quinta-feira, novembro 26, 2009

DA MATRICIAL ORIGEM DO PODER: UM ARGUMENTO FEMINISTA


« Faça um sistema social o que fizer, tem de ter um qualquer meio de garantir a segurança do relacionamento entre mãe e filho, pelo menos até ao ponto em que a criança adquire mobilidade independente e seja capaz de sobreviver com uma probabilidade razoável de chegar à idade adulta. »

Isto era o que os antropólogos Lionel Tiger e Robin Fox escreviam em 1971, e o senso comum aprova. Já em 1949 a antropóloga Margaret Mead dizia, por seu lado: « A dada altura no dealbar da história humana, surgiu uma qualquer invenção social segundo a qual os machos começaram a cuidar das fêmeas e das suas crias. » A “invenção” (imagino eu) deve ter-se robustecido com a fixação duma notável “descoberta”: a de um nexo estável de causalidade entre a relação sexual e seus efeitos na gravidez e no aparecimento de uma criança com traços semelhantes aos do seu único progenitor masculino. Eva deixava de ser admirada apenas como a “Mãe dos Vivos”, para passar a ser também a mãe dos filhos de um determinado homem. (Cf. na “Eva” bíblica o reconhecimento exarado no cap. 4, 1 do livro do Genesis, talvez a memória de antiquíssima tradição cultural advinda do “dealbar da história”.) E eis o que o “sistema social” tem em toda a parte: um conjunto de normas que regulam e reforçam as relações de parentesco, tal que os pais biológicos ou os irmãos da mãe “garantam a segurança do relacionamento entre mãe e filho”. É a institucionalização da “família”, nas múltiplas figuras sociais desta, das quais a família nuclear é (como já Claude Lévy-Strauss reconheceu) a mais comum na humanidade.

Mas eu tenderia a inverter os termos: falaria antes na necessidade social ( e natural-biológica) de garantir a segurança do relacionamento entre filho e mãe. Assim, o controlo e pressão sociais exercer-se-iam no sentido de levar a mulher (no interesse do grupo) a aceitar o que um mero “instinto maternal” seria por si insuficiente para garantir : a aceitação dos desconfortos e riscos da gravidez, e o nascimento de um filho não desejado. A história que citarei a seguir pode ser uma boa ilustração de como, mesmo em grupos pequenos, com robusta tradição cultural e controlo social apertado nesse sentido, - os reforços sociais se confrontam com um poder originariamente irredutível e soberano.

Uma jovem aldeã vivia sozinha e solteira em sua casa. Certa ocasião, em Novembro, pelo S. Martinho, era altura de ir à adega e provar o vinho, como manda o rifão. Já bem servida de castanhas e não menos de jeropiga, mandou-lhe a bem disposta natureza ir de companhia com o conterrâneo Armindo a um palheiro isolado, a provar de outra coisa. Arrependeu-se logo do mau passo, mesmo antes de se conhecer grávida. Mas nada disse, nem ao Armindo nem a ninguém. « Calada como um testamento, aguardou que o rapaz viesse falar-lhe a sério. Lá com palavrinhas de amor, não! Batesse a outra porta. E queria os banhos na igreja e o casamento em Janeiro. Sem lhe dizer, é claro, que ficara naquele estado... mas o cão só pensava na carniça. Quando voltou, trazia apenas o vício assanhado. E mostrou-lhe o caminho: - Para isso, vai às da Vila... » A proposta não agradou ao rapaz, que « fazia-se desentendido. Lá casamento, isso não era com ele. Tinha mãe, tinha as sortes, tinha a vida encalacrada »... e não se entenderam. Eis o Contrato, eis o Pacto, neste caso não contraído; noutros casos, assente pelas respectivas famílias desde a infância dos directamente interessados, como ainda hoje se dá no mundo. ( E depois de Abril de 74, em Portugal, ainda tive conhecimento de um caso destes, fora da etnia cigana!) Um pacto muitas vezes consumado pela força do rapto ou da violação, nas conveniências de consegir a satisfação de um desejo ou de uma vantagem. Na lenda romana do “Rapto das Sabinas” podemos ler um caso exemplar de como a pura força da violência pode estar nas origens da constituição existencial dum Estado político, e de como este remonta sempre originariamente às tensões da relação social básica entre homem e mulher. Mas, nesta relação necessária, falta-nos ainda a parte de maior razão suficiente - que é o domínio dos pais sobre os filhos. E cabe adrede lembrar o facto elementar à maioria dos senhores filósofos, que sempre o esquecem (vimo-lo na semana passada, com Hume) ou menosprezam: não nascemos homens e mulheres feitos, mas sempre crianças carentes e inscientes, de todo submetidas a um poder humano que é o maior pensável que pode ser exercido sobre outro humano, qual é esse tal a que o recém-nascido (ou um adulto em coma) está sujeito. Voltemos ao conto da jovem aldeã.

Teve ela artes de ocultar a gravidez aos olhos do povo. Certo dia de Agosto, « começara a sentir as dores de madrugada, vagas, distantes, quase gostosas. E, a esse primeiro aviso, resolvera partir. » Saiu de casa, caminho do alto da serra e duma aldeia do lado de lá, ao encontro duma amiga, a única pessoa que meteria no segredo « porque de todo não poderia governar-se sozinha em semelhante aflição. Em casa dela teria o filho. E depois... Depois... » Mas sucedeu que a hora lhe chegou no alto da serra, cuja encosta íngreme e suada num calor de cozer as pedras foi o calvário final dum calvário de nove meses. Aí, em meio dum total isolamento e duma natureza hostil, deu à luz um nado morto. Sepultou o seu segredo, e regressou à aldeia. O contador não nos diz o que aconteceria depois daquelas reticências que apôs a “depois”, se o filho lhe nascesse vivo em casa da amiga; mas a lógica do conto, o feitio da personagem e alguns discretos sinais, como a palavra “matar” (a sede), na penúltima linha, sugerem ao leitor o pior. O assunto do conto não é inédito, e o pior aconteceu e acontece muitas vezes, antes ou depois do parto. (E leio isto num jornal diário de 14 de Novembro de 2008: “ Os casos recentes de mulheres que mataram os filhos à nascença têm resultado sempre em penas suspensas. Em nenhuma situação o juiz aplicou uma pena efectiva às mães que cometeram tal acto. Tem sido entendido que uma mãe, estando no período pós-parto, tem a sua capacidade de discernimento diminuída”...)

A lição da história para o nosso assunto é simples, terrivelmente simples. O leitor lembrará que nalguns lugares da Antiguidade grega e latina era prática social aceita apresentarem-se os filhos recém-nascidos ao pai, que decidia sobre a continuação da vida deles. Mas, digo eu, anterior ao patriarcado social e político, à margem dele, depois dele, em todos os tempos e lugares, ontem como hoje, - sobrepõe-se a tudo o poder da mulher, que consegue dissimular a gravidez, auto-induzir-se o aborto, esconder ou confiar a outrem o filho que quer sobrevivente, ou matá-lo. ( Aliás, numa visão prospectiva, a superioridade do poder matriarcal sobre as contingências sociais do poder masculino, assume nos nossos dias de ensaio dos primeiros transplantes de úteros, com a tecnologia disponível, este cenário possível e não de todo implausível : pela clonagem reprodutiva as mulheres – e só as mulheres – podem ser... a raça única herdeira da Terra! ) Em suma, e com sumária simplicidade: o poder político é, radicalmente, o poder parental, e é um poder de vida e de morte. Mas, quanto ao poder parental , a senhoria originária da mulher parece que é parte superior à do homem. Este filho da mulher presume de facilmente emancipado de quem o pariu, mas que retoma a senhoria dele na doença e na velhice (é delas a administração e o trabalho nos “lares” para velhos) e, até, quando lhe dava às vezes uma morte “misericordiosa” (a das “abafadeiras”, como eram chamadas na tradição popular portuguesa). Entretanto, hipnotizado pelas miragens da estatura e da força físicas, o homem presume-se dominador da mulher ( mesmo do mundo!) e actor principal daqueles exibicionais torneios de poderio macaco a que chamam “política”... Já agora, vem a molde observar que parece estar aqui mesmo, na vácua vaidade de tais presunções, a raiz dos patentes embaraços que tiveram os poderes públicos (masculinos) em lidar com a questão do aborto, quando certas ideologias os obrigaram a confrontar a sério a questão. Quanto às mulheres mais e"emancipadas" das pressões sociais e controlos morais próprios do patriarcado político, essas não tiveram pejos de gritar publicamente o "direito" ao exercício da sua natural soberania num domínio exclusivo seu.

Eis o “argumento” feminista, que poderíamos designar bem como um argumento... filho da mãe, lembrando que até a biologia nos mostra a sobreminência da mulher: de facto, pelos cromossomas mitocondriais da célula ovular fecundada, herdamos mais genes da nossa mãe, somos todos mais filhos da mãe que do pai... E a tal ponto pode ir a origem natural do poder político, enquanto poder social radicado na casa familiar de que a mulher é “dona”.

O contra-argumento também não é argumento nenhum. Se o leitor é daqueles que afinam pelo decantada toada da “igualdade de género”, então deveria levar à paciência a minha reivindicação dum igual postal inteiro dedicado a um argumento a favor da... emancipação masculina. Mas quem na já distante juventude deu bons ouvidos a contos como “A Nova e a Velha” e “Do Filho do Matrimónio”, da primeira parte do Zaratustra, não tem voz para tais cantigas. Por seu lado, estes 25 a 27 aqui do velho Demócrito (que Sócrates e o nosso Diógenes não duvidariam acompanhar em coro) são relíquias de uma velha política, extinta nesta parte do mundo em que escrevo (e em vias de extinção no restante). Se se quiser, concedo que entre as premissas do argumento teria de contar com a vantagem de o homem estar menos fundamente plantado neste mundo que a outra cara-metade do humano; e que o símbolo natural da maior estatura e força físicas deve ser superiormente aplicado à primaz iniciativa do homem na reorientação da transida e transeunte condição de ambos neste mundo. Mas a conclusão do argumento e da moral da história teria de contar sempre com homens e mulheres ambos emancipados das teias naturalistas da “carniça” e do “vício assanhado”, como das aranhas psicológicas que vão entretecendo de geração em geração “guerras dos sexos” e outras; ambos conjugados e aplicados a coisas de mais consequência para a condição humana (e do mundo) do que as servidões da reprodução biológica e cultural. (Utopia nenhuma, caro leitor: tais homens e mulheres estão há muito entre nós!) Para o efeito, os esquemas da velha política de aldeia dos macacos são totalmente incompetentes e desastrados, e tanto mais desastradas quanto recicladas com habilidades engenheiras de “redesenhamento genético”... Veja o leitor onde põe os seus talentos e apostas e, sabendo que o jogo é de vida ou morte, julgo que verá aqui melhor em Baldung (do que em Nietzsche) de que lado é que está uma e onde estará a outra.


[ Os antropólogos Tiger, Fox e Mead são citados no cap. 5, “O Papel Especial da Mulheres”, da obra A Grande Ruptura, de Francis Fukuyama, na tradução portuguesa (2000) de Mário Dias Correia. Mas fique sabendo o leitor curioso que tal “papel especial” não tem nada a ver directamente com o assunto deste postal. Utilizei também extractos do conto “Madalena”, dos Bichos (1949), de Miguel Torga. ]

quinta-feira, novembro 19, 2009

CONTRATUALISMO POLÍTICO: UMA POSIÇÃO ORIGINÁRIA


« Se tivermos em conta que todos os homens são aproximadamente iguais em força física, e mesmo em poder e capacidade mental, antes de cultivados pela educação, teremos necessariamente de admitir que só o consentimento de cada um poderia, ao princípio, levá-los a associarem-se a qualquer autoridade. O povo, se remontarmos à primitiva origem do governo nas florestas e nos desertos, é a fonte de qualquer poder e jurisdição; voluntariamente, para bem da paz e da ordem, os homens renunciaram à sua liberdade natural e acataram leis ditadas pelos seus iguais e companheiros. As condições sob as quais se dispuseram à submissão, ou foram expressas, ou eram tão claras e óbvias que se poderia perfeitamente considerar inútil exprimi-las. Ora, se é isto que se entende por contrato original, é inegável que todo o governo assenta, de início, num contrato, e que as mais antigas e toscas associações humanas se constituíram essencialmente em virtude desse princípio. »

Tal é em simples e sumária versão a teoria contratualista exposta por David Hume nos seus Ensaios Morais, Políticos e Literários (1748), que o leitor já tem hoje disponível em tradução portuguesa de João Paulo Monteiro, Sara Albieri e Pedro Galvão. Mesmo este filósofo tão criticamente alerta e inclinado ao cepticismo não escapou ao grande mitema que repassou boa parte do pensamento político do século XVIII, para se prolongar ainda nos romantismos políticos do XIX, quer o passadista e reacionário à Revolução francesa, quer o revolucionário e progressista. Mas David Hume não o acolhe sem reservas: se aceita como bom e “real” um pacto original, deixa-o na noite dos tempos e das “mais antigas e toscas associações humanas” nos desertos e florestas; pelo contrário, relativamente ao poder político nas sociedades e governos actualmente existentes, não vê nas suas origens mais do que “usurpação ou conquista”.

De um ponto de vista estritamente político, e sem as tintas ambientalistas de um “estado natural”, sabe-se que as teorias contratualistas modernas têm origem nos desenvolvimentos do pensamento aristotélico-tomista levados a cabo por grandes mestres jesuítas como Francisco Suarez (e os Conimbricenses da nossa Universidade de Coimbra, onde ele ensinou). – O princípio de todo o poder político ordenador dos Estados para a justiça e bem comum do povo está em Deus, e o soberano temporal é investido desse poder pela comunidade civil, que pactua sujeitar-se ao poder do soberano enquanto esse poder é exercido segundo a justiça e para o bem comum de todos. De aqui a justificação da revolta e do tiranicídio ( já encarados por S. Tomás de Aquino), se o soberano traísse o Pacto sancionado por Deus e pela “lei natural”, e pervertesse esse poder divinamente ordenado à satisfação da justiça e do bem comum. Sabe-se também como os teóricos do “regalismo” e do “poder absoluto” dos reis vieram a contestar esta doutrina ( o poder político vem directa e imediatamente de Deus para o Príncipe, que o detém livre e solto, absolutus, de qualquer Pacto pelo qual fosse apenas mediata e condiconalmente investido); e está precisamente aqui um dos motivos das acusações do nosso ditador Pombal aos jesuítas, como “sediciosos” e minazes da “real majestade” dos soberanos.

Face à posição naturalista, que tenho apontado nos últimos postais (e que retocarei no próximo), a resposta contratualista ao problema da justificação do Estado é descabida e impertinente. Com efeito, parece óbvio que, se a relação política é sempre uma parte constitutiva intrínseca do sistema das relações sociais, como os pulmões ou os rins são partes intrínsecas dum corpo animal, - então jamais houve corpo social algum sem órgãos de algum sistema político. E não só nunca houve estado social sem ser ipso facto estado político, como seria da maior impropriedade chamar de “natural” a esse fictício estado pré-político.

Compreende-se que a concepção naturalista possa seduzir a razão: é simples, clara, consistente com tudo o que podemos observar com os olhos do etologista e naturalista biólogo ou dum primário senso comum. Mas a razão do filósofo será (presumo) mais exigente e prudente, a começar na tentação de cominar “sem sentido” o que foi dito “descabido” ou “impertinente”. – Há que dar razão de pelo menos duas coisas: primeiro, do porquê de ter sido imaginado e pensado esse ficto “estado natural” instituinte dum “direito natural” pré-político ( ou supra-político); depois, se, como vimos, todos os regimes políticos não seriam mais que relativas e contingentes formas de cada sociedade, a cada momento, se ajustar o melhor que pode às condições do meio social e natural, - temos de explicar por que é que há uma tradição persistente de pensamento acerca de um “melhor” ou de um “ideal” regime político.

Quanto ao como é que ele pôde ser imaginado, convêm os historiadores da cultura numa influência certa, nos sécs. XVI a XVIII, das viagens de expansão e exploração ultramarinas das potências europeias. Uma peculiar influência notável já na maneira como o nosso Pero Vaz de Caminha e os nautas seus companheiros olham para os índios brasileiros na primeira comunicação que com eles tiveram, patente na célebre carta do “achamento”, de 1500 (« Assim, Senhor, que a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria mais.... »). Era a imaginal influência do poderoso mitema do Paraíso terrestre. O que Pero Vaz não saberia, mas sabemos nós hoje, é que por seu lado os índios tupis e guaranis também alimentavam a recordação de uma Terra Sem Males (Yvy Marã Ei) e parece que, de facto, o mitema paradisíaco está tão universalmente espalhado quanto é também universal a experiência do sagrado e a instituição religiosa. Uma influência patente num dos eminentes jusnaturalistas de seiscentos – Samuel Pufendorf – e que se reflecte ainda em setecentos nas Lettres Persannes de Montesquieu e no état de nature de Rousseau.

Outras influências houve, por certo, e até de signo inteiramente contrário (Hobbes). Mas a que releva aqui dá razão suficiente para compreendermos o porquê dessa suposta ficção e a radicada permanência dum topos fundamental das teorias contratualistas da modernidade, até à tão influente Uma Teoria da Justiça, de John Rawls, no séc. XX. ( A original position e o veil of ignorance originário, nesta obra do filósofo norte-americano, revelam ainda a atractora permanência desse topos mitemático que, apesar de todas as projecções e perversões a que tem sido exposto no plano da nossa mortal existência espacio-temporal, sempre resiste à erradicação, como se fora inextirpável. Ainda Alex Hughes e Clinton Anchors, de 16 e 18 anos de idade, dois dos cerca de um milhão de púberes e adolescentes que fugiram – ou foram postos fora – das suas casas e vivem hoje solitários ou em bandos por todos os Estados Unidos, da mendicidade, das drogas e da prostituição, - que nome é que esses dois jovens se lembraram de pôr à cova onde pernoitam, a deslado dos rugidores camiões porta-contentores que lhes passam na interestadual, por cima das cabeças ? Como irónico e amargo endereço aos que ainda não há muitos anos viam o seu país como um vivo e potente farol da “liberdade” e do “progresso” para o mundo, e que nos anos 70 tinha aclamados scholars em Harvard a congeminarem sofisticadas “teorias da justiça”... Pois o nome que lhes ocorreu darem ao seu couto nocturno foi este: Paradise... E aqui os temos, nas florestas e nos desertos de asfalto, hoje como na noite dos tempos, os bandos de célibes e marginais que tanto ameaçaram como reforçaram os primeiros estados políticos, que foram as casas de família!... )

Explicado o que uma teoria naturalista, na versão esquematizada e actualizada que vimos no postal anterior, não parece ter recursos de razão suficiente para explicar, é altura de a confrontarmos com outra questão. – Se o topos de um “estado natural” pré-político, paradisíaco ou não, nunca existiu, e o sobreveniente pacto contratualista é dispensável, que função teriam estas ficções? - Neste ponto o naturalismo exibe uma apreciável capacidade acomodadora e explicativa, na condição de nos confinarmos ao jeito utilitarista da questão posta. É de lembrar que o cerne da teoria é o conceito de selecção natural. E a resposta segue, coerente: tais ficções têm a função útil de, num certo estádio da evolução histórica das sociedades humanas, fornecerem como que a superestrutura ideológica das crenças, atitudes e valores necessários ao ajustamento adaptativo dos grupos humanos às condições do ambiente social e natural. Isto é, coisas como Contrato entre sujeitos iguais e racionais; Estado de Direito; garantia de Direitos Humanos “naturais”; Democracia; Nações Unidas, etc., vieram a impor-se na modernidade porque eram agora ferramentas ideológicas úteis para adaptação e sobrevivência de certos grupos – e talvez até da inteira espécie humana – nas actuais condições da relação entre as sociedades e com a Natureza. E nada há a opor a que estas condições evoluam mesmo no futuro para que o Contrato e os Direitos Humanos envolvam todos os povos da Terra numa kantiana “Paz Perpétua” entre as nações, que é a mais razoável (racionalista) aproximação concebível ao mítico estado natural paradisíaco.

Mas suponha agora o leitor que as “ferramentas ideológicas” da modernidade e triunfantes do séc. XX tinham sido precisamente as contraditórias e antagónicas das citadas. Acontece que a teoria naturalista acomodar-se-ia igualmente bem, na mesma: não esqueçamos que, em cada momento histórico, é naturalmente seleccionado o regime social e político que serve melhor à adaptação e sobrevivência do grupo, e rejeitado o que não serve. Ora, uma teoria que acomoda tudo, tanto A como não-A, não explica nada; e é de todo incapaz de justificar por que é que seria, e seria sempre, moralmente preferível (seleccionável) um regime protector dos Direitos Humanos a um contrário e violador deles. Pela simples razão de que o naturalismo sociobiológico é eticamente indiferente, e logicamente falacioso: o que se impôs e sobreviveu é “o melhor” porque... é sobrevivente!




segunda-feira, novembro 16, 2009

O DIÁRIO DE NOAGA



16 de Novembro

«Terminou a colheita do milho miúdo. É a festa da nossa aldeia! »

terça-feira, novembro 10, 2009

A JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO


« Pensa por momentos na tua própria sujeição política. Estás continuamente a ser sujeito a regras de que não és o autor - designadas por “leis” -, que te governam não apenas a ti, mas aos outros, que impõem, por exemplo, a velocidade a que deves andar na auto-estrada, o comportamento que deves ter em público, que tipo de acções para com os outros são permissíveis, que objectos contam como “teus” ou “deles”, e assim sucessivamente. Estas regras são impostas por determinadas pessoas que seguem as directivas daqueles que as criaram, definindo também punições para o caso de não serem cumpridas. Sabes ainda que se não obedeceres a estas regras, é bastante provável que sofras consequências indesejáveis, que podem ir de pequenas multas à prisão até (em certas sociedades) à morte.
« A percepção aparente que tens quando és governado é a de que não és subjugado nem coagido. Se não aprovamos que um homem aponte uma arma à tua cabeça e que exija que lhe dês o teu dinheiro, então porque havemos de aprovar que qualquer grupo ameace recorrer a multas, ou à prisão ou à pena de morte para que te comportes de uma certa forma, ou para que lhe dês o teu dinheito (que eles chama de “impostos”) ou para que lutes em guerras que eles provocaram? Será esta sujeição realmente permissível de um ponto de vita moral, especialmente porque os seres humanos precisam de liberdade para progredirem?
« Para responder a esta questão, é necessário pensar sobre a diferença daquilo que intuitivamente nos aparece como formas “boas” ou “más” de controlo. O controlo de um pai sobre o seu filho de dois anos é normalmente visto não só como permissível mas moralmente necessário. O controlo exercido por um homem armado sobre a vítima que raptou é normalmente visto como altamente censurável. Este tipo de controlo é considerado como moralmente injustificado – representa a violação dos “direitos” da pessoa coagida. Aquele é visto como moralmente justificado porque não é apenas consistente com os direitos da criança como até os torna possíveis. Mas o que distingue então formas correctas e incorrectas de controlo sobre os seres humanos? E se o controlo político é fundamentalmente diferente do controlo parental porque é que deve contar como um exemplo de “bom” controlo em vez de “mau” controlo? »

Neste trecho do livro Political Philosophy da filósofa norte-americana Jean Hampton temos vivamente enunciado o conhecido “problema da justificação do Estado”. Grande problema! De tanto vulto que, se o leitor deitar mão duma acessível Introdução à Filosofia Política, qual a de Johnathan Wolff, lá o verá enunciado logo na abertura do livro, e lá verá o autor, novente e sete páginas depois, ainda às voltas com a resolução dele. Mas...

... Se o leitor paciente leu quanto ficou nos postais anteriores a pretexto do naturalismo político aristotélico, já vê que o grande problema – não é problema nenhum! E lembrará que ficou patente um ponto de vista incompatível com a condição posta na última pergunta do texto de Hampton: nada de essencial diferencia o poder natural dos pais sobre os filhos, do poder “político” dos governantes sobre os governados. Eis uma coisa que deveria ser ainda mais evidente pela simples consideração histórica dos Estados modernos em que o poder “político”, mesmo nos mais respeitadores das “liberdades” e mais adversos ao totalitarismo, veio sempre mais e mais a chamar a si o controlo de todos os sectores da vida social, desde a economia (etimologicamente, não esqueçamos: o governo da casa/do lar), a educação, a saúde, etc.. O Estado tem-se feito tão providente e previdente quanto seria de esperar fossem os pais para os filhos. Como também vimos, não sairia muito do naturalismo aristotélico, que fala doutros animais “políticos”, quem sustentasse que, estando o essencial do fenómeno político nas relações de dominância-sujeição intra e inter grupos (independentemente do seu tamanho e da maior ou menor complexidade das relações sociais), - não haveria a este respeito nenhuma solução de continuidade nem diferença essencial nenhuma na evolução das sociedades humanas a partir das de outros primatas. Por isso, (1) em nenhum momento da história das sociedades humanas tal relação de dominância-submissão poderia não ter existido. E já agora, ampliando e actualizando a proposta naturalista, e em consideração da multiplicidade dos regimes (políticos) que tal relação tem assumido nos diferentes tempos e lugares da história social (e política) teríamos: (2) em cada sociedade, em cada momento histórico, é naturalmente seleccionado o regime que serve melhor à adaptação e sobrevivência do grupo, e rejeitado o que não serve. Adaptação às novas condições da vida social, que a mera renovação natural das gerações não deixa de produzir com o tempo, e às condições do meio ambiente físico do território ocupado ou a ocupar.

Isto posto, é fácil ver que teríamos respondidas ou abolidas as outras questões da filósofa americana: as formas “correctas” e o “bom controlo” são, a cada momento, as que têm uma função útil adaptativa; o contrário, para as “incorrectas”. Mais ainda. Se levarmos a sério a aplicação aqui duma selecção natural, poder-se-ia até pensar num mecanismo de auto-regulação homeostática que, a cada momento (momentos que, à escala da vida das sociedades, podem significar décadas ou séculos), vai automaticamente gerindo e ajustando atitudes e comportamentos dos indivíduos no interesse do grupo a que pertencem e que seria, em última instância o da inteira espécie humana. Então e o “ponto de vista moral”, de que fala o texto? Fácil: ou seria, como qualquer outro instrumento da “cultura”, uma ferramenta ideológica de reforço, no interesse biológico da espécie; ou seria uma impertinência sem sentido.

Permita-me o leitor eu insista numa concepção, qual esta naturalista, que , vista assim por alto e largo, tem apreciáveis motivos de simplicidade, clareza, coerência e é consistente com tudo o que podemos observar com os olhos dum etologista biólogo ou dum primário senso comum. Repare-se como ela acomoda bem aquela notável frase do texto de Hampton – “ A percepção aparente que tens quando és governado é a de que não és subjugado ”. Se o poder parental é o foro natural/social originário do processo de instituição do fenómeno político, tal processo confunde-se com o mais lato processo da socialização dos indivíduos, de que a família é, como todos reconhecem, um agente primaz. Assim como a criança não tem qualquer consciência de que está a ser enformada nos moldes culturais do grupo em que nasceu e lhe sustenta e protege a existência, assim também não tem (nem precisa de ter!) qualquer sensação de que é “subjugada ou coagida” pelo poder dos pais (ou dos mais velhos). É um longo e subtilmente pervasivo processo de interiorização dos hábitos da cultura social do grupo ( e o “hábito” é a “segunda natureza”, de que falava o mesmo Aristóteles). E é essa longa habituação ao domínio e acatamento da autoridade dos pais que psicologicamente explica que o indivíduo, mesmo já adulto e independente deles, transite com a mesma “naturalidade” para a obediência a outros indivíduos, supostamente representantes investidos de um poder “político”. Por mim, não sei que mais admirar: se a despreocupada facilidade com que homens feitos saem da tutela dos pais para a de outros adultos seus iguais; se a mesma facilidade com que uns poucos destes se arrogam competências e capacidades de tutela sobre milhões doutros seus semelhantes; se as “astúcias da razão” que investe os mandantes de delegados poderes supostos na nação ou no povo “soberanos”, armando os políticos de “legitimidade”... Contra Hegel, falaria Schopenhauer aqui antes de “armadilhas da Natureza”: as tais ferramentas ideológicas que, no animal humano, forneceriam post facto as razões precisas para justificar e conservar, no interesse da Natureza, o que à razão adulta poderia parecer dificilmente justificável. Como se sabe, uma das ferramentas ideológicas que os teóricos da política mais têm alegado é a teoria do Pacto ou Contrato constituinte do Estado político na vida social. Mas nós já vemos como o naturalismo acomoda facilmente isto: o famoso Pacto dos filósofos seria tão somente o contrato matrimonial de aliança entre grupos, mesmo apesar da consaguinidade próxima (as alianças matrimoniais nas Casas Reais europeias deram-nos até recentemente muitos exemplos).

Se a questão da justificação do Estado é assim para os naturalismos de vária casta uma questão descabida, já para o anarquista, como se sabe, é pertinentíssima. Como assim? A objecção comum do senso realista é demasiado conhecida e sempre inevitável. Mas, suponha o leitor que, num certo, grupo todos os seus membros agiam sempre de acordo com a famosa máxima da lei moral kantiana (“Nunca trates os outros apenas como meios ao serviço da tua vontade, mas sempre como pessoas que a tua vontade deve respeitar”); ou que noutro grupo todos as indivíduos agiam sempre de acordo com a máxima da divina lei cristã (“Ama a Deus sobre todas as coisas e cuida do teu próximo como gostarias que ele cuidasse de ti”). A questão impõe-se com toda a simplicidade: - nestas condições, para que era necessário um poder “político” ? A resposta impõe-se à razão adulta com iluminista clareza. Mas lá vem a objecção realista: de facto, nem todos os homens agem assim, longe disso. De facto. – Acontece, porém, que o “ponto de vista moral” não lida com questões de facto, mas sim de nível axiológico e normativo: não seria o melhor e o mais racional para os humanos o dever de agir assim?

Se o leitor concluir que o senso realista assenta mais num medo natural, e que o anarquista tem mais razão moral suficiente, muito me praz dizer-lhe que estou inteiramente de acordo. Contudo, o leitor e eu expomo-nos então à questão temível: - Por que é que os humanos, que deveríamos agir assim, não agimos de facto assim?... A questão deixa transparente que confinamos aqui com uma dimensão que é já transcendente ao político e, até, ao ético, para entrar na ontologia: o que nós somos, como existimos.

Dê-me o leitor uma boa resposta, e salva-se de eu lhe dar outro mau postal.

[O leitor pode encontrar aqui o resto do texto de Hampton, de que me servi, na tradução de Vítor João Oliveira, e outros textos interessantes ao assunto.
Beemoth e Leviathan, na imagem e numa aguarela de William Blake (1757-1827). ]

quinta-feira, novembro 05, 2009

O DIÁRIO DE NOAGA


5 de Novembro

« Hoje, depois da escola, os meus camaradas e eu fomos levar as cabras a pastar. Como é hábito todos os dias, corremos, saltámos e conseguimos encontrar frutos bons para comer. Esta é a época melhor. »
[ Fotografia de Fernando Penim Redondo. ]

segunda-feira, novembro 02, 2009

ANIMAIS APOLÍTICOS


« A cidade é uma daquelas coisas que existem por natureza e o homem é por natureza um ser vivo político. Aquele que por natureza, e não por acaso, não tiver cidade, será um ser decaído ou sobre-humano, tal como o homem condenado por Homero como “sem família, sem lei nem lar”; porque aquele que é assim por natureza, está, além do mais, sedento de ir para a guerra, e é comparável à peça isolada de um jogo

Destarte continua Aristóteles a afirmação famosa que pus em epígrafe do postal anterior. Como vimos, a polis seria o “lugar natural” dos humanos chegados à madura consciência da dimensão pública-política da sua existência como animais sociáveis. E isso por uma evolução natural das unidades sociais mais elementares que seriam a família e a aldeia. A citação de Homero procura fazer valer um argumento por analogia: naturalmente destinado à cidadania na polis, um indivíduo sem cidade seria como se não tivesse família nem casa. Mas os não cidadãos, ainda no estado familiar ou aldeão, seriam “por natureza” desejosos da guerra e peças isoladas, sub-humanos ou sobre-humanos? Não parece. Poucas linhas adiante, o filósofo refere-se ao mesmo assunto:

« Quem for incapaz de se associar ou que não sente essa necessidade por causa da sua auto-suficiência, não faz parte de qualquer cidade, e será um bicho ou um deus. »

Temos pois que não escapou ao agudo e minucioso observador que era Aristóteles a existência de indivíduos que pareciam “por natureza” (individual) associais ou anti-sociais. Por natureza, sublinhe-se; parece não ter ocorrido aqui ao macedónio que o poderiam ser pelo hábito de relações difíceis ou infelizes que teriam bloqueado nos indivíduos a motivação para sociabilizarem com os congéneres humanos. Mas, que “natureza” seria essa? “Ser decaído” parece-me tradução inexpressiva e mal adequada do adjectivo phaulos, no texto grego, que significa: mau, malicioso, defeituoso; de pouco valor, insignificante, sem importância; leviano, frívolo, negligente; lerdo, estúpido. Sentidos vários recolhidos no termo latino vilis, que deu os nossos vil/vilão/vileza. Quanto a “sobre-humano”(kreitton), seria exagerado se não fosse a palavra theos (deus) que efectivamente é usada depois. Kreitton significa: o mais forte ou corajoso; o maior; o dominador; o mais vantajoso; o melhor, o preferível, o mais valioso. No 2º trecho há um retórico reforço desta antítese: teríamos uma besta fera ou animal monstruoso (therion) oposto a um ser divino (theos).

A natureza humana não seria inteiramente uniforme ou homogénea. A polis é a actualização existencial das possibilidades de florescimento da substância racional do homem, e frutificar em justiça numa sociedade bem ordenada. Bem ou mal ordenada, é uma sociedade em que mesmo os escravos, não sendo mais que ferramentas ou instrumentos animados, inteiramente na posse dos seus proprietários, Aristóteles explícita e claramente os declara como tendo uma natureza humana. Mas, fora da cidade-estado, a natureza humana tenderia para os limites extremos em que tocaria o ínfero bestial ou o superno divino. Temos aqui, uma vez mais, a aplicação dessa constante e fundamental tendência do espírito de Aristóteles para a valorização do mésson – o justo meio -, tão saliente na sua teoria ética e política.

Agora, se fixarmos a nossa atenção, não nos “incapazes de se associarem”, mas nos que “não sentem essa necessidade por causa da sua auto-suficiência (autarkeia)”, temos uma questão curiosa. A polis é, “por natureza”, a comunidade social mais capaz de garantir a “autosuficiência” aos indivíduos e, como diz Aristóteles nesta parte e contexto, a “auto-suficiência é simultaneamente um fim e o melhor dos bens.” Ora, esta autarkeia não é uma finalidade eticamente valiosa apenas para o Estagirita: pelo menos desde Sócrates, é um valor sobremaneira apreciado pelo universo dos filósofos, e das mais díspares escolas de pensamento, até ao eclipse da filosofia pagã na Antiguidade. Teríamos portanto que, “por natureza” ( e não “por acaso”) alguns indivíduos seriam capazes – à parte da polis - de actualizar em si um bem superior. Note-se que tal apartamento não tem necessariamente de significar distanciamento físico, embora não o impeça (como vimos aqui e veremos melhor ainda qualquer dia). Os casos do citado Sócrates, e do nosso Diógenes de Sinope, parecem-me típicos. Então, se só na polis e através dos benefícios da cidade-estado, os homens realizariam a sua racional humanidade, como entender a situação excepcional destes excêntricos, que teriam mais partes de um “deus” que da condição humana? Seriam apenas ocasionais erros da Natureza, excepções à norma, sem mais significado nem consequência?...

Consequências têm, decerto, como logo se vê no caso dos que não viveram apartados da cidade. E, se os exemplos de Sócrates e Diógenes são pertinentes, as consequências são de monta, e o ateniense sentiu-as na pele. Será que Aristóteles teria noção disso? Reconsideremos o trecho em epígrafe. – Fala-nos, primeiro, de “desejoso de guerra” (polému epithymetês não carece das demasias de “sedento”; e polemos também pode significar simplesmente oposição/confronto, sem belicosas violências). Teríamos então, do lado ínfero, os humanos quasi bestas feras, aqueles “monstros” que a literatura hodierna chama “psicopatas” homicidas e os “predadores”compulsos à violência sexual; no pólo oposto, teríamos um Sócrates acusado de espalhar a cizânia entre os cidadãos, de corromper a juventude e de introduzir divindades diferentes das tutelares da polis, uma assebeia (impiedade) promotora da dissolução da “comunhão política” e da destruição moral da cidade. A comparação com as “peças isoladas de um jogo” também é curiosa, se pensarmos que a vida social tem sido muitas vezes comparada a uma “comédia”. Já sabemos que os cães de Diógenes tinham faro e dentuça afiada para as falsas aparências; deixo o problema de saber se não terá sido por argumentar mais pelo pau que pela razão, que o nosso Diógenes escapou do mesmo destino de Sócrates... O que me parece é que, no contexto desta parte inicial da sua Política, Aristóteles terá ecoado talvez a memória arcaica de bandos de malfeitores (gangues de pares, celibatários) sobrevivendo da violência sobre grupos familiares ou tribais. E quem sabe se não foi a meditação destes lugares aristotélicos que, séculos mais tarde, levou um Thomas Hobbes a representar um “estado de natureza”, apartado do estado político, com as sombrias e selvagens cores da “guerra de todos contra todos”.



[ Foi citada a 1ª edição portuguesa da Política feita directamente do grego (1998), em tradução de António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes.
Na imagem, Aristóteles Contemplando o Busto de Homero, de Rembrandt, 1653. ]