terça-feira, julho 24, 2007

As mulheres de carrapito



Apesar de todos os partidos anunciarem aos quatro ventos de que a Câmara Municipal estava falida e que estava ingovernável, no dia das eleições, um dia pouco convidativo para ir a banhos, 62,61% dos eleitores de Lisboa estiveram-se a borrifar para o assunto. Não houve, nem poderia haver uma campanha mais “animada” e, no entanto, nem assim os partidos conseguiram evitar a derrocada da democracia formal e representativa. Aparentemente, isto não deveria acontecer. Na verdade, o governo da cidade onde vivemos, responsável pelos problemas quotidianos, deveria mobilizar os eleitores, o que não aconteceu. Pelo contrário, não só 62,61% dos eleitores não compareceram, como também 26,91% dos votantes preferiram não votar em nenhum representante de qualquer partido. Este facto revela, aliás, como é compreensível, não só a derrocada da democracia formal e representativa, mas também o estado decadente dos partidos políticos. Esta decadência foi claramente constatada com a presença, à velha maneira marcelista, de figurantes das Terras de Basto e do Alandroal, no Hotel Altis e, para o cúmulo dos cúmulos, alguns deles, nem sabiam onde estavam, nem para onde vinham, depois de terem passado, segundo se consta, por Fátima e Mafra. Embora o método usado pelo PS se assemelhe ao método do antigamente, na verdade a situação é diferente pelo menos num aspecto a ter em conta, isto é, os apoiantes de Marcelo sabiam para o que vinham. Outro aspecto, neste caso de ordem social, merece alguma relevância. De facto, Marcelo procurou constituir e desenvolver uma classe média, enquanto o governo do PS procura, a todo custo, acabar com a classe média. A abstenção elevadíssima nestas eleições para a Câmara de Lisboa e a ausência de Lisboetas no Hotel Altis, ao contrário daquilo que acontecera em todas outras eleições passadas, deve-se à eliminação progressiva da classe média urbana pelo governo do Partido Socialista. Na falta de uma classe média urbana que foi, aliás, curiosamente, sempre mais propensa a votar no PS, os socialistas resolveram fretar camionetas e ir buscar figurantes às Terras de Basto e ao Alandroal. Assim, lá estavam “as mulheres de carrapito”, senão me engano as mesmas que estiveram no Terreiro do Paço a apoiar Marcelo Caetano. Enfim, são elas que nos governam por interpostas pessoas. Sou da opinião de que, à excepção de curtíssimos períodos de tempo, “as mulheres de carrapito” talvez nunca tenham deixado de governar Portugal.
O PS trocou a sua base social de apoio e, no meu entender, fez má troca, esquecendo-se de que o terreno do cosmopolitismo urbano é mais favorável a uma democracia desenvolvida, enquanto um certo ruralismo que, não cortou definitivamente com a ideologia do estado novo, é, foi, e sempre será, terreno fértil do caciquismo. Assim, não admira que certos padrões de totalitarismo estejam a crescer e a ser institucionalizados. A este propósito, na quinta-feira, no Parlamento, o Senhor Primeiro Ministro recordou que o PC, há alguns anos atrás, defendia a ditadura do proletariado (curiosamente, no período em que PS afirmava ser um partido marxista e defendia as nacionalizações). Coincidência ou não, na quarta-feira, o Senhor van Zeller defendia a revisão da constituição do artigo 53º que proíbe o despedimento sem justa causa por motivos políticos ou ideológicos. Enfim, tive a impressão ao assistir, hoje, ao debate parlamentar que pairava naquela sala o espírito “das mulheres de carrapito”.
Nesse mesmo dia, no parlamento, o BE e o PC fizeram, pela primeira vez oposição ao governo. Ainda há pouco tempo, o PC solicitado a pronunciar-se sobre o caso da DREN, afirmava que não sabia os contornos dos acontecimentos. Curiosamente, no debate parlamentar o mesmo PC, não só conhecia os contornos deste caso, como de muitos outros casos. Enfim, vale mais tarde do que nunca... Receio, apesar de tudo, que seja tarde.

post scriptum: as visitas dos excursionistas das Terras de Basto e do Alandroal, a Fátima, a Mafra e ao hotel Altis representam três ciclos políticos que parecem ter historicamente alguma coisa em comum e que não augura nada de bom para o futuro do ciclo político que começou no dia 15 de Julho.

sexta-feira, julho 20, 2007

Laurie Anderson / Only An Expert / Maybe if I Fall

O mundo necessita mesmo de especialistas...
Laurie Anderson ainda está viva e no seu melhor.

segunda-feira, julho 16, 2007

'Fernando Pessoa: Entre génio e loucura', de Jerónimo Pizarro


Saiu o estudo da colectânea de textos de Fernando Pessoa que recebeu o título Fernando Pessoa: Entre génio e loucura, de Jerónimo Pizarro. O ensaio centra-se num conjunto de textos do espólio pessoano que o próprio Jerónimo Pizarro editou para a colecção da Edição Crítica da obra de Pessoa, coordenada pelo Prof. Ivo Castro e publicada pela Imprensa Nacional / Casa da Moeda. Eis uma breve apresentação do livro:


"Este livro faz companhia a Escritos sobre Génio e Loucura, de 2006 (volume vii da Edição Crítica de Fernando Pessoa).
Desde que começou a manifestar interesse pelas grandes questões do «génio» e da «loucura», Pessoa compreendeu que tanto uma como outra eram também temas literários.
A abundante, mas fragmentária, produção reunida em Escritos mostrou a utilidade de se elaborar um retrato intelectual e artístico de Fernando Pessoa que enquadrasse e desse ordem e significado a essa produção. Se da vida do poeta sabemos pouco – e foi Octavio Paz que disse, a propósito de Pessoa, que os poetas não têm biografia –, da sua obra sabemos cada vez mais, e esse saber serve para complementar a biografia.
O presente estudo está concebido como uma biografia intelectual, alimentada por transcrições dos papéis deixados pelo autor na sua célebre arca e também por anotações marginais que deixou nos livros que consultou sobre génio e sobre loucura."



sábado, julho 14, 2007

The Matrix as directed by Kusturica

Ai, se o Kusturica tem realizado o Matrix, outro galo cinematográfico hoje cantaria.

quinta-feira, julho 12, 2007

Foice em seara alheia

Ando, neste momento, a ler a tradução brasileira da Cartuxa de Parma do famoso Estendal. Nada de mais dirá o leitor! É verdade, com as mãos no coração confesso que tal facto não seria surpreendente e, por esse motivo, não havia razão de entediar os meus oito leitores com literatura transpirenaica.
Porém, digo à puridade que a questão não está propriamente na obra de Henri Beyle, conquanto a ache consideravelmente inferior ao Vermelho e Negro, mas na introdução e profusas notas que acompanham a edição da autoria de Henri Martineau. Eu sei que esta não é a minha área e existe nesta barrica gente mais qualificada que eu para sustentar as críticas (se elas eventualmente tiverem provimento), não é verdade, Alexandre?
Talvez, por outro lado, seja uma atenuante o comentário ser dos anos 50 (a edição brasileira é de 1961). Contudo, a despeito de tudo, informarem-nos que a rua Angulini se chama agora Garibaldi (nem todos os nomes citados correspondem fielmente à obra), que o palácio Finazzi não é em Parma mas em Bolonha, que o trajecto descrito não poderia ser feito no tempo referido, que a descrição dos edifícios, ruas e monumentos corresponde fielmente à realidade, que de Parma a Sacca, ou de Lecce a Como pois tem de se ir pelo lago à volta, é impossível ir de cavalo em menos de 15 minutos (nem com o Pégaso?), que a condessa Pietranera é o retrato fiel duma obscura amante italiana de Beyle e outras merdices do género, obliterando a chauvinice típica dos franceses que a obra aborda e as notas reforçam de modo enfadonho, parecem-me ser coisa de “lana caprina”.
De facto, que interesse tem o facto de Camilo, num pequeno conto, que não me ocorre o título neste momento, tenha chamado António, Joaquim e Pedro ao mesmo personagem em questão de uma dúzia de páginas, ou ao facto de Dostoievsky, no seu romance O Adolescente, cujas duas partes escreveu com anos de intervalo, chamar a uma das personagens principais, na primeira parte Mascha e na segunda Sveta (Mariazinha e Luz em vernáculo), qualquer desses factos diminui o valor da obra de arte?
Porém, oiço já a objecção típica: então, porque as lês? Por duas razões, sendo estas numa média de 2 por página, espero sempre que alguma me venha a esclarecer coisas importantes do romance (estatística: 5% cumprem este objectivo) e, segundo motivo, porque sendo notas de rodapé dificilmente se podem ignorar, se as notas se encontrassem no final do romance teria eu poupado forças a escrever isto e o leitor teria economizado tempo a lê-lo.

sábado, julho 07, 2007

Portugal amordaçado


"Há pessoas que têm opinião diferente da minha e, felizmente, vivemos em democracia e num país onde cada um pode dizer o que quer... Nos locais apropriados, nos locais apropriados - não tenhamos vergonha de dizer isto. Eu sou secretária de Estado Adjunta e da Saúde e não posso estar aqui a dizer mal do Governo. Aqui! Mas se estiver em minha casa - garanto que não acontece... - se estiver na minha casa, na casa... nas nossas casas, na esquina do café e com os nossos amigos podemos dizer aquilo que queremos."

A Liberdade de expressão reduzida "aos locais apropriados, à minha casa", é um insulto à democracia e à liberdade.

quarta-feira, julho 04, 2007

'Luz misteriosa. A consciência no mundo físico', de Manuel Curado



A Quasi publicou recentemente Luz misteriosa. A consciência no mundo físico, de Manuel Curado, Professor da Universidade do Minho. Manuel Curado é autor dos livros O Mito da Tradução Automática (2000) e O Problema Duro da Consciência (2003) e organizador de Consciência e Cognição (2004) e Mente, Self e Consciência (2007). É ainda director da revista Jornal de Ciências Cognitivas.


Transcrevo aqui uma apresentação de Luz misteriosa: "Um dos problemas mais extraordinários da ciência contemporânea procura descobrir por que razão sentimos o que sentimos. Se somos apenas átomos e campos de forças, como é que seres que são desse modo podem sentir qualquer coisa? Afinal, os nossos automóveis, frigoríficos e computadores não sentem o que quer que seja. Por que razão nós sentimos? O presente livro ocupa-se daquele que é conhecido como o Problema Difícil da Consciência. Por que razão existe consciência no mundo físico quando é pensável a sua não existência? Este livro defende que podemos resolver o problema mais difícil de todos. Como? Apesar de sabermos muito pouco sobre o que faz a consciência num mundo em evolução, os seres humanos sabem como transformar a consciência. Esta capacidade é o primeiro episódio da longa série que culminará na substituição da consciência natural por consciências melhoradas e técnicas."


Numa apreciação crítica da obra, Luís Moniz Pereira, Professor Catedrático de Inteligência Artificial, afirma: "Neste meritório livro, o autor apresenta um estudo, academicamente profundo e bem informado, sobre o conhecido "problema duro da consciência", que enuncia, e bem, assim: 'Por que razão existe consciência no mundo físico quando é pensável a sua não existência? Por que razão a consciência é como é quando poderia ser de muitos outros modos ou, mesmo, não existir de todo?', e mostra-nos exaustivamente, segundo as várias formas de o encarar, que tal problema duro ou não existe ou está resolvido. E nisso tem a minha plena concordância: não é cientificamente pensável a não existência de consciência no animal humano ou equivalente, nem é cientificamente pensável que ela pudesse existir de um modo arbitrariamente muito diferente. A consciência e o livre arbítrio são, argumentativamente, conquistas instrumentais da nossa evolução Darwiniana, absolutamente necessárias a ela. Por outro lado, a consciência subjectiva não tem solução satisfatória completa na Psicologia, na Filosofia ou nas Ciências Naturais, por si sós, mas apenas com a ajuda do "como?" e do "para quê?" da perspectiva da Engenharia, onde compreender é construir. E neste caso, para iluminar o fenómeno da consciência em geral, e a própria procura da nossa mente neuronal conjunta e distribuída, precisamos da inspiração criadora duma Inteligência Artificial evolutiva. O presente livro é uma preciosa ajuda à missão exploratória da fronteira do conhecimento da luz interior, que é afinal tão indispensável às restantes."