quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Joy Division, "Shadowplay"

Esta foi a primeira "aparição" dos Joy Division em televisão. A música, "Shadowplay" (Jogo de sombras), é acompanhada por um interessante poema sobre formas de manipulação neste mundo urbano pós-moderno.
Embora não seja uma das músicas emblemáticas da banda, é uma das minhas preferidas.


To the centre of the city where all roads meet, waiting for you,
To the depths of the ocean where all hopes sank, searching for you,
I was moving through the silence without motion, waiting for you,
In a room with a window in the corner I found truth.

In the shadowplay, acting out your own death, knowing no more,
As the assassins all grouped in four lines, dancing on the floor,
And with cold streel, odour on their bodies mad a move to connect,
But I could only stare in disbelief as the crowds all left.

I did everything, everything I wanted to,
I let them use you for their own ends,
To the centre of the city in the night, waiting for you.
To the centre of the city in the night, waiting for you.

“Coimbra, 28 de Fevereiro de 1980”

«Atravesso a vida sem lhe dar tréguas, implacável nas palavras e nos sentimentos.»

Miguel Torga, Diário, vol. XIII.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Blogues da Secundária de Azambuja

Na minha luta de Laocoonte contra essa poderosa serpente asfixiante chamada tempo, apenas tenho uma aberta para deixar referências a dois blogues dinamizados por elementos da minha escola.
Um deles, que recebeu o nome da escola, é gerido por um colega de filosofia: ver aqui. O outro é da responsabilidades de um grupo de alunos muito criativos e empreendedores da minha turma de 12º ano. Trata-se de uma página que apresenta um projecto que estão a desenvolver: clique aqui.
P.S. Não tenho comentado a política educativa da Ministra da Educação porque a subscrevo letra a letra. O que os professores não querem ver é que esta avaliação docente é a panaceia universal para as doenças da educação portuguesa. É a solução para todos os problemas escolares, e a sua aplicação vai trazer tudo o que a Escola Pública necessita: alunos mais aplicados, exigência avaliativa, mais tempo para os professores prepararem boas aulas... tudo, tudo, tudo. Creio mesmo que esta ideia ministerial já era prescrita na Causa da Decadência dos Povos Peninsulares, de Antero, se não mesmo nos escritos de Nostradamus ou em textos cabalísticos hebraicos. O que faltou foi alguém com a sapiência da tia Milu para saber ler a fórmula desta solução mágica. Direi mesmo mais: este modelo de avaliação dos professores é a "Solução Final" da Educação portuguesa. Ou seja, dela ninguém sairá vivo.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Existirá a mais pequena possibilidade de os franceses não serem todos uns génios?

Eu sempre tive uma opinião sobre os franceses e os parisienses (porque, como se constatará, todos os franceses são parisienses) muito própria e peculiar, o que não me levava a suspeitar que, uma boa centena de anos antes (prometo que um dia destes transcrevo obras mais recentes), alguém já tinha discorrido aquilo que eu, emproado, cria congeminação original. Podia fazer mais este palmanço sem tanto aranzel. E, desta feita, estou quase a pensar propor um prémio, um jantar numa tasca que a ASAE não tenha fechado entretanto, para quem dilucidar a origem.
“o francês continua a pensar que é capaz de esmagar e aniquilar moralmente. É também uma característica bastante engraçada nele. Lembro-me sobretudo de um velhinho (…) querendo saber a minha opinião sobre Paris amargurou-se muito quando eu não dei mostras de grande admiração. Pintou-se-lhe mesmo um certo sofrimento na cara bondosa: um sofrimento, literalmente, não exagero. Oh querido M…re! É impossível dissuadir um francês, ou seja, um parisiense (já que todos os franceses são, na essência, parisienses) de que ele não é o homem mais importante de todo o globo terrestre.”

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

“Coimbra, 22 de Fevereiro de 1989”

«Vivi duas vidas. Uma, desalentado, a ver-me morrer; outra, a lutar inconformado contra todas as mortes.»

MIguel Torga, Diário, vol . XV

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

UM MÉDICO ENFERMO


“Eu creio que sim, que isto se pode salvar ainda, embora este meu acto de fé represente apenas (…) a última ilusão, a mais vivaz e menos destrutível das ilusões – a ilusão da imortalidade.” Era o que escrevia Manuel Laranjeira no segundo dos artigos para O Norte. “Isto”, como temos visto, há cem anos como hoje, era o estado social, político e mental português. Meses depois, a 9 de Agosto de 1908, encontra em Espinho um homem com “hambre de inmortalidad”: o basco Miguel de Unamuno. E desde 10 até ao 17 não se fala no Diário Íntimo do nosso português de mais nada nem de ninguém senão da sorte que coube a ele e não ao nosso Diógenes em Atenas: “o prazer de encontrar um homem – digo: um homem – através desta vida ordinária e triste”.

A 28 de Outubro desse 1908 escrevia o escritor feirense ao professor de Salamanca: “Há meses ainda, quando Portugal atravessava os dias terríveis da ditadura franquista, eu cria que íamos ressurgir. Nessa ocasião publiquei uns artigos fervorosos de optimismo e crença. Hoje, porém, há uma tranquilidade podre que me assusta deveras. Não falta mesmo por aí que isto não é já um povo, mas sim – o cadáver dum povo.” É a célebre carta que Unamuno traduziu no artigo intitulado "Un Pueblo Suicida", depois inserido no volume Por Terras de Portugal y España. E continua o nosso: “acerca dos males da minha terra não falo como médico, falo como enfermo. (…) E, como acontece a quasi todos os enfermos o meu espírito tem intercadências de abatimento e entusiasmo, de fé e desânimo, de crença e desesperança.”

Os artigos de “fervoroso optimismo” eram os publicados no Norte, como médico. Agora, diz o enfermo: “Crer! Em Portugal, a única crença ainda digna de respeito é a crença – na morte libertadora.” Já numa entrada do Diário, de 19 de Fevereiro deste mesmo 908, apenas um mês depois de terminados os citados artigos, ele dizia: “Creio que isto é uma raça perdida. Começo a crer que a nossa decadência degenerativa é manifesta. Não se trata apenas da desagregação da alma colectiva, trata-se duma dissolução mais funda, mais íntima, passada na alma de cada um.” O leitor de 2008, que eu não quero assustar com a “tranquilidade podre”, permita-me a ênfase e o eco: passada na alma de cada um.

Mas, “apesar disso, ainda há em Portugal muita nobreza moral…” A suficiente para este amigo de João de Barros (que precisamente em 1908 publicava A Escola e o Futuro) e de João de Deus Ramos intervir publicamente na Liga da Educação Nacional, candidatar-se à direcção da Escola Médico-Cirúrgica portuense na esperança de reformar o ensino médico; e nos jornais, em conferência e congressos bater-se pelo grande ideal republicano da reforma da educação e das mentalidades. Para o exterior, lutava contra “a herança trágica, secular duma ignorância podre e duma corrupção criminosa”. Para si próprio, lutava contra a “psicastenia”, os “nervos doentes”, o “aborrecimento mortal da vida”, os progressos da sífilis e da tuberculose. Como dizia ao seu amigo Amadeu de Sousa Cardoso: “E a prova de que não sou um homem morto nem sequer falido é que me insurjo.” Comprova-o Unamuno: “En él, como en Antero, la cabeza y el corazón riñeron recia batalla.” Batalha desigual, porém: “Eu sou um filho deste século, deste século de tristeza, de ansiedades impossíveis de satisfazer, - de tédio, em suma. O espírito do homem contemporâneo voou muito alto, a uma altura que o coração humano não pôde atingir. O resultado é o homem pedir (exigir – é o que é) à vida coisas que ela não pode dar.”

O resultado é que também lembramos as derradeiras palavras do postal anterior: “É a engrenagem da vida que está mal montada”…

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Faleceu Vitoriano Rosa

Na passada sexta-feira, dia quinze de Fevereiro, faleceu o meu grande Amigo e colaborador deste blogue Vitoriano Rosa. Apresentei-o neste post e reenvio para lá o leitor para conhecer melhor o Homem de quem falo. Aí dei conta da sua luta anti-fascista, dos seus sete ofícios e dos seus mil interesses pela vida cultural, política e social bem como por questões humanitárias e humanistas. Recordo uma marca das suas convicções fortes: no comentário político e no vocabulário que usava, Vitoriano era uma hidra de sete cabeças pela sua veemência inquebrável.
Contava 76 anos de idade, vividos intensamente - sendo a vida intensamente vivida aquela em que as horas de existência são consumidas, usadas, sentidas e agarradas com fervor e ânsia, com alegria e prazer, quando não com dor e sofrimento. Terá sido assim a vida do Vitoriano, a fazer querer no que ele, os seus familiares e amigos me contaram. Foi também uma vida de crenças e de causas. Vitoriano Rosa foi certamente a pessoa que conheci que mais iniciativa e vontade de viver tinha - isto apesar de o ter conhecido já quando tinha entrado na casa dos setenta anos. Cada carta que me enviava, cada conversa telefónica e cada encontro eram brindados com uma, duas ou três propostas de projectos: desde passar uma semana ao Algarve, fazer uma revista, fundar uma editora ou ajudá-lo a realizar o seu maior sonho: construir no Algarve o Museu da Liberdade. Vitoriano era um sonhador mas não era irrealista: todos os seus projectos podiam ser exequíveis, houvesse vontade política para os tornar possíveis e companheiros para o ajudar. Mais, no caso do Museu da Liberdade, Vitoriano Rosa pensava mesmo doar terrenos seus no Algarve para facilitar a execução do projecto.
Eram impressionantes a sua energia, a sua iniciativa, a sua Generosidade e a sua capacidade sonhadora. Aprendi muito com ele sobre o Antigo Regime e sobre as várias historietas que passam à margem dos livros; mas com ele aprendi ainda mais sobre a Arte de Viver.
Curiosa foi a forma como nos conhecemos. Aproximou-nos a figura de um artista/intelectual esquecido: Roberto Nobre, que ele bem conheceu e admirou e cuja obra eu admirei e estudei. Como Nobre, Rosa era um Homem de carácter e de desprendimento pelas coisas pequeninas da vida. Homens assim, embora Grandes e Nobres, não têm vida fácil. São Homens de uma fibra que está a tornar-se essência rara. Trata-se de Homens que não se coadunam com esta nova era de pequenez mesquinha (perdoe-se-me o pleonasmo), de interesseirice parola e de desprezo pelo próximo. Por isso este mundo novo não tem espaço para os considerar nem para os tratar com justiça.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

UM (NORMAL) PESSIMISMO NÃO NACIONAL ?


O denunciante polémico das “podridões” da Escola Médico-Cirúrgica portuense, o médico que nela se licenciara com uma elogiada tese sobre A Doença da Santidade (a experiência mística como uma forma de patologia), havia publicado uma série de seis artigos no Porto Médico, entre 1905-1906, sobre aquela terrible verdad que descubrio el Buda. Sob o título geral “O Nirvana. Interpretação Psicopatológica dum Dogma”, Manuel Laranjeira discorda que o budismo possa ser interpretado como um “sistema especulativo integralmente pessimista”; e explica o erro e a voga de que ele vinha gozando na Europa culta da época: “porque a Europa atravessa precisamente neste momento uma intensíssima crise de pessimismo”. Acrescentava logo depois: “A vida social europeia de há cem anos para cá vai atravessando uma crise afectiva, que define os grandes períodos de transição. Desaba um mundo e um mundo germina. A humanidade, como espécie em plena evolução ainda, ensaia uma nova adaptação. Adaptação penosa, adquirida a custo através duma luta impiedosa, feroz. Há um mal-estar geral, vago, como a das crises de adolescência. O homem esboça um novo homem. O sentido evolutivo da humanidade, aquilo que os poetas chamam o sentido da vida, parece enigmático e há uma inquietação indefinível pelo futuro. (…) Essa dificuldade adaptativa, essa desarmonia entre o homem e o mundo que o cerca, traduz-se por um síndrome colectivo: é pessimismo, é a tristeza contemporânea, é o tédio dos tempos.”

Esta “intensíssima crise de pessimismo” europeia já lembrou ao leitor aqueloutra “crise sobreaguda” do pessimismo português. E voltamos também à diagnose inicial: dificuldades de adaptação evolutiva não podem confundir-se com degenerescência, embora eventualmente possam sintomatizá-la. Mas não necessariamente. “Para que ele [o pessimismo] representasse degenerescência colectiva, seria preciso que, como no degenerado, ele correspondesse a uma absoluta inadaptabilidade da espécie, o que seria duma demonstração duvidosa. A espécie humana, como o homem normal, tem um fundo de resistência, um coeficiente de variabilidade, uma capacidade adaptativa, que não existe no degenerado.”

Contra a “corrente (sustentada principalmente por psicólogos e psiquiatras) que dá ao pessimismo contemporâneo uma interpretação psicopatológica e lhe explica a etiologia e a patogénese pela degenerescência”, o médico Manuel Laranjeira opõe o que, em carta ao amigo Amadeu de Sousa Cardoso, chama “o evangelho dos homens de hoje” – a “biologia”. É um evangelho optimista: “O pessimismo contemporâneo significa apenas que o homem evolui, que no seio da espécie se está operando uma revolução lenta e fecunda, uma melhor adaptação em suma.”

Moderadamente optimista, aliás, porque a possibilidade, também ela biológica, de uma “degenerescência”, não pode ficar a priori excluída. Foi mesmo prevista uma enigmática modalidade suicida, como vimos no postal anterior. Não faltam, com efeito, motivos de estranheza. O último artigo desta “Boa Nova” anunciada no Porto Médico é de Julho de 1906. Três meses depois, a 27 de Outubro, em carta ao mesmo Sousa Cardoso, temos esta afirmação terminante: “Eu não aceito a vida.” E poucos dias após, em nova carta ao mesmo: “A vida é que está mal regulada (…). É a engrenagem da vida que está mal montada, amigo. Não é minha a culpa.”

sábado, fevereiro 09, 2008

“Coimbra, 9 de Fevereiro de 1979”

«Quem o diria, há meia dúzia de anos! E, contudo, a trágica realidade é o que se vê: uma juventude vadia, petulante, sem memória colectiva, sem um arquétipo da pátria no entendimento, sem passado e sem futuro, a viver apenas tumultuosamente a hora que passa, consumidora privilegiada de bens que não criou e pelos quais nem obrigado diz, que entra num automóvel como se ele existisse desde que o mundo é mundo, e que junta à insolência natural a inconsciência de quem, no melhor e no pior, foi a mais afortunada herdeira de todas as suas irmãs da História.»

Miguel Torga, Diário vol. XIII.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Francisco Fernandes Lopes

Francisco Fernandes Lopes nasce em Olhão a 27 de Outubro de 1884 e faz o seu trajecto pela existência até 6 de Junho de 1969. Entre estas datas extremas temos uma riquíssima actividade intelectual que abarca as temáticas da medicina (sua actividade profissional e razão da nomenclatura de uns artigos que escreveu sobre o movimento do integralismo lusitano), música, história, filosofia e, para dizer tudo em uma palavra, cultura.
Esta actividade produziu um determinado número de conexões e amizades como, por exemplo, com o movimento da Renascença Portuguesa: Revista Águia, Teixeira de Pascoais, Jaime Cortesão, Álvaro Pinto, Leonardo Coimbra (que o convidou para docente da Faculdade de Letras do Porto que o próprio Leonardo Coimbra tinha criado); Seara Nova – Raul Proença, António Sérgio, Aquilino Ribeiro (que publica as suas primeiras letras num jornal de Olhão – Cruzeiro do Sul, suponho), Raul Brandão, Câmara Reys e, ainda, Afonso Lopes Vieira, António Correia de Oliveira, Augusto Casimiro e Roberto Nobre, o ilustrador de algumas obras de Ferreira de Castro (R. Nobre já foi aqui esquadrinhado pelo Alexandre, já vai fazer dois anos – esta barrica já vai fazer dois anos, Alexandre, esperamos a mensagem natalícia). Privou de perto, ainda, com os maestros Ivo Cruz, Freitas Branco, Frederico de Freitas e Viana da Mota, com o investigador da área da medicina Francisco Pulido Valente, com Ramada Curto e com o poeta Fernando Pessoa (estes últimos dois referidos no texto já aludido sobre o integralismo).
Além de tudo isto, recentemente encontrei, também, uma carta de Ortega y Gasset, outra de Joaquim de Carvalho e uma terceira, embora esta claramente duvidosa, de Ygor Stravinsky. Despeço-me com amizade…

Ele há muros e muros

Quando foi o caso do muro de Berlim, empedramento que durou cerca de 4 décadas, o tapume era conhecido pelo epíteto de muro do opróbrio, pondo em destaque a vigilância comunista cerrada ao impedimento dos alemães de leste atingirem a liberdade. Eram os altos valores “democráticos” que clamavam contra a tampa que impedia que os ventos da liberdade bafejassem os solnascentinos alemães.
É verdade que no nosso caso o fenómeno afectava a nossa doçaria nacional, pois durante décadas as bolas tinham um muro de açúcar obrigatório. No meu caso pessoal que sou um deglutidor desse pedaço da doçaria nacional, exultei com a queda do muro.
Ora bem, no caso do muro do médio oriente, ou o projectado na fronteira norte do México, é um acontecimento completamente diferente, um verdadeiro muro do inopróbio. Neste caso, o vento da alforria não é necessário para os palestinianos e, ao que parece, também não é imprescindível para os egípcios, ou para os sírios, libaneses, jordanos, mexicanos, salvadorenhos, guatemaltecos, panamianos e será que me esqueci de alguém?
Pois bem, como dizia Napoleão, não o de Santa Helena mas o da espécie porcina, todos os muros são iguais, mas há alguns que são mais iguais que outros.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

PADRE ANTÓNIO VIEIRA: SERMÕES DE 4ª FEIRA DE CINZAS


Aos seis dias do mês de Fevereiro de 1608, nasceu-nos em Lisboa um daqueles homens cuja existência bem merece e justifica ter havido Portugal. E é bem calhado o aniversário de Vieira se venha a celebrar hoje – neste dia e tempo de Cinzas.

Seguem uns poucos trechos que coligi e combinei dos três sermões que o jesuíta escreveu para este dia. A seu tempo, o leitor ainda mal acordado do Carnaval terá aqui outros, tão impertinentes e inoportunos como estes.
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«Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Assim comecei eu o ano passado quando todos estávamos mais longe da morte; mas hoje que também estamos todos mais perto dela, importa mais tratar do remédio que encarecer o perigo. Adiantando pois o mesmo pensamento, e sobre as mesmas palavras digo, senhores, que duas coisas prega hoje a Igreja a todos os vivos; uma grande, outra maior; uma triste, a outra alegre; uma temerosa, outra segura; uma certa e necessária, a outra contingente e livre. E que duas coisas são estas? Pó e pó. O pó que somos: És pó, e o pó que havemos de ser: e ao pó voltarás [Gn 3, 19]. »

“Os Passianos, e outras nações que barbaramente se chamam bárbaras, choravam e pranteavam os nascimentos dos filhos, e celebravam com festas as suas mortes; porque entendiam que nascendo entravam aos trabalhos, e morrendo passavam ao descanso.»


[Citando Plutarco, Consolatio Ad Apollonium, do 2º livro dos Moralia] « O mors veni, mortis certus medicus malis! – Ó morte, vinde, que só vós sois o verdadeiro e certo médico para todos os nossos males! É a exclamação proverbial dos gregos, referida por Plutarco.»


[Citando S. Paulo, Rom 7, 24] « Em suma, que os maiores homens do mundo em todos os estados do género humano, ou com fé, ou sem fé; ou na lei da natureza ou na escrita ou na da graça, sempre desejaram mais a morte do que estimaram a vida; e sempre em suas aflições e trabalhos apelaram do pó que somos sobre a terra, para o pó que havemos de ser na sepultura.»


« Ora suposto que já somos pó, e não pode deixar de ser, pois Deus o disse, perguntar-me-eis, e com muita razão, em que nos distinguimos logo os vivos dos mortos. Os mortos são pó, nós também somos pó: em que nos distinguimos uns dos outros? Distinguimo-nos os vivos dos mortos, assim como se distingue o pó do pó. Os vivos são pó levantado, os mortos são pó caído; os vivos são pó que anda, os mortos são pó que jaz: “Aqui jaz”. (…) Deu o vento, levantou-se o pó; parou o vento, o pó caiu: deu o vento, eis o pó levantado; parou o vento, caiu. Deu o vento, eis o pó levantado: estes são os vivos. Parou o vento, eis o pó caído: estes são os mortos. Os vivos pó, os mortos pó; os vivos pó levantado, os mortos pó caído; os vivos pó com vento, e por isso vãos; os mortos pó sem vento, e por isso sem vaidade: esta é a distinção, e não há outra. »



«O pó que somos, é a vida; o pó que havemos de ser, é a morte. E o maior bem da vida é a morte; o maior mal da morte é a vida.»


«Vede a grande diferença dos mortos aos vivos. Os vivos, sobre a terra temem a morte; os mortos, debaixo da terra, esperam a ressurreição; e quanto vai do esperar ao temer, e das isenções da imortalidade às sujeições de mortal, tanto melhor é o estado dos mortos que o dos vivos.»


«Se nesta vida, (vede o que digo) se nesta vida e neste miserável mundo, cheio para todos os estados de tantos e tão grandes pesares, pode haver gosto algum puro e sincero, só os que acabam a vida antes de morrer o gozam.»


«Entrou um soldado veterano a Carlos V e pediu-lhe licença com um memorial, para deixar seu serviço e se retirar das armas. Admirou-se o imperador, e parecendo-lhe que seria descontentamento e pouca satisfação do tempo que havia servido, respondeu-lhe chamando-o por seu nome, que ele conhecia muito bem o seu valor e o seu merecimento; que tinha muito na lembrança as batalhas em que se achara, e as vitórias que lhe ajudara a ganhar; e que as mercês que lhe determinava fazer lhas faria logo efectivas com grandes vantagens de posto, de honra, de fazenda. Oh venturoso soldado com tal palavra, e de um príncipe que a sabia guardar! Mas era muito melhor e muito maior a sua ventura. – Sacra e real Majestade (disse), não são essas as mercês que quero nem essas as vantagens que pretendo; o que só peço e desejo da grandeza de Vossa Majestade é licença para me retirar; porque quero meter tempo entre a vida e a morte. (…) E que vos parece que faria o César neste caso? Concedeu enternecido a licença; retirou-se ao gabinete, tornou a ler o memorial do soldado, e despachou-se a si mesmo. Oh soldado mais valente, mais guerreiro, mais generoso, mais prudente e mais soldado que eu! Tu até agora foste o meu soldado, eu teu capitão; desde este ponto tu serás meu capitão, e eu teu soldado; quero seguir tua bandeira. Assim discorreu consigo Carlos, e assim o fez. Arrima o bastão, renuncia o império, despe a púrpura, e tirando a coroa imperial da cabeça pôs a coroa a todas as suas vitórias, porque saber morrer é a maior façanha. Resolveu-se animosamente Carlos a acabar ele primeiro a vida, antes que a morte o acabasse a ele. Recolheu-se ou acolheu-se ao convento de Yuste, meteu tempo entre a vida e a morte, e porque a primeira vez soube morrer imperador, a segunda morreu santo.»



«Senhores meus: o dia é de desenganos. Morrer em o Senhor ou não morrer em o Senhor, haver de ser bem-aventurado ou não haver de ser bem-aventurado, é o ponto único a que se reduz toda esta vida e todo este mundo, todas as obras da natureza e todas as da graça, tudo o que somos e tudo o que havemos de ser; porque é salvação ou não salvação.»
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[ “O Olho”, de Maurício Escher (1898-1972), significa também que não faltou no séc. XX quem fosse capaz de ver diante si – sem ilusórios pontos de fuga – o que ainda no XVII olhos barrocos tão claramente viam. ]

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

“Lisboa, Hospital de S. Luís, 4 de Fevereiro de 1986”

«Beber estoicamente até à última gota o cálice de amargura da vida. É o meu ponto de honra.»

Miguel Torga, Diário, vol. XIV.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

O “PESSIMISMO NACIONAL” REVELADO ( 5 ) : UMA “FATÍDICA SABEDORIA”?


“Escreva, escreva o seu livro sobre Portugal. É preciso que alguém diga a verdade de nós.”
O incitamento endereçava-o Manuel Laranjeira ao seu amigo Miguel de Unamuno, na primeira carta que lhe escreveu de Espinho, a 24 de Agosto de 1908. O livro viria a ser Por Terras de Portugal y España. Respondia-lhe o grande humanista basco, lembrando uma visita há pouco feita a Alcobaça, aos túmulos de Pedro e Inês. “Essa visita me ha hecho pensar en todo lo que de trágico, y trágico a la griega tiene Portugal”… E prosseguia, na mesma: “Hay veces en que creo que ustedes sin saberlo, por un acto de sabiduría colectivamente subsconsciente, han llegado al más triste fondo de la verdad humana, à la vanidad de todo esfuerzo, al final fracaso de toda vida individual o nacional, y entonces Antero se me aparece como un terrible profeta, vocero de todo un pueblo. Portugal, que es el extremo occidente, no se dará la mano com el extremo oriente y no habrá llegado à la terrible verdad que descubrio el Buda? Debajo de toda la podedumbre política, protegida acaso por ella, palpita una fatídica sabiduría: la consciência dolorosa de que es ilusión el motor da la civilización humana. No sé si lo que ahí les pasa es locura o no es, más bien, la cordura final de Don Quijote, la cordura precursora de toda muerte.”

Era o porta-voz Antero, como aliás poderia ser Camilo (a quem Laranjeira dedicara um ensaio que merece ser considerado dos primeiros tentames fundamentais de interpretação de conjunto da vida e obra). Mas não só eles: « Fué Laranjeira quien me ensenó a ver el alma trágica de Portugal…» E respondia-lhe o nosso: «Tem razão: Portugal é uma terra trágica, “trágica a la griega” (…). Este princípio de “fatídica sabedoria” ter-nos-á permitido chegar, como V. às vezes crê – “al más triste fondo de la verdada humana”? Talvez, amigo, talvez. Afinal, o Homem através da sua insaciável conquista de verdades, o que é que tem conseguido? Desfazer ilusões, desfazer ilusões, desfazer ilusões. [sic] Desmanchar ilusões é reduzir o coeficiente de felicidade e por consequência diminuir a possibilidade de chegar à terra prometida… ou desejada. O Homem só adquire uma verdade à custa duma desilusão; como vê, por um preço desmedidamente doloroso. A última verdade será a que nos desmanchar a última ilusão, - a ilusão da imortalidade. No dia em que o Homem, assassinada a última esperança pela última verdade, adquira a certeza de que a sua passagem na terra é um traço efémero, e que o seu desejo de eterno é um desejo perdido e vão; nesse dia trágico, em que o Homem tenha de renunciar à sua loucura de absoluto… - já se sabe, D. Quixote também ficou cuerdo… para morrer. Para o suicídio! – não será afinal este o sentido da vida, da vida humana, pelo menos? Talvez, talvez. »

Certo, certo é que esta “terra trágica”, que podia surgir figurada neste “Espinho enervante e melancólico” tinha, apesar disso, seus atractivos. – Três anos depois, enquanto em Salamanca Unamuno trabalhava no seu Del Sentimento Trágico de la Vida, escrevia a 17 de Março de 1911 ao nosso Laranjeira: “Qué bien me vendría ir al más olvidado rincón de esa tierra, tan dolorosa pero para mí tan sedante, y acharme al pie de un pino y ver pasar las nubes por entre sus ramas!”