As mulheres de carrapito
Apesar de todos os partidos anunciarem aos quatro ventos de que a Câmara Municipal estava falida e que estava ingovernável, no dia das eleições, um dia pouco convidativo para ir a banhos, 62,61% dos eleitores de Lisboa estiveram-se a borrifar para o assunto. Não houve, nem poderia haver uma campanha mais “animada” e, no entanto, nem assim os partidos conseguiram evitar a derrocada da democracia formal e representativa. Aparentemente, isto não deveria acontecer. Na verdade, o governo da cidade onde vivemos, responsável pelos problemas quotidianos, deveria mobilizar os eleitores, o que não aconteceu. Pelo contrário, não só 62,61% dos eleitores não compareceram, como também 26,91% dos votantes preferiram não votar em nenhum representante de qualquer partido. Este facto revela, aliás, como é compreensível, não só a derrocada da democracia formal e representativa, mas também o estado decadente dos partidos políticos. Esta decadência foi claramente constatada com a presença, à velha maneira marcelista, de figurantes das Terras de Basto e do Alandroal, no Hotel Altis e, para o cúmulo dos cúmulos, alguns deles, nem sabiam onde estavam, nem para onde vinham, depois de terem passado, segundo se consta, por Fátima e Mafra. Embora o método usado pelo PS se assemelhe ao método do antigamente, na verdade a situação é diferente pelo menos num aspecto a ter em conta, isto é, os apoiantes de Marcelo sabiam para o que vinham. Outro aspecto, neste caso de ordem social, merece alguma relevância. De facto, Marcelo procurou constituir e desenvolver uma classe média, enquanto o governo do PS procura, a todo custo, acabar com a classe média. A abstenção elevadíssima nestas eleições para a Câmara de Lisboa e a ausência de Lisboetas no Hotel Altis, ao contrário daquilo que acontecera em todas outras eleições passadas, deve-se à eliminação progressiva da classe média urbana pelo governo do Partido Socialista. Na falta de uma classe média urbana que foi, aliás, curiosamente, sempre mais propensa a votar no PS, os socialistas resolveram fretar camionetas e ir buscar figurantes às Terras de Basto e ao Alandroal. Assim, lá estavam “as mulheres de carrapito”, senão me engano as mesmas que estiveram no Terreiro do Paço a apoiar Marcelo Caetano. Enfim, são elas que nos governam por interpostas pessoas. Sou da opinião de que, à excepção de curtíssimos períodos de tempo, “as mulheres de carrapito” talvez nunca tenham deixado de governar Portugal.
O PS trocou a sua base social de apoio e, no meu entender, fez má troca, esquecendo-se de que o terreno do cosmopolitismo urbano é mais favorável a uma democracia desenvolvida, enquanto um certo ruralismo que, não cortou definitivamente com a ideologia do estado novo, é, foi, e sempre será, terreno fértil do caciquismo. Assim, não admira que certos padrões de totalitarismo estejam a crescer e a ser institucionalizados. A este propósito, na quinta-feira, no Parlamento, o Senhor Primeiro Ministro recordou que o PC, há alguns anos atrás, defendia a ditadura do proletariado (curiosamente, no período em que PS afirmava ser um partido marxista e defendia as nacionalizações). Coincidência ou não, na quarta-feira, o Senhor van Zeller defendia a revisão da constituição do artigo 53º que proíbe o despedimento sem justa causa por motivos políticos ou ideológicos. Enfim, tive a impressão ao assistir, hoje, ao debate parlamentar que pairava naquela sala o espírito “das mulheres de carrapito”.
Nesse mesmo dia, no parlamento, o BE e o PC fizeram, pela primeira vez oposição ao governo. Ainda há pouco tempo, o PC solicitado a pronunciar-se sobre o caso da DREN, afirmava que não sabia os contornos dos acontecimentos. Curiosamente, no debate parlamentar o mesmo PC, não só conhecia os contornos deste caso, como de muitos outros casos. Enfim, vale mais tarde do que nunca... Receio, apesar de tudo, que seja tarde.
post scriptum: as visitas dos excursionistas das Terras de Basto e do Alandroal, a Fátima, a Mafra e ao hotel Altis representam três ciclos políticos que parecem ter historicamente alguma coisa em comum e que não augura nada de bom para o futuro do ciclo político que começou no dia 15 de Julho.