ANTÓNIO CORRÊA DE OLIVEIRA
Nasceu em S. Pedro do Sul, ano de 1879. Não cursou estudos secundários ou universitários. Educação superior recebeu-a o Poeta da prática dos mestres maiores do seu ofício, a começar no povo da Beira, e da compenetração telúrica com a paisagem natal das terras de Lafões e do Vouga. Mas não foram precisas mais certidões que as obras para a Academia Portuguesa de Ciências, e Brasileira de Letras, se honrarem de o eleger como membro seu.
Aos dezanove anos vem para Lisboa iniciar carreira no funcionalismo público, empregado amanuense na Procuradoria Geral da Coroa. Escreve em jornais, frequenta cafés, tertúlias e salões, como o de Maria Amália Vaz de Carvalho, que lhe reconheceu, protegeu e estimulou as primícias literárias. Com a revolução republicana demitiu-se da carreira burocrática, por fidelidade ao regime deposto e providencial graça da Poesia.
Não se demite porém de colaborar desde a primeira hora, com seu irmão o dramaturgo João Corrêa d’Oliveira, no movimento da Renascença Portuguesa e nas primeiras séries da revista A Águia, a convite de Teixeira de Pascoaes, seu amigo de toda a vida.
No ano seguinte de 1911, um encontro decisivo vai marcar a vida do homem e influir na trajectória vital da obra do poeta: conhece uma jovem minhota que viria a ser sua esposa. Maria Adelaide da Cunha Sottomayor de Abreu Gouveia «era, pelo coração boníssimo, sensibilidade vibrátil e lhaneza de trato, a esposa ideal do (como lhe chamou meu pai) “Beato António, ermitão de Belinho” », conforme lembra do seu convívio pessoal o poeta Couto Viana. Em finais desse ano abandona a capital pelo solar retiro da casa de sua mulher, em Belinho, Esposende, donde raro sairá até ao fim da vida; aí, o quase analfabeto de instrução oficial fundará um colégio para as crianças pobres da terra aprenderem a ler as primeiras letras e os primeiros versos.
A casa de Belinho, «entre rosas, lilazes e glicínias, com soberba vista para o mar desde a Apúlia à Âncora» (conta o escritor Alfredo Guimarães), dir-se-ia o abrigo ideal para um poeta português e amoroso da Pátria lacerada pelas comoções revolucionárias, apurar – sem amargura nem revolta – ao lume do Lar e à luz do Céu, o cautério de sobrivência à agonia. E em boa parte o foi, abrigo ideal, e mais do que abrigo; mas, no real (“não há gosto perfeito na vida”...), o sonido contínuo e bravo do mar próximo bulia com os nervos deste terrantês nado e criado no colo montanhoso da Beira. E era passeando nos montes convizinhos da casa que o poeta ia muitas vezes colher as ramadas de versos que depois dispunha logo perfeitos no papel.
Outro mestre da Renascença Portuguesa, o filósofo Leonardo Coimbra, na sua tese de 1912 sobre O Criacionismo, considerava Corrêa d’Oliveira « o abraço mais abraçado da alma popular portuguesa, alma imediata (sem maneiras artificiais ou sábias) da simplicidade, do doloroso e comovido saber do coração, fusão íntima e perfeita da Mulher e da Terra, do lar e da lenha do secrifício. » Era a certificação das mais auspiciosas promessas que críticos e conhecedores tão autorizados como Trindade Coelho, Sampaio Bruno ou João Penha tinham saudado nas primeiras obras do poeta. Como testemunhou Fernando Pessoa a Armando Cortes-Rodrigues, fora Corrêa d’Oliveira o poeta que mais o influenciara pelos anos de 1908-1909, e que, em carta de 11 de Março de 1914, confessa ao poeta dos Dizeres do Povo a sua “alta e sincera admiração”.
Já em 1917, quando da conclusão do ciclo de dez livrinhos sobre A Minha Terra, e fazendo-se eco da voz comum, considerava o Diário de Notícias Corrêa d’Oliveira “o cantor eleito do povo português e da terra portuguesa”. Eleito, digo eu, por a mais legítima eleição que um poeta pode ter: a de fazer o povo seus versos dele. (Ainda num poema datado de 1968, de um poeta popular alentejano, Manuel de Castro, achei uma glosa dos versos da célebre quadra – Sino, coração da aldeia; / Coração, sino da gente: / Um a sentir, quando bate, / Outro a bater, quando sente. ) Confirmava-se a previsão que o seu amigo Pascoaes escrevera nas colunas d’ A Águia: « o Poeta perde o nome de Corrêa d’Oliveira e chama-se Povo. »
Publicou mais de seis dezenas de livros de poesia, de maior ou menor tomo, em todos os géneros e metros. De certo, ao leitor urbanizado e cosmopolita de hoje, sobretudo influenciado pelos variados modernismos que pervadiram o séc. XX, muito há de estranho e aborrecido numa poética matricialmente fiel à poesia popular e a poetas como João de Deus, António Nobre ou o Junqueiro de Os Simples, mesmo que compreendesse e perdoasse a adesão sincera que o cidadão e o artista Corrêa d’Oliveira deu ao ideário político do Estado Novo. Mas tenho que há pelo menos quatro grandes poemas (que são quatro livros inteiros) – Tentações de São Frei Gil (1917), Verbo Ser e Verbo Amar (1926), Job (1932) e Elogio da Monarquia (1944; trata-se da Monarquia divina sobre o universo e a história humana, cristãmente meditada) – que pelo lado da problematização humana, cósmica e divina, não menos que pela excelência da realização artística, estão ao nível das melhores obras de toda a nossa história literária, e justificam plenamente que Corrêa d’Oliveira tenha sido o escritor português mais vezes proposto ao Prémio Nobel.
Um ano após a publicação do seu derradeiro livro, num discurso em Esposende, quando do encerramento das homenagens nacionais ao Poeta, a 30 de Julho de 1955, dizia o padre António Dias de Magalhães que Corrêa d’Oliveira alcançara “um lugar inconfundível entre os maiores poetas de Portugal”. E comparando-o com Pascoaes (de quem Magalhães foi bom amigo e bom conhecedor da obra) e com Pessoa, concluía: « Nenhum destes, porém, realizou a harmonia entre a inspiração e a arte, a terra e o céu, a inquietação e a serenidade, o espírito e a forma, a vida e a poesia, a verdade e a beleza que António Corrêa d’Oliveira encontrou nos mais divinos momentos. »
Nos últimos anos de vida, com o agravamento da “doença implacável”, o Poeta, que já suportara a dor da perda do primeiro filho e a morte da esposa tão amada, padeceu a perda total da vista. Faltava-lhe isto para até ao fim se irmanar mais « Daquele homem que foi Santo / E que fez versos também. »