Quisera eu depois desta sombria série à sombra de Laranjeira, divertir com assuntos mais amenos para desfastio do leitor. Infelizmente, não me deixam e não posso. Não posso moralmente deixar de tomar posição diante de certos acontecimentos da actual conjuntura social portuguesa. Refiro-me a um sector que é precisamente aquele onde o médico Manuel Laranjeira tinha esperanças de aplicar uma terapia regeneradora da vida nacional, como
vimos aqui. E não só ele como tantos e tantos outros antes e depois dele, desde a reforma anti-jesuítica pombalina dos Estudos Menores e os debates parlamentares de 1820-22, que precederam a aprovação da primeira Constituição escrita em Portugal. E embora ele não precise, também não posso deixar o nosso Alexandre aqui só, a comentar um assunto que tem valiosa e valorosamente enfrentado em sucessivos e oportunos postais.
Trata-se da situação que se vive no sistema público de educação, principalmente aos níveis do básico e do secundário. Dentro e fora do sistema, tenho ouvido e lido observadores de diferentes quadrantes ideológicos concluírem todos numa palavra que se me figura o termo mais comedido e exacto: - “
catástrofe”. Ou, com equivalente conotação, também estoutro: - “
caos”.
A situação tem causas próximas, com 34 anos de idade; outras mais longínquas, que podem remontar a datas como as relembradas acima. Compreende-se que se os erros acumulados vêem de longe, os efeitos se possam tornar com o tempo mais agudos, dolorosos e intratáveis. Mas, para além do passivo, o que faz peculiar a extrema gravidade da actual conjuntura é que não se vislumbra para o médio-longo prazo senão mais do mesmo: tenteios erráticos de apagar fogos que não cessam de se multiplicar; repintar ruínas; demolição do pouco que resiste; promoção e venda de falsas remédios; continuado socavar da depressão. Mais reformas sobre reformas, que são remendos sobre remendos.
Na perspectiva do prolongamento indefinido da calamitosa situação, professores e alunos têm de se forrar de paciência e de preservar um mínimo de lucidez possível. Quando se está diante um tal terramoto, temos de reconstruir a partir de novos e mais sólidos fundamentos. Tudo tem de ser repensado desde os princípios. Infelizmente, os cidadãos em geral, hipnotizados desde os anos 80 do passado século com as questões económicas, não têm olhado a sério para a educação, a começar nas suas próprias casas. Acresce agora uma geração de pais, na casa dos 34-40 anos, que foi a primeira a afogar-se de todo no caos do sistema público educativo; uma geração pessimamente (des)educada, e que se prepara hoje para assumir responsabilidades na condução da vida pública e política. E as gerações que lhe vão suceder…
Quando se dá uma catástrofe, os que lhe sobrevivem ou calam-se ou falam muito sobre ela. Esta, que é tamanha, tem muito que se lhe diga. Como está para ficar por muitos anos, nem pode no essencial ficar pior, teremos tempo. Para já, desejo aqui dizer apenas duas coisas, e mais uma.
Primeira. Que o assunto “a educação” é subsidiário e dependente doutro mais vasto – que é o homem, singular e colectivo, na sua circunstância cultural e existencial própria. Nenhuma esperança de repor direito o que está torto sem repensar fundo e claro o seguinte: Que é educar um ser humano? Isto é: por que princípios e para quais fins se educam homens e mulheres? Quais são e quais devem ser os principais responsáveis pela educação? Que meios são e devem ser precisos para firmar os princípios e realizar os fins da educação? O que é e o que deve ser educar no actual momento histórico português e mundial? Tais as primeiras e principais questões para que os pais, encarregados de educação, e cidadãos em geral deviam abrir bem os olhos da sensibilidade e da inteligência – para não se queixarem depois da qualidade da vida social que têm. Também se deixa ver claramente que as respostas a estas questões, pedagogicamente decisivas, dependem de uma mais fundamental: - o que significa ser humano? Cuja resposta não pode deixar de ser dada e, de facto, sempre é dada, mais ou menos conscientemente, mais ou menos inconscientemente, por cada época. A da nossa época, nesta parte do mundo intoxicada de consumismo hedonista e tecnodependência, é uma resposta típica e, só por si, muito reveladora e relevante para o estado de coisas a que chegámos.
Segunda. Que, na actual conjuntura portuguesa, estou inteiramente solidário com os professores que de há anos, com tenacidade admirável, amor à profissão e ponderado bom senso têm dado o melhor de si e, tanto quanto possível, têm protegido dum sistema adverso e perverso os mais fracos e menos culpados de todos: as crianças e jovens seus alunos.
Disse que mais uma coisa tinha para dizer. O leitor interessado que a procure no comentário anexo. Não quero eu aqui misturar o sujo com o limpo.
[ Mas digo-lhe já, sobre a imagem supra, que não se enganou se pensou numa escola que foi vandalizada. De facto, trata-se de uma escola abandonada, no interior algarvio, uma das mais de 3 000 que os actuais gestores se propuseram fechar durante a legislatura. Levados pela obcecação orçamentista, mascarada com sofismadas e indemonstradas “vantagens pedagógicas”, contra a vontade dos povos e das autarquias, afastam mais e mais as crianças das famílias e continuam a desertificação humana do interior do país. Os cidadãos decentes não deveriam esquecer que os vândalos, antes de se porem a atacar, sem discriminação séria, a classe dos professores, começaram e continuam a prejudicar os mais fracos e menos culpados de todos. ]