quarta-feira, outubro 13, 2010

ÚLTIMOS AVISOS...





 « Como chegar a um grande objectivo se não sentimos primeiro em nós a força e a vontade de provocar grandes sofrimentos? Saber sofrer é a coisa mais insignificante: mulheres fracas, escravos mesmo, chegam muitas vezes a ser mestres nessa arte. Mas não perecer de miséria interior, não morrer de incerteza quando se causa um grande sofrimento e dele se ouve subir o grito, eis o que é grande, o que pertence ao domínio da grandeza. »
 Nietzsche

 «Problema: com que tipo de meios se poderia atingir uma forma estrita do grande niilismo contagioso; uma forma que, com uma probidade totalmente científica, ensine e pratique a morte voluntária, e não a arte de continuar vegetando miseravelmente, prevendo uma “pós-existência” enganadora .... »
Nietzsche

« O poder espiritual ficará nas mãos dos sábios, e o poder temporal pertencerá aos chefes dos trabalhos industriais. »
Comte

« Vamos ter seres quase super-humanos.... »
Funcionário (não identificado) da DARPA (in Johnathan D. Moreno, Riscos Imorais )

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Desde o Manhattan Project, que levou ao holocausto nuclear das populações de Hiroshima e Nagasaki, que os chefes do “complexo militar-industrial” norte-americano se convenceram de que os avanços em ciência fundamental podiam trazer uma vantagem estratégica decisiva. A vitória do comunismo na China e a guerra da Coreia demonstrou-lhes que as armas da tecnociência não envolviam só a física e a química: havia também que levar seriamente em conta as “ciências sociais” e a “guerra psicológica”. Desde os anos 50 que, ou nas suas próprias escolas, ou financiando e monitorizando uma vasta rede de projectos envolvendo as principais universidades americanas, que o Departamento da Defesa e, entre outras agências, a CIA dinamizam, coordenam ou monitorizam muita da investigação científica de vanguarda nos Estados Unidos em todos os domínios. Dei aqui um exemplo. Para além da consolidação da sua posição imperial global, tudo se faz, evidentemente, com um olho no business e o outro na Propaganda dos “benefícios” para a “qualidade de vida” da sociedade civil. A Arpanet, que comercialmente se transformou na popular Internet, é um exemplo bem sucedido; menos bem sucedida foi, nos anos 60, a estratégia de imergir os jovens em acid dreams para os distrair da crítica ao sistema social e político do imperialismo em guerra no Vietname. (Menos bem sucedida então, continua hoje aplicada: útil para cansar e domesticar as “energias” sempre potencialmente desestabilizadorasda juventude; e como indústria de “entretenimento”, muito lucrativa e difusiva da cultura americana.)

A tecnociência é a mutação cultural dos ideais duma ciência “pura” da Natureza, do Iluminismo setecentista, operada por influência da Revolução Industrial e, no século XIX, dinamizada pela tensão dialéctica entre o progressismo positivista (politicamente conservador) e o progressismo socialista que, na Rússia, viria a fazer a experiência da “revolução dos sovietes e da electricidade”. ( A dialéctica não se esgotou ainda hoje: o contrapolo do “Ocidente” deslocou-se apenas mais para leste: é o Mandarinato oligárquico chinês.) A tecnociência é essencialmente engenharia: um saber que é saber-fazer. O interesse aqui é o de mexer e mudar as coisas (pessoas, mundo natural e social) de maneira a maximizar as vantagens dos “nossos” ( nós e os nossos aliados) relativamente aos “outros” e aos caprichos ameaçadores duma Natureza “hostil”. (As vantagens dos “nossos” abrangem: desde as acções bolsistas em farmacêuticas com os precisos medicamentos para súbitas viroses gripais, até aos grandes ideais da “Democracia” e dos “Direitos Humanos”, de interesse universal, subordinados a posições de vantagem na concorrência em mercado “livre” mundial.)

Mas, saber-fazer não é saber ver. Ver, por exemplo, que não é afinal do melhor interesse dos humanos darem-se entre si e mexer na Natureza com sentimentos de ameaça, medo ou hostilidade, muito menos de exploração obsessiva e desenfreada. Quem não sabe ver, não vê nenhum limite para o mexer e remexer, apropriar e pôr a render; ou, se começa a ver, não tem capacidade nem vontade para se deter no seu “progresso” e “desenvolvimento”.

Não é por acaso que os Estados Unidos da América do Norte são hoje o hyperpower mundialmente dominante. Todas as potencialidades materiais e espirituais da cultura europeia puderam lá revelar-se, sem as peias sociais e políticas que as embargaram no velho continente. O essencial dessa cultura europeia pode simbolicamente figurar-se num corpo que tem em uma mão a Bíblia e na outra uma Espada. No novo continente, tudo começou mal: a espada substituída pela pistola e o genocídio ou o deslocamento forçado dos povos indígenas. Talvez por isso os norte-americanos preferem antes simbolizar-se na figura da Liberdade, de facho irradiando para o mundo. E, de facto, eu creio que nunca nos tempos históricos da velha Europa as pessoas individuais puderam estar tão soltas e tão à vontade como naqueles espaços imensos relativamente pouco habitados e pouco mexidos pelos índios asiatas. E, como não há liberdade sem variedade, basta reparar na coexistência que lá foi (ainda é) possível entre as famílias amish e as famílias mafiosas. Contudo, uma coexistência apartada num apartheid que a grandeza do espaço físico tem, para já, demograficamente permitido.

Um dos luminosos raios dessa Liberdade, que tem deslumbrado a muitos, é a “liberdade” económica. Um símbolo vivo desta está significado na fotografia supra: Las Vegas. E a questão que ela põe às diferentes tradições do socialismo europeu é esta: que outro regime económico teria sido capaz de, no espaço de tão poucas décadas (desde os anos 30), tão rapidamente fazer surgir dum deserto uma cidade próspera, sem desemprego nem pedintes?... – Só conheço no mundo um único caso que se lhe pode (contra)pôr a esse nível: a nosssa cidade de Fátima... (Também desde os anos 30. Com desfavor para a nossa, quanto aos pedintes... As inglesas Xangai e Hong-Kong, estratégicos centros de comércio marítimo, não valem.) Diz-me o caro leitor que Las Vegas está cheia de chulos, mafiosos, drogados, e altas taxas de suicídio? – Pois estará, mas eu falava de economia, produtividade, crescimento económico; daquele “nível de vida” que atraiu à norte-América migrantes pobres de todo o mundo. Estava a citar o símbolo de uma evidência histórica: nos Estados Unidos o chamado liberalismo económico realizou melhor do que qualquer outro regime conhecido aquele ideal de transformar gente muito pobre o mais rapidamente possível em gente muito rica: civilmente rica de pão e circo; politicamente de poder imperial de intervenção “global”. Veremos o que pode fazer ainda a outra mão, a que segura a Bíblia.

A tecnocracia engenheira alimentada pelo capitalismo industrial não pode subsistir sem mexer na Natureza e no homem; sempre, é claro, em nome do “Progresso”. Em algumas das mais ricas e influentes universidades norte-americanas (incluindo esta novíssima e muito selecta) vão ganhando terreno os ideais de human enhancement (a velha eugenia galtoniana disfarçada com outro nome, que os nossos brasileiros já traduzem por “aperfeiçoamento humano”), promovidos pela propaganda tecnólatra do transhumanismo : o “super-soldado”, em desenvolvimento no MIT, é apenas um exemplo menor desse “aperfeiçoamento” humano que os filmes holywoodescos (género Terminator) vão popularizando para ambientar as massas consumidoras ao mundo que os “sábios” e os “chefes dos trabalhos industriais” lhes anda a preparar. (Outro exemplo, com outro público-alvo, é a campanha do ano passado na “prestigiada” revista Nature a favor da liberalização das drogas para aumentar a “perfomance” das funções “cognitivas” da consciência. ) Trata-se, enfim de mobilizar todas as converging technologies (nano-info-neuro-biotecnologias) para promover uma radical mutação da natureza humana e “redesenhar” ou “controlar” a “evolução”. As linhas mestras dessa pretensão convergem para já nisto: o esbatimento das fronteiras entre o humano e o computador; e o esbatimento das fronteiras entre o humano e outros animais. Nesta convergência táctica está incoada a grande divergência social, cultural e civilizacional do futuro: - entre o “sobrehumano” bionicamente integrado; e o velho sapiens, embrutecido, drogado, eutanizado (“ensinado a praticar a morte voluntária”...) e higienicamente cremado. Do lado de fora do paraíso tecnológico ficarão os rebeldes “selvagens” insubmissos, sobre alguns dos quais já andam hoje a experimentar armas ultrassónicas(sonic weapons)...

Com efeito, um “progresso” que se propõe assim reconfigurar completamente a fisiologia, a sociologia e a ecologia da existência humana na Terra, não se faz sem perigos de sobressaltos e desordens. E é aqui que entra a outra palavra de ordem do positivismo tecnocientífico, lançada por Auguste Comte: - a “Ordem”. Foi já em 1969 que o neurofisiologista espanhol José M. R. Delgado, então a trabalhar nos Estados Unidos (com o Office of Naval Research , não com a CIA, como ele faz questão de dizer) lançou o livro programático: Para uma Sociedade Psicocivilizada. Psicocivilizada como ? – Bem, pelos velhos meios psicológicos já preconizados pelo sr. Burrhus Skinner e modernizados por Delgado et alli: radiocontrolo e drogas de recreação e anti-depressão. O feixe destes meios convergindo com o feixe das converging technologies, forma a armação totalitária do novo Fascismo para o condomínio do mundo pelo consórcio de três Impérios, comparativamente ao qual os arcaicos totalitarismos do séc. XX hão-de parecer... “humanos, demasiado humanos”.

É uma das ironias da História que “Ordem” e “Progresso” sejam as palavras impressas na insígnia oficial de um Estado cuja nação é visceralmente anti-positivista. Pois dar-se-á o caso de ser o Brasil lusíada (e restante América latina, com África e Índia) que, de hoje a algum tempo (alguns séculos...) virá a adiantar-se na solução do problema posto em Las Vegas a um mundo parcialmente desertado de humanidade ? Por mim, que não acredito em fatalidade nenhuma, ainda conto com a variedade e vitalidade da intervenção cívica de muitas e muito boas associações da sociedade civil dos grandes Estados Unidos norte-americanos. Mas o que eu sei é que, nas mind wars que cada um de nós terá de se travar no coração de cada qual, serei sempre do lado dos selvagens e pedintes que antes pedem e apostam em Fátima.


[ Não ignoro a bem sucedida luta do FBI contra a influência da Máfia em Las Vegas, grandemente diminuída e que parece hoje residual. Também não ignoro que instituições como o Las Vegas Springs Preserve e o Desert Living Center são hoje modelos e escolas exemplares de ecopreservação para muitas outras cidades nos Estados Unidos. Mas o leitor bem entendeu que não se trata neste postal de assuntos de urbanismo e de sociologia urbana.

Em baixo, uma imagem do “templo” positivista do Rio de Janeiro, o único no mundo construído de acordo com todas as especificações do sumo pontífice Auguste Comte. A semelhança com o estilo Panteão romano e o neoclassicismo doutras edificações politicamente emblemáticas, a oeste e a leste, não é coincidência, mas sinal: - do programa de renascimento do ethos colectivista e esclavagista da velha Polis pré-cristã.

Para além da “Ordem” e do “Progresso”, é legível no frontão a outra palavra-chave, omitida na bandeira do Brasil : não era preciso lembrá-la a brasileiros... ]





1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

" Como chegar a um grande objectivo se não sentimos primeiro em nós a força e a vontade de provocar grandes sofrimentos? Saber sofrer é a coisa mais insignificante: mulheres fracas, escravos mesmo, chegam muitas vezes a ser mestres nessa arte. Mas não perecer de miséria interior, não morrer de incerteza quando se causa um grande sofrimento e dele se ouve subir o grito, eis o que é grande, o que pertence ao domínio da grandeza. "

Nietzsche, A Gaia Ciência, 325.

11:32 da tarde  

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