quarta-feira, janeiro 31, 2007
Há uns posts atrás, escrevi sobre a intimação policial dirigida a professores da Madeira que participaram num protesto contra José Sócrates quando o PM visitou a ilha. O caso, por si só, já seria estranho - protestos espontâneos a políticos ocorrem muito frequentemente e sem pedido de autorização. A isto se chama democracia. No entanto, o caso torna-se grave quando ficamos hoje a saber que os docentes tinham pedido a dita autorização. Alberto João já admitiu que se esqueceu de avisar a Polícia.
Como tudo se passou com professores, os judeus do Portugal contemporâneo, o caso morre aqui. Envolvesse a situação médicos, advogados ou outra classe profissional que sangra a sociedade com os seus chorudos honorários, e assunto teria consequências.
Resta-me dizer: tem de comer menos queijo, Dr. Alberto João.
terça-feira, janeiro 30, 2007
É PRECISO MUDAR PARA QUE TUDO FIQUE NA MESMA.
Não gosto de referendos, não gosto de referendos porque:
1. o referendo é uma forma de auscultação da opinião popular, ou seja, os consultores são chamados a dar uma opinião, a partir de uma pergunta já formulada. Ora, não é preciso ser especialista em filosofia da linguagem para saber que qualquer pergunta encerra em si própria o sentido de uma resposta. Não foi por acaso que a pergunta que será colocada aos portugueses no dia 11 de Fevereiro teve um tempo de gestação muito superior à de um ser humano, e, mesmo assim, foi arrancada às doutas cabeças dos senhores deputados e de um inúmero considerável de especialistas, pelo método de fórceps.
2. o referendo é uma forma de auscultação da opinião popular, como tal, não é vinculativa. A actual maioria ou a futura maioria poderá referendar o referendo. Assim, o estatuto jurídico e constitucional do referendo desprestigia todo o acto eleitoral de sufrágio universal. Poderemos pensar que o referendo reforça a democracia. Ao invés, fragiliza-a, torna o acto eleitoral uma mera consulta de opinião, sem o carácter decisório que todo o acto eleitoral democrático deverá sempre ter. Não é por acaso que muitas ditaduras e regimes claramente autoritários recorrem à estratégia do referendo, não deixando, no entanto, por isso, de ser ditaduras.
3. o referendo revela grande fragilidade do sistema político, no que diz respeito à capacidade de decisão da Assembleia da República. Esta fragilidade pode, no futuro, arrastar consigo perigosos bloqueios para o sistema político. Sob a capa democracia, a democracia referendária revela a desresponsabilização do poder político.
4. o referendo é hipócrita. “Votar sim é votar contra a hipocrisia”. Qual hipocrisia? A hipocrisia maior não é o próprio referendo? É exactamente devido a essa hipocrisia que não gosto de referendos e, como tal, não vou votar neste referendo. Porque não referendamos a nossa permanência (ou entrada) na U.E., na NATO, o pacote Laboral, as privatizações das empresas públicas do estado (se o estado somos todos nós?), as propinas, o envio de tropas para o Iraque, a eutanásia, a entrada (ou a saída) de imigrantes, os anos de prisão para os crimes previstos no código penal, etc.? Porque não podemos escolher através do referendo o regime republicano ou monárquico?
Em suma: o referendo banaliza o acto eleitoral, confunde, em vez de esclarecer, enfraquece a democracia.
Não foi por acaso que os legisladores da constituição de 1976 não incluíram o referendo na lei fundamental. Lembro-me, que nessa altura os deputados da Constituinte discutiram se o corpus constitucional deveria ou não permitir o referendo, e, lembro-me, também, que só a direita mais conservadora defendia a democracia referendária. O marasmo a que esta democracia chegou precisa de referendos como “o pão para a boca”. Convido-vos a olhar para os comandantes dos dois movimentos antagónicos. Quem são? As elites de esquerda e da direita, ou seja, a elite portuguesa. O referendo da IVG é a festa da elite portuguesa. Mais uma vez, a mulher que aborta no “vão de escada” não foi convidada para este festim. Alheada de todos os argumentos retóricos da elite, das máquinas partidárias que falam em nome dela, das empresas de publicidade, ela sabe que depois do dia 11 de Fevereiro continuará a abortar no “vão de escada”. Por isso, no dia 11 de Fevereiro, qualquer que seja o resultado, tudo ficará como dantes.
sábado, janeiro 27, 2007
Sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)
Tenho andado a adiar este post por falta de tempo. Mas é urgente debater, é urgente expor as nossas razões.
Começo por dizer que defendo a despenalização da prática da IVG e que (note-se!) seja permitido à mulher interromper a gravidez em condições que não prejudiquem a sua saúde se sentir que não pode levar avante a gestação do feto. Uma mulher, mesmo adolescente, só aborta se estiver plenamente convicta de que não pode levar a gravidez adiante. E nenhuma mulher o fará de ânimo leve, ao contrário do que Prof. Marcelo e outros apoiantes do sim nos querem fazer crer. (Dizer que há quem use a IVG como método contraceptivo é incorrer numa monstruosa desonestidade intelectual.)
No entanto, embora defenda que a mulher deve poder decidir livremente, não subscrevo as posições dominantes do "sim". Isto porque não aceito que o problema ético da IVG se limite à mãe e apenas tenha que ver com a liberdade individual desta. Sou pela despenalização, mas não ignoro que em cada aborto há uma vida que foi interrompida, um ser a quem foi cortada a oportunidade de viver. E, no entanto, problema é mais complexo.
A minha posição decorre, em primeiro lugar, da desarticulação entre a lei (e a “moral” burguesa) e a realidade. Se uma mulher está irredutivelmente determinada a abortar é porque ponderou bem a decisão. Nenhum homem pode saber o que é sentir que se está a gerar um ser como não pode saber o que deve ser abortar num vão de escada. (Sim, creio que uma parte desta problemática decorre do facto de os poderes dominantes – os microfísicos e os macrofísicos – desta sociedade estarem nas mãos dos homens.) O processo de interrupção da gravidez é certamente, em todas as etapas (ponderação, decisão, operação, remorso e culpa), um percurso muito, muito penoso. A mulher tem consciência disto e só passará por este duro processo se não encontrou outra saída, porque não havia outra saída! Isto para dizer que o aborto não desaparecerá como não desaparecerão as condições degradantes em que ele se pratica se o “não” ganhar em 11 de Fevereiro. E, se esse for o resultado do escrutínio, o aborto sobreviverá como problema social, problema de saúde pública e como problema de consciência. Não despenalizar é deixar tudo como está; e deixar tudo como está é péssimo.
O meu segundo argumento decorre do primeiro e prende-se com questões de (in)justiça social. Tendo em conta que uma mulher decidida a abortar (porque não havia outra saída!), abortará, é de uma profunda injustiça que a umas mulheres sejam dadas condições ideais para o fazer e a outras não… porque não têm dinheiro, porque não pertencem a famílias influentes. (O que pretendo aqui dizer é que a todas deviam ser dadas essas condições ideias.) Acresce que as segundas correm risco de vida, risco de terem graves lesões internas (fisiológicas e psicológicas) e de serem processadas judicialmente; as primeiras, não. Voltamos ao problema das desigualdades, que os defensores da penalização aceitam e promovem.
Há ainda dois aspectos que me entristecem muitíssimo em todo este debate. Em primeiro lugar, revolta-me assistir a argumentações falaciosas, demagógicas e estupidificantes que tanto o "sim" como o "não" promovem. Em segundo lugar, custa-me muito que nestes momentos críticos, de embate das placas tectónicas ideológicas do nosso Portugal, venham a emergir no terramoto das ideias gazes e jactos que demonstram que no nosso substrato psíquico permanece uma fortíssima mentalidade salazarista, conservadora, prepotente. É aquela mentalidade que não olha o outro como sujeito nem simpatiza (sym+pathos) com o sofrimento alheio; é a mentalidade egoísta dos que não cumprem a lei mas acham que o outro deve ser punido com punho de ferro; dos que acham que a vida dos outros se passa a preto e branco e que pode ser avaliada em polaridades maniqueístas. Triste vai o meu país que tristemente assim apodrece.
Um problema final. Não sou dos que acha que Portugal tem de andar atrás dos outros países. No entanto, se queremos ser um povo de mentalidade aberta, temos de nos colocar uma questão: o facto de todos os países civilizados já terem despenalizado o aborto (e de o assunto se ter tornado para eles pacífico) não poderá indicar que há justeza nesta posição, que ela representa um passo em frente no progresso social e humano dos povos? Se queremos debater seriamente esta questão teremos forçosamente de ter em conta a situação dos países “avançados”; ignorá-la é reincidir no autismo nacional do “orgulhosamente sós”.
Começo por dizer que defendo a despenalização da prática da IVG e que (note-se!) seja permitido à mulher interromper a gravidez em condições que não prejudiquem a sua saúde se sentir que não pode levar avante a gestação do feto. Uma mulher, mesmo adolescente, só aborta se estiver plenamente convicta de que não pode levar a gravidez adiante. E nenhuma mulher o fará de ânimo leve, ao contrário do que Prof. Marcelo e outros apoiantes do sim nos querem fazer crer. (Dizer que há quem use a IVG como método contraceptivo é incorrer numa monstruosa desonestidade intelectual.)
No entanto, embora defenda que a mulher deve poder decidir livremente, não subscrevo as posições dominantes do "sim". Isto porque não aceito que o problema ético da IVG se limite à mãe e apenas tenha que ver com a liberdade individual desta. Sou pela despenalização, mas não ignoro que em cada aborto há uma vida que foi interrompida, um ser a quem foi cortada a oportunidade de viver. E, no entanto, problema é mais complexo.
A minha posição decorre, em primeiro lugar, da desarticulação entre a lei (e a “moral” burguesa) e a realidade. Se uma mulher está irredutivelmente determinada a abortar é porque ponderou bem a decisão. Nenhum homem pode saber o que é sentir que se está a gerar um ser como não pode saber o que deve ser abortar num vão de escada. (Sim, creio que uma parte desta problemática decorre do facto de os poderes dominantes – os microfísicos e os macrofísicos – desta sociedade estarem nas mãos dos homens.) O processo de interrupção da gravidez é certamente, em todas as etapas (ponderação, decisão, operação, remorso e culpa), um percurso muito, muito penoso. A mulher tem consciência disto e só passará por este duro processo se não encontrou outra saída, porque não havia outra saída! Isto para dizer que o aborto não desaparecerá como não desaparecerão as condições degradantes em que ele se pratica se o “não” ganhar em 11 de Fevereiro. E, se esse for o resultado do escrutínio, o aborto sobreviverá como problema social, problema de saúde pública e como problema de consciência. Não despenalizar é deixar tudo como está; e deixar tudo como está é péssimo.
O meu segundo argumento decorre do primeiro e prende-se com questões de (in)justiça social. Tendo em conta que uma mulher decidida a abortar (porque não havia outra saída!), abortará, é de uma profunda injustiça que a umas mulheres sejam dadas condições ideais para o fazer e a outras não… porque não têm dinheiro, porque não pertencem a famílias influentes. (O que pretendo aqui dizer é que a todas deviam ser dadas essas condições ideias.) Acresce que as segundas correm risco de vida, risco de terem graves lesões internas (fisiológicas e psicológicas) e de serem processadas judicialmente; as primeiras, não. Voltamos ao problema das desigualdades, que os defensores da penalização aceitam e promovem.
Há ainda dois aspectos que me entristecem muitíssimo em todo este debate. Em primeiro lugar, revolta-me assistir a argumentações falaciosas, demagógicas e estupidificantes que tanto o "sim" como o "não" promovem. Em segundo lugar, custa-me muito que nestes momentos críticos, de embate das placas tectónicas ideológicas do nosso Portugal, venham a emergir no terramoto das ideias gazes e jactos que demonstram que no nosso substrato psíquico permanece uma fortíssima mentalidade salazarista, conservadora, prepotente. É aquela mentalidade que não olha o outro como sujeito nem simpatiza (sym+pathos) com o sofrimento alheio; é a mentalidade egoísta dos que não cumprem a lei mas acham que o outro deve ser punido com punho de ferro; dos que acham que a vida dos outros se passa a preto e branco e que pode ser avaliada em polaridades maniqueístas. Triste vai o meu país que tristemente assim apodrece.
Um problema final. Não sou dos que acha que Portugal tem de andar atrás dos outros países. No entanto, se queremos ser um povo de mentalidade aberta, temos de nos colocar uma questão: o facto de todos os países civilizados já terem despenalizado o aborto (e de o assunto se ter tornado para eles pacífico) não poderá indicar que há justeza nesta posição, que ela representa um passo em frente no progresso social e humano dos povos? Se queremos debater seriamente esta questão teremos forçosamente de ter em conta a situação dos países “avançados”; ignorá-la é reincidir no autismo nacional do “orgulhosamente sós”.
quinta-feira, janeiro 25, 2007
Da profissão docente como escarro humano
Ia escrever um breve post sobre o prémio para o melhor professor de Portugal, que o Ministério da Educação quer imbecilmente instituir. Ia desmontar as finalidades demagógicas deste "prémio" e denunciar que é impossível apurar com justiça quem é o melhor profissional de uma área e que não pode haver critérios uniformes para avaliar professores de tão diferentes domínios. Tudo é demasiado absurdo.
Mas opto por cortar por outro caminho. Acabo de ouvir na rádio que os professores que se manisfestaram contra o Primeiro-Ministro na Madeira, há umas semanas atrás (quando Sócrates esteve na ilha), foram intimados a comparecer perante as autoridades policiais. Não pode ser! Tem de ser erro do jornalista ou das suas fontes! Desde quando alguém recebe uma intimação da polícia por se juntar com uns amigos e protestar com palavras de ordem contra um político? Será que os tribunais vão alegar que se tratou de uma manifestação não autorizada? É uma atitude prepotente! É fascista! É injusta, porque a ninguém acontece isto em circunstâncias análogas! Será que isto só ocorre porque aqueles que portestaram são professores, membros daquelas profissão estéril, desprezível, asquerosa?
terça-feira, janeiro 23, 2007
A facção guterrista do padre melícias
Tendo andado em giro pela cidade, chamou-me especial atenção a campanha do PS em relação à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). A tónica geral da publicidade vai, não para recomendar o voto no sim (que é o que este partido defende, não é? será? estou em duvida que seja), mas para conjurar a abstenção.
Tudo isto nos leva a pensar que a campanha do PS serve dois objectivos distintos: por um lado, tentar, subrepticiamente, inculcar o sim; por outro lado, apaziguar a facção guterrista do padre melícias. Deste modo, ganhe quem ganhar, poderão sempre reclamar vitória.
"Como Bem Cavalgar Em Cima dos Portugueses para Ter um Bom Lugar na Europa".
Finalmente, o M.E fez saber que foi suspensa a aplicação da TLEBS e a sua generalização só entraria em vigor no ano de 2008/2009, apesar de, ainda há pouco tempo, responsáveis da tutela declaravam ser obrigatória a aplicação da nova terminologia. O M.E. fez saber ainda que a sua experimentação manter-se-á, caso as escolas decidam a sua aplicação para o presente ano lectivo.
Deste comunicado podemos concluir que:
Deste comunicado podemos concluir que:
a. os processos autoritários e golpistas nem sempre são bem sucedidos, sobretudo, quando há uma opinião pública esclarecida e interveniente.
b. este M.E. autoritário e centralista, tal como em outras ocasiões, quando se encontra em apuros, deixa para as escolas o que não é capaz de resolver.
c. ao protelar para 2008/2009, o M.E. não faz a mínima intenção de aplicar a TLEBS e, desta forma, o assunto está encerrado para a actual tutela.
Ora, esta última constatação demonstra que o ânimo, a moral e a prosápia deste M.E., em particular, e do governo, em geral, estão a chegar ao nível zero. O governo sabe que em 2009 estará de saída e deixará atrás de si um rasto de problemas, não apenas a TLEBS, mas, pior ainda, a taxa de desemprego mais alta da união europeia, um pacote laboral neoliberal, muito pior do que o pacote do famigerado Bagão Felix, o que irá agravar mais a situação económica dos trabalhadores por conta de outrém - o ministro Augusto Santos Silva ex-maoísta, neoliberal convertido, anunciou, recentemente, a necessidade de revisão do pacote laboral, ou seja, a introdução do conceito de flexisegurança, termo pomposo, tão ao gosto da esquerda moderna e europeia e que significa, simplesmente, mais facilidade em despedir.
Assim, perante este panorama e a pensar no seu futuro, o Engenheiro tem-se esforçado por agradar à união europeia. As declarações de Sócrates na cimeira dos países europeus da orla mediterrânica, o apagamento progressivo do ministro dos negócios estrangeiros e, consequentemente, a substituição deste pela figura do primeiro-ministro mostram que Sócrates não deseja voltar a ser comentador ou entertainer de uma qualquer televisão. Sócrates segue o manual de fuga de Durão Barroso, cujo título parece ser o seguinte:
"Como Bem Cavalgar Em Cima dos Portugueses para Ter um Bom Lugar na Europa".
Diz-se que Durão serviu o café a Bush e a Blair naquele fatídico encontro para muitos soldados americanos, ingleses e milhares de iraquianos. O futuro de Sócrates dependerá do café que irá servir aos países ricos da união, quando for presidente do governo da U.E. Sócrates, com certeza, não desperdiçará essa grande oportunidade. Os ricos ficarão gratos, tal como tinham ficado Bush e Blair, e recompensarão Sócrates. Os socialistas, se então os houver, dirão: "é uma honra ter portugueses em tão elevados cargos". E nós, desempregados, trabalhadores por conta de outrém, por cá, 34 anos depois do 25 de Abril, dada vez mais pobres, orgulhosamente pobres.
Razões para não aceitar a liberalização do aborto, por P. Isidoro (I)
Concidadã / Concidadão:
- Isto é para leres a sós com a tua consciência -
Mais uma vez os portugueses são convocados a um referendo para alargar a despenalização do aborto. Já temos em Portugal, desde 1984, uma lei que não penaliza o aborto nos seguintes prazos e circunstâncias: até às 12 semanas de gravidez, se houver perigo de morte ou grave lesão para o corpo e a saúde da mulher; até às 24 semanas, quando for previsível que a criança venha a sofrer de grave doença ou malformação congénita, incuráveis; até às 16 semanas, em caso de ofensas sexuais como violação ou incesto; sem prazo limite, se for o único meio de remover perigo de morte ou de irreversível lesão para o corpo e a saúde da mulher.
Em 28 de Junho de 1998 a pergunta posta a referendo foi esta, e será a mesma no próximo dia 11 de Fevereiro:
“Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”
A resposta maioritária foi NÃO. Mas, logo na noite dos resultados, alguns políticos prometeram que voltariam a repor o assunto. Esta promessa não a deixaram eles por cumprir. Em Abril de 2005 a Assembleia da República aprovou um projecto de lei que despenaliza a interrupção da gravidez “a pedido da mulher”, até às 10 semanas. Mas não só. Nesse mesmo projecto de lei aprovado, a que o próximo referendo se reporta, há uma alínea que alarga a despenalização, “por razões de ordem económica e social”, - até às 16 semanas. Contudo, a pergunta que irá ser apresentada a referendo fala apenas do caso “a pedido” ou “por opção” da mulher, até às 10 semanas. Se o “sim” for maioritário e o projecto de lei aprovado se transformar sem alterações em lei da República, isto significa o seguinte: Que os cidadãos irão votar as 10 semanas mas – sem o saberem – também estarão a autorizar as 16 semanas “por razões de natureza económica ou social”… Como estas “razões” também, evidentemente, não excluem o “pedido” e a “opção”, a liberalização do aborto pode vir a estender-se na prática até às 16 semanas, prazo que se mantém nos casos de violação.
O que é que sucedeu na realidade do mundo nestes quase nove anos de intervalo que justifique alterar a lei actual e permitir o aborto “a pedido” ou por mera “opção”? Não se sabe. O que se sabe é que, já desde Maio de 2002, a mesma Assembleia da República aprovou que se encomendasse a realização de um estudo cientificamente credível sobre a situação do aborto clandestino; sabe-se que até hoje o estudo continua por fazer, mas que no orçamento da Assembleia para 2007 ainda há provisão de verba para tal estudo… Isto é: primeiro aprovam-se leis e fazem-se referendos, depois encomendam-se estudos! Sabe-se também dos números sobre abortos clandestinos divulgados por grupos e instituições interessadas na despenalização do aborto, como sejam clínicas privadas estrangeiras que neste momento têm já no ministério da Saúde pedidos de autorização para operarem no nosso país. E o que mais se sabe é o mesmo que sempre se soube. Que há uma realidade clandestina feita de conhecimentos pessoais, apartamentos privados e de um segredo cúmplice que interessa a todas as partes envolvidas manter o mais possível. Que há situações pessoais muito dolorosas em que as mulheres se encontram, às vezes ainda jovens de menor idade, abandonadas ou ameaçadas por companheiros e familiares próximos. Que há violações e relações incestuosas, situações de tal modo chocantes que à primeira vista são sentidas como insuportáveis ou desesperadas. Mas também, quantas vezes, apenas leviana inconsciência, insensibilidade moral e comodismo egoísta. Compreende-se que se pense fazer e se façam abortos. Tudo isso se sabe, como também se sabe que os contraceptivos se encontram disponíveis e baratos por toda a parte, e que para casos de imprevista necessidade ou mero “descuido” as “pílulas do dia seguinte” são acessíveis gratuitamente nos centros de saúde, hospitais ou farmácias, até sem receita médica.
- Isto é para leres a sós com a tua consciência -
Mais uma vez os portugueses são convocados a um referendo para alargar a despenalização do aborto. Já temos em Portugal, desde 1984, uma lei que não penaliza o aborto nos seguintes prazos e circunstâncias: até às 12 semanas de gravidez, se houver perigo de morte ou grave lesão para o corpo e a saúde da mulher; até às 24 semanas, quando for previsível que a criança venha a sofrer de grave doença ou malformação congénita, incuráveis; até às 16 semanas, em caso de ofensas sexuais como violação ou incesto; sem prazo limite, se for o único meio de remover perigo de morte ou de irreversível lesão para o corpo e a saúde da mulher.
Em 28 de Junho de 1998 a pergunta posta a referendo foi esta, e será a mesma no próximo dia 11 de Fevereiro:
“Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”
A resposta maioritária foi NÃO. Mas, logo na noite dos resultados, alguns políticos prometeram que voltariam a repor o assunto. Esta promessa não a deixaram eles por cumprir. Em Abril de 2005 a Assembleia da República aprovou um projecto de lei que despenaliza a interrupção da gravidez “a pedido da mulher”, até às 10 semanas. Mas não só. Nesse mesmo projecto de lei aprovado, a que o próximo referendo se reporta, há uma alínea que alarga a despenalização, “por razões de ordem económica e social”, - até às 16 semanas. Contudo, a pergunta que irá ser apresentada a referendo fala apenas do caso “a pedido” ou “por opção” da mulher, até às 10 semanas. Se o “sim” for maioritário e o projecto de lei aprovado se transformar sem alterações em lei da República, isto significa o seguinte: Que os cidadãos irão votar as 10 semanas mas – sem o saberem – também estarão a autorizar as 16 semanas “por razões de natureza económica ou social”… Como estas “razões” também, evidentemente, não excluem o “pedido” e a “opção”, a liberalização do aborto pode vir a estender-se na prática até às 16 semanas, prazo que se mantém nos casos de violação.
O que é que sucedeu na realidade do mundo nestes quase nove anos de intervalo que justifique alterar a lei actual e permitir o aborto “a pedido” ou por mera “opção”? Não se sabe. O que se sabe é que, já desde Maio de 2002, a mesma Assembleia da República aprovou que se encomendasse a realização de um estudo cientificamente credível sobre a situação do aborto clandestino; sabe-se que até hoje o estudo continua por fazer, mas que no orçamento da Assembleia para 2007 ainda há provisão de verba para tal estudo… Isto é: primeiro aprovam-se leis e fazem-se referendos, depois encomendam-se estudos! Sabe-se também dos números sobre abortos clandestinos divulgados por grupos e instituições interessadas na despenalização do aborto, como sejam clínicas privadas estrangeiras que neste momento têm já no ministério da Saúde pedidos de autorização para operarem no nosso país. E o que mais se sabe é o mesmo que sempre se soube. Que há uma realidade clandestina feita de conhecimentos pessoais, apartamentos privados e de um segredo cúmplice que interessa a todas as partes envolvidas manter o mais possível. Que há situações pessoais muito dolorosas em que as mulheres se encontram, às vezes ainda jovens de menor idade, abandonadas ou ameaçadas por companheiros e familiares próximos. Que há violações e relações incestuosas, situações de tal modo chocantes que à primeira vista são sentidas como insuportáveis ou desesperadas. Mas também, quantas vezes, apenas leviana inconsciência, insensibilidade moral e comodismo egoísta. Compreende-se que se pense fazer e se façam abortos. Tudo isso se sabe, como também se sabe que os contraceptivos se encontram disponíveis e baratos por toda a parte, e que para casos de imprevista necessidade ou mero “descuido” as “pílulas do dia seguinte” são acessíveis gratuitamente nos centros de saúde, hospitais ou farmácias, até sem receita médica.
(Continua no post seguinte)
Razões para não aceitar a liberalização do aborto, por P. Isidoro (II)
(Continuação do post anterior.)
Mas as situações más da vida não tornam um bem aquilo que o aborto faz. Seja numa clínica privada, seja num hospital público ou seja numa casa particular (com menos segurança mas mais privacidade), aquilo que o aborto faz não é apenas “interrupção da gravidez”. O que está em questão neste referendo não é simplesmente tornar lícito que, “a pedido” ou “por opção”, a mulher possa interromper um problema apenas seu ou livrar-se de aborrecimentos e incómodos apenas seus. O que está em questão possibilita optar por interromper uma vida que não é dela.
Nenhum cientista e nenhum médico honestos podem negar aquilo que hoje as ecografias puseram à vista de todos os que não queiram ver apenas os seus problemas: às 10 semanas, como desde a primeira hora, está vivo um novo ser humano, que não é nenhuma parte do corpo da mulher que o traz em si. Há um novo ser humano vivo que pesa cerca de 15 gramas, que tem cerca de 5 centímetros de comprimento, com músculos nos membros, no tronco e na face; tem olhos, orelhas, ouvidos, abre e fecha a boca; nas mãos, já tem as impressões digitais que conservará pelo resto da sua vida; o sistema cardiovascular já está desenvolvido e o pequeno coração bate cerca de 175 vezes por minuto. Está vivo e é em tudo semelhante ao que cada um de nós era quando tínhamos aquele tempo de vida. Portanto, por mais que custe ou não interesse a alguns encarar esta realidade, aquilo que o aborto faz é matar a vida de um novo ser humano, e que não tem culpa nenhuma das situações aborrecidas em que os outros se metem ou são metidos. Mais: não apenas sem culpa, mas completamente indefeso e à mercê do que os outros lhe queiram fazer. E não tenhamos medo de chamar a realidade nua e crua pelo seu nome: agir alguém de maneira a procurar matar a vida de um ser humano chama-se homicídio. É este o preço que custa o garantir antes do mais e acima de tudo os direitos da mulher à “autodeterminação sexual” e à “maternidade consciente”, como se ela não tivesse autodeterminação e consciência antes de ter relações sexuais; como se os seus companheiros e familiares próximos não existissem; como se houvesse algum direito a dispor da sua vontade sem o dever de respeitar a vida de outros, cujo único “mal” é existirem sem culpa nenhuma disso.
Se o aborto implica a morte de um ser humano indefeso e que não ameaça a vida de ninguém, é racionalmente compreensível e moralmente exigível que o Estado e a Lei não se demitam do dever de defender por todos os meios legítimos as vidas de todos nós, e primeiro que tudo as vidas dos menos culpados e mais indefesos. O Estado, os governos, os tribunais e a polícia existem e justificam-se precisamente para assegurarem esse direito básico a viver a sua vida quem não faz mal nenhum. O que não há é direito ou razão nenhuma médica, social ou moral para defender a despenalização do aborto a pedido até às 10 semanas e depois criminalizá-lo às 11, 12 ou mais semanas. Portanto, se vencer o “sim” no referendo e a nova lei for cumprida, nem por isso as mulheres deixarão de poder ser acusadas e julgadas em tribunal. Mas se por simples “pedido” ou mera “opção” o aborto for liberalizado, o certo é que aumentará o número de abortos legais; os clandestinos, que em nenhum país se demonstrou que tivessem diminuído, não desaparecerão porque sempre garantem maior segredo; e dá-se à sociedade a ideia de que o aborto pode ser mais um método contraceptivo “de emergência”, igual a outros, com menosprezo da vida humana inocente.
Concidadã / Concidadão:
É do teu interesse, é do interesse de todos nós, a defesa do direito fundamental à vida e o dever de a proteger. É do interesse de todos nós que a nossa sociedade seja menos injusta. Não podemos escandalizar-nos que as crianças, depois de nascerem, sejam vítimas de pedófilos, e não nos escandalizarmos que, antes de nascerem, sejam mortas. É do teu e do nosso maior interesse que o poder público do Estado esteja ao serviço dos mais fracos e não dos interesses e direitos dos mais fortes. Se o aborto é um homicídio, isso equivale a não penalizar o homicídio dos mais pequeninos e fracos dos seres humanos. Considera bem a situação em que hoje está a nossa sociedade portuguesa e o estado da justiça no nosso país. Não deixes, com a tua abstenção, que venham alargar os prazos e facilitem os casos em que se pode fazer o mal. Não penses que a lei não obriga ninguém a abortar. Não obriga, mas facilita e permite. A liberdade de abortar é licença para matar. Não deixes de lembrar aos mandantes políticos que ao menos tu ainda não toleras que a lei dos mais fortes triunfe sobre os mais fracos – e ainda não abdicaste de defender a JUSTIÇA.
Concidadã / Concidadão:
É do teu interesse, é do interesse de todos nós, a defesa do direito fundamental à vida e o dever de a proteger. É do interesse de todos nós que a nossa sociedade seja menos injusta. Não podemos escandalizar-nos que as crianças, depois de nascerem, sejam vítimas de pedófilos, e não nos escandalizarmos que, antes de nascerem, sejam mortas. É do teu e do nosso maior interesse que o poder público do Estado esteja ao serviço dos mais fracos e não dos interesses e direitos dos mais fortes. Se o aborto é um homicídio, isso equivale a não penalizar o homicídio dos mais pequeninos e fracos dos seres humanos. Considera bem a situação em que hoje está a nossa sociedade portuguesa e o estado da justiça no nosso país. Não deixes, com a tua abstenção, que venham alargar os prazos e facilitem os casos em que se pode fazer o mal. Não penses que a lei não obriga ninguém a abortar. Não obriga, mas facilita e permite. A liberdade de abortar é licença para matar. Não deixes de lembrar aos mandantes políticos que ao menos tu ainda não toleras que a lei dos mais fortes triunfe sobre os mais fracos – e ainda não abdicaste de defender a JUSTIÇA.
Pedro Isidoro
segunda-feira, janeiro 22, 2007
Sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez
Chegou a altura de, também neste blogue, se debater a questão que irá a votos no próximo referendo nacional. Até ao dia 11 de Fevereiro, contamos com posts dos colaboradores do Tonel bem como de colegas e amigos que mostraram a intenção de fazer desta página virtual o veículo das suas posições e dos seus argumentos. Queremos promover o debate e daremos voz a posições de ambos os lados da contenda. Não cerraremos, pois, fileiras em torno de uma das posições, embora, pelo que já percebi, todos (ou quase todos) os membros do Tonel venham a pronunciar-se pela mesma opção no referendo – pelo sim.
Como prova da nossa intenção de promover o debate, o primeiro texto a ser aqui publicado, que já está escrito, apresenta uma reflexão lúcida, bem sustentada e com argumentos honestos e válidos contra a despenalização da IVG. Será publicado ainda hoje.
Como prova da nossa intenção de promover o debate, o primeiro texto a ser aqui publicado, que já está escrito, apresenta uma reflexão lúcida, bem sustentada e com argumentos honestos e válidos contra a despenalização da IVG. Será publicado ainda hoje.
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(Fotografia de Barbara Kruger, Your body is a battleground, 1989.)
sábado, janeiro 20, 2007
Sylvian & Sakamoto - Forbidden Colours
Voltando à falta de interesse e ao xarope açucarado que são as letras das músicas pop (nas suas várias ramificações), apresento aqui uma música cujo poema cantado me parece interessante e esteticamente bem conseguido. Tentarei explicar brevemente porquê. (Ver o texto aqui, aqui ou aqui.)
A música foi composta para o filme Feliz Natal, Mr. Lawrence, cuja acção se passa num campo de concentração japonês durante a Segunda Grande Guerra. O exemplar comandante do campo, que nos recorda Mishima, apaixona-se por um prisioneiro inglês (que evoca a figura de T.E. Lawrence). O oficial japonês vê-se então dividido entre um sentimento proibido e ignominioso e o sentido de dever e dedicação a uma nação (e ao seu regime) com um forte código de honra e que não concebe os indivíduos como sujeitos.
Esse conflito interior é projectado de forma interessante no poema. Aí se assiste à encenação da tensão aguda entre a vontade do eu e as forças que o constrangem (pressão social, noção de honra, obrigação para com o Imperador e o regime que decai). Acho ainda bem conseguida a forma como a imagética cristã se cruza com e se adequa a representar a situação do povo japonês (e do oficial nipónico): sacrifício, fé, sangue, desvalorização do eu e daquilo que é terreal são eixos dessa relação.
Cores proibidas (Forbidden Colours) é, em japonês, um eufemismo para aludir à homossexualidade, além de ser o título de um romance de Mishima. A personificação "My love wears forbidden colours" é lindíssima!
A música foi composta para o filme Feliz Natal, Mr. Lawrence, cuja acção se passa num campo de concentração japonês durante a Segunda Grande Guerra. O exemplar comandante do campo, que nos recorda Mishima, apaixona-se por um prisioneiro inglês (que evoca a figura de T.E. Lawrence). O oficial japonês vê-se então dividido entre um sentimento proibido e ignominioso e o sentido de dever e dedicação a uma nação (e ao seu regime) com um forte código de honra e que não concebe os indivíduos como sujeitos.
Esse conflito interior é projectado de forma interessante no poema. Aí se assiste à encenação da tensão aguda entre a vontade do eu e as forças que o constrangem (pressão social, noção de honra, obrigação para com o Imperador e o regime que decai). Acho ainda bem conseguida a forma como a imagética cristã se cruza com e se adequa a representar a situação do povo japonês (e do oficial nipónico): sacrifício, fé, sangue, desvalorização do eu e daquilo que é terreal são eixos dessa relação.
Cores proibidas (Forbidden Colours) é, em japonês, um eufemismo para aludir à homossexualidade, além de ser o título de um romance de Mishima. A personificação "My love wears forbidden colours" é lindíssima!
quinta-feira, janeiro 18, 2007
Como estoirar dinheiro e ficar a rir da miséria alheia
Li hoje num jornal que se vai gastar um milhão e meio de euros(!) na propaganda para o referendo ao aborto. É obsceno! É insultuoso! Tal facto só atesta a instrumentalização política e ideológica desta importante e seriíssima questão social. Aliás, os partidos, a Igreja e outras instituições sempre se quiseram aproveitar de forma suja desta forma de sofrimento humano.
Por outro lado, este também não é o único problema da sociedade portuguesa. E, tendo em conta que a argumentação mediática (onde este dinheiro será maioritariamente queimado) pouco peso terá no desfecho do referendo, este gasto torna-se uma vergonha. Já imaginaram o que produziria um milhão e meio de euros bem investidos (disse investidos, não disse gastos, nem desbaratados) no combate à pobreza? Este país está um circo, uma palhaçada em que todos pagam para ver os palhaços, se riem e ainda aplaudem no fim.
terça-feira, janeiro 16, 2007
Pixies: Monkey Gone to Heaven Live
Enquanto não respondo aos comentários simpaticamente deixados pela Sr.ª Flor dos Alpes e pelo João (Oliveira Pinto) sobre o valor estético das letras da música pop, deixo esta versão ao vivo do célebre 'Monkey', dos Pixies. Amigos meus muito louvaram a "poesia" desta letra. Claro que desde há muito gosto da música dos Pixies, pero...
"If man is five, then the devil is six and God is seven." Isto está errado à luz da simbologia cristã. Aí, o homem é representado pelo número quatro, Deus pelo três. (Sete é o número da Igreja e da religião: 3+4.) Coisas...
Enquanto não respondo aos comentários simpaticamente deixados pela Sr.ª Flor dos Alpes e pelo João (Oliveira Pinto) sobre o valor estético das letras da música pop, deixo esta versão ao vivo do célebre 'Monkey', dos Pixies. Amigos meus muito louvaram a "poesia" desta letra. Claro que desde há muito gosto da música dos Pixies, pero...
"If man is five, then the devil is six and God is seven." Isto está errado à luz da simbologia cristã. Aí, o homem é representado pelo número quatro, Deus pelo três. (Sete é o número da Igreja e da religião: 3+4.) Coisas...
segunda-feira, janeiro 15, 2007
Saudação ao novo colaborador
Cumpre este aranzel dois objectivos, o que para a minha emaranhada cabeça é tarefa de monta. É desígnio do primeiro saudar o novo colaborador cá desta Barrica, tanto vento soprou nos moinhos (pois é, já não há moinhos, há só aquelas coisas da energia eólica) e ainda não me convenci que a Barrica não é Barrica mas Tonel. Pela amostra que temos isto vai animar. Mostrar a publicidade, na sua grande maioria enganosa, da política é tarefa que nos cumpre a todos, ela é a cenoura no horizonte visual da besta.
O outro objectivo é dizer qualquer coisinha sobre a aberração daquele concurso do português mais famoso, ou qualquer coisa no género. Já aqui tinhamos feito alguns comentários sobre a comparação entre figuras incomparáveis. Porém, o melhor estava guardado para o fim. Neste último fim de semana foram apresentados os 100 mais (porquê só cem? Fazia-se o português mais famoso II e por aí adiante. Bem vistas as coisas, com algum engenho ainda se fazia uma novelazita). Os comentadores convidados, a par de alguns conhecidos especialistas na matéria. iam do sério ao risível, numa vertigem que a imaginação é impotente para alcançar.
Vai mais uma palavrinha para tornar este texto incoerente: já alguém viu aquela do eu sou dono dum banco? Alguém viu se eles pediam a quota correspondente aos lucros? Podem responder, se tiverem alguma informação útil, para aqui ou para as mensagens da Barrica.
O oráculo da economia lusa
O oráculo da economia lusa, o Banco de Portugal fez saber, pela voz do seu governador, que o país iria crescer 1,8 %, neste ano de 2007, embora muito abaixo da média europeia, e o consumo privado 1,5 %. De imediato, as empresas de comunicação social e certos blogs da esquerda fingida matraquearam e repetiram até ao enjoo as grandes previsões do sacrossanto oráculo. Portugal, este jardim à beira-mar plantado, teria, neste ano de 2007, um florescimento económico por obra e graça do grande timoneiro Engenheiro José Sócrates, esse socialista que se prepara para oferecer de bandeja as acções que o estado tem na PT à sonae.com. Parece estranho, mas da boca do governador não se ouvira nem uma única palavra sobre os 500 mil desempregados. Esta omissão e todo o discurso laudativo encomendado, sob a forma de avenças e recibos verdes, mostra que não se pode levar muito a sério as palavras do oráculo. Aliás, todos se lembram das previsões e das sucessivas falsas partidas de retoma durante o governo de Durão, enquanto que a dívida pública subia alegremente para 6,8%. Veja-se por exemplo o Público on line de 7 /1/2004 “O Banco de Portugal também prevê para 2004 o início da retoma económica anunciada segunda-feira por Durão Barroso no tempo de antena do PSD ...”.
Ao fim e ao cabo, é compreensível e humanamente desculpável: o cargo de governador do Banco de Portugal depende directamente do governo. Quase sempre, esquecemo-nos disso.
Ao fim e ao cabo, é compreensível e humanamente desculpável: o cargo de governador do Banco de Portugal depende directamente do governo. Quase sempre, esquecemo-nos disso.
domingo, janeiro 14, 2007
Areia para os olhos: os médicos e os proprietários das farmácias
No final da semana passada e já nesta, ouvimos representantes da classe médica e dos proprietários de famácias defenderem demagógica e mediocremente o seu repúdio por dois projectos legislativos governamentais, que, a serem implementados, prejudicariam, de facto, os privilégios feudais dos membros destes grupos profissionais.
No primeiro caso, a medida resume-se a exigir que os médicos piquem o ponto; ou seja, que prestem contas a quem lhes paga (o Estado, i.e., todos nós). Arguentaram os médicos que tal seria indigno para profissionais de tão distinto ofício. (Como, enquanto professor, tenho de picar o ponto hora a hora, já percebi a razão por que a dignidade da profissão docente anda pela lama.) Acrescentaram depois outro motivo para o sem-sentido da medida: no caso da actividades médica, e pelos seus contornos específicos, "picar o ponto não fazia sentido". Assim, ipsis uerbis e sem mais. Brilhante peça de argumentação! Na realidade, só pode haver um motivo para os médicos não quererem que as suas entradas ao serviço e as suas saídas sejam controladas; e este tem de ser os médicos não cumprirem os horários. Ora, em muitos casos tal acontece porque desempenham no sector privado funções profissionais cujos horários colidem com o horário de serviço no Estado. Que chatice!
Há uns dois ou três dias vieram os proprietários das farmácias contestar o projecto de medida do governo no sentido de liberalizar o negócio das farmácias. Se a legislação vai avante, qualquer cidadão poderá abrir um loja para vender medicamentos, direito que hoje apenas é usufruído pelos farmacêuticos. Advogam estes que é necessário que o dono de uma famácia seja um famacêutico, para poder aconselhar o cliente, dizem. Não basta que haja um responsável técnico permamente; o famacêutico tem de ser o dono. Se esta lógica pegasse, a dona de uma casa de alterne tinha de ser uma alternadeira e à frente de um restaurante tinham de estar um enólogo e um gastrónomo. O único aspecto positivo desta ideia é que nunca teríamos um engenheiro a liderar um governo.
sábado, janeiro 13, 2007
Novo colaborador do Tonel
Os menos atentos não terão ainda notado que o Tonel de Diógnes tem um novo colaborador. Trata-se de Raimundo Lúlio (ou Ramón Llull), o filósofo catalão. Tenho de admitir que, da sua extensa obra, apenas conheço o delicioso Llibre de les bèstias (O livro dos animais), uma animada fábula sobre organização social, poder e artificiosidade política.
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Expresso aqui as boas vindas ao nosso novo escriba. Desejo-lhe inspiração, verve e a acidez necessária na escrita dos seus posts.
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Agora que assegurámos a contratação de Lúlio e de Tiberíades Rambam, estamos a negociar a aquisição de Aristóteles, Protágoras e Heraclito. (Apostamos agora no mercado grego.) Platão já se mostrou indisponível: recusou a nossa proposta dizendo que o dinheiro nada significa para ele. Pfff, Idealistas...!
domingo, janeiro 07, 2007
Eça e os responsáveis pela educação em Portugal (ontem e hoje)
Só mais um apontamento humorístico colhido em 'Os Maias'. Trata-se de uma piada sobre aqueles que estão à frente do Ensino Público em Portugal. Não é só hoje que essas pseudo-luminárias são gente que nada sabe de educação e não consta que tenha biblioteca. Ouçamos:
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"Carlos e Ega foram os derradeiros a sair, depois de um brandy and soda, de que a condessa partilhou, como inglesa forte. E em baixo, no pátio, acabando de abotoar o paletó, Carlos pôde enfim soltar a pergunta que lhe faiscara nos lábios toda a noite:
— Ó Ega, quem é aquele homem, aquele Sousa Neto, que quis saber se em Inglaterra havia também literatura?
Ega olhou-o com espanto:
— Pois não adivinhaste? Não deduziste logo? Não viste imediatamente quem neste país é capaz de fazer essa pergunta?
— Não sei... Há tanta gente capaz...
E o Ega radiante:
— Oficial superior de uma grande repartição do Estado!
— De qual?
— Ora de qual! De qual há-de ser?... Da Instrução Pública!"
— Ó Ega, quem é aquele homem, aquele Sousa Neto, que quis saber se em Inglaterra havia também literatura?
Ega olhou-o com espanto:
— Pois não adivinhaste? Não deduziste logo? Não viste imediatamente quem neste país é capaz de fazer essa pergunta?
— Não sei... Há tanta gente capaz...
E o Ega radiante:
— Oficial superior de uma grande repartição do Estado!
— De qual?
— Ora de qual! De qual há-de ser?... Da Instrução Pública!"
sábado, janeiro 06, 2007
Eça ninguém quer ver!
Por obrigações do ofício, voltei a embarcar na leitura de 'Os Maias'. É sempre um prazer voltar a ler este romance, embora fique sempre com algum peso na consciência porque, enquanto leio as setecentas páginas do livro pela quarta vez, não estou ler outros textos que ainda não li. Mas o humor, o sarcasmo e a perspicácia da crítica social de Eça são suficientes para atenuar o “sentimento de culpa”.
É interessante que Eça tenha sido canonizado como o crítico “por excelência” da sociedade lusa. Como todos sabemos, a crítica eciana (estranho adjectivo!) não se alastra a toda a sociedade; incide sobre a sociedade burguesa. Ora, se ainda vale a pena ler os romances do escritor (e... oh se vale!) então é eles porque ainda fazem algum sentido no presente, ainda nos ajudam a compreender o Homem contemporâneo. E é aí que a porca torce o rabo. Com o crescimento da classe média portuguesa a partir dos anos 80, a sociedade portuguesa emburguesou sebosamente e aprofundou o seu provincianismo e a sua mediocridade mental.
Tudo isso já aparecia em Eça. Mas o que me desconsola é que esta sociedade burguesa canoniza Eça (porque quer passar por culta, embora desdenhe a arte e o saber) mas não quer ver que lá está minuciosamente retratada, na sua imbecilidade e na sua pimbalhice. Quantos Dâmasos Salcedes parolos não encontramos no quotidiano (e não só nas revistas sociais)? Quantos Palmas Cavalões? Quantos Gouvarinhos pimbas? Mas não, optámos hoje por jogar às escondidas com Eça e connosco mesmos: assobia-se para o lado e finge-se que a crítica não nos assenta, que não é connosco. Claro! Descobrirmos o que na verdade somos é a mais assustadora das revelações.
(Caricatura de Dâmaso Salcede; autor não identificado.)
É interessante que Eça tenha sido canonizado como o crítico “por excelência” da sociedade lusa. Como todos sabemos, a crítica eciana (estranho adjectivo!) não se alastra a toda a sociedade; incide sobre a sociedade burguesa. Ora, se ainda vale a pena ler os romances do escritor (e... oh se vale!) então é eles porque ainda fazem algum sentido no presente, ainda nos ajudam a compreender o Homem contemporâneo. E é aí que a porca torce o rabo. Com o crescimento da classe média portuguesa a partir dos anos 80, a sociedade portuguesa emburguesou sebosamente e aprofundou o seu provincianismo e a sua mediocridade mental.
Tudo isso já aparecia em Eça. Mas o que me desconsola é que esta sociedade burguesa canoniza Eça (porque quer passar por culta, embora desdenhe a arte e o saber) mas não quer ver que lá está minuciosamente retratada, na sua imbecilidade e na sua pimbalhice. Quantos Dâmasos Salcedes parolos não encontramos no quotidiano (e não só nas revistas sociais)? Quantos Palmas Cavalões? Quantos Gouvarinhos pimbas? Mas não, optámos hoje por jogar às escondidas com Eça e connosco mesmos: assobia-se para o lado e finge-se que a crítica não nos assenta, que não é connosco. Claro! Descobrirmos o que na verdade somos é a mais assustadora das revelações.
(Caricatura de Dâmaso Salcede; autor não identificado.)
quinta-feira, janeiro 04, 2007
Sobre as letras da música pop
"Somebody told me", The Killers
Versão ao vivo da conhecida música dos The Killers. Como gosto da chamada música alternativa, fico sempre com pena que temas musicais fortíssimos como este não sejam acompanhados por letras mais interessantes. (Os Joy Division tinham mesmo de ressuscitar!) Não sei se os leitores me acompanham nesta ideia. Por que não musicar composições "ousadas" de poetas contemporâneos?
"Somebody told me that you had a boyfriend who looked like a girlfriend I had in February of last year..."
(Perdoem-me os voyeuristas por não ter optado por afixar o vídeo da execução de Saddam.)
"Somebody told me that you had a boyfriend who looked like a girlfriend I had in February of last year..."
(Perdoem-me os voyeuristas por não ter optado por afixar o vídeo da execução de Saddam.)
terça-feira, janeiro 02, 2007
Ilusões de ano novo: reflexão de um pessimista
Que ilusão a dos néscios que crêem que um ano novo lhes pode trazer uma vida nova. Que tolice são as promessas de ano novo, como se alguém fosse fazer nos próximos 365 dias o que não soube fazer nos últimos 365.
E, no entanto...
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Um excelente 2007 para todos!
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(O quadro é de Yuan Zuo e intitula-se O ano novo passou pela aldeia.)