aparta-se assim do meio-termo da loquela impolida, insossa. Guarda, parece, a modulação dos tempos mais remotos que Portugal conheceu (...). O português de Camilo, que Eça de Queiroz dizia talhado pelo figurino de Filinto, é em verdade um policiado idioma em mãos dum grande perito. (...) O mais – exuberância, rosáceas de sintaxe e adjectivação a fogo, essa linguagem de multicolor embrechado que nos domina e enfeitiça – não é artifício dos retóricos, que, por terem copiado alguns manuscritos freiráticos, apanham as cócoras dos pergaminhos e as mordeduras dos anóbios. É antes a língua viva, latejante, solerte, talvez um pouco prejudicada pelos doentes nervos que do cérebro a trouxeram; todavia, como as rochas eterna, e como os ventos livre. »

Vultos e Perfis I, in Obras Completas, INCM, 2003, vol. XXV, p.43.

9:22 da tarde  

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