L’ ESPOIR MAINTENANT
Falando aqui de uma das mais inúteis e mais úteis actividades em que os humanos podemos melhormente empregar o tempo dos ócios e negócios da nossa existência neste mundo – refiro-me àquela que nomeamos com o nome grego "filosofia" -, quis dedicar uns postais a alguns daqueles que, na tradição filosófica ocidental, preferiram ao ditado escrito do pensamento a acção directa sobre si mesmos e o meio, dando o corpo em manifesto vivo do pensamento. Sem medos nem vergonhas.
Conto entre estes o francês Jean-Paul Sartre. Mas o que me interessa não é quem iludia barreiras da polícia escondido num camião, para ir discursar aos operários grevistas numa fábrica; nem o ardina que à esquina da rua distribuía o La Cause du Peuple a defender a ditadura do proletariado e o terrorismo sobre os patrões. O que me interessa é o homem que, aos 75 anos de idade, achacado e cego, sobre a obra por ele feita e o ídolo dele feito pelos outros, - era capaz duma distanciada e lúcida revisão crítica, cheia de honesta franqueza, e temperada duma auto-ironia que chega a ser demolidora. Como se estivesse pronto a recomeçar, a empreender uma nova e diferente aventura do pensamento. Como se fora um jovem, com uma inteira vida diante si.
Refiro-me à grande conversa que teve com o seu secretário pessoal, Benny Lévy, publicada em três números sucessivos da revista Le Nouvel Observateur (de 10, 17 e 24 de Março de 1980), com o título que encima este postal. Salientava-se um dos pontos surpreendentes da conversa: o filósofo da decepção, da náusea e da paixão inútil encontrava agora motivos de esperança. Poucas semanas após, viria a deixar de poder falar mais com o secretário e connosco.
Dá-me a mim um bom título para fechar a porta na cara deste 2007, e dou aos leitores, com a tradução em comentário anexo, um pequeno trecho da primeira parte da entrevista. Vê-se que este Sartre também empunhou a lanterna de Diógenes:
« Je veux dire que ça pourrait se démontrer ce qu’est un homme. D’abord, tu le sais, pour moi, il n’ y a pas d’essence a priori, donc ce qu’est un homme n’ est pas encore établi. Nous ne sommes pas des hommes complets. Nous sommes des êtres qui nos débattons pour arriver a des rapports humains et à une définition de l’ homme. Nous sommes en pleine bataille en ce moment, et ça durera sans doute des nombreuses années. Mais il faut définir cette bataille: nous cherchons à vivre ensemble, comme des hommes, et à être des hommes. Donc c’est par la recherche de cette définition et de cette action qui serait proprement humaine, par-delà l’humanisme bien sûr, que nous pourrons considérer notre effort à notre fin. Autrement dit, notre fin c’est d’arriver à un veritable corps constitué où chaque personne serait un home et où les collectivités seraient également humaines. »
(Agradeço os goivos à sugestão amável da sofisticada florista Miss Sheila Pickles, que os considera penhor de fidelidade no infortúnio.)