Seres humanos, morte, maquinações e passividade (a propósito do Líbano)
Nesta torrente de discursos políticos, diplomáticos e jornalísticos assistimos ao esvaziamento da dimensão humana do indivíduo distante, neste caso, de cada árabe que morre, que fica ferido, que perde a casa. O olhar asséptico e conformado do Ocidente esforça-se por perspectivar o Outro como um ser-que-não-é-bem-humano (que é incivilizado, que não somos nós) enquanto forma de proteger-se (moral, humana e emocionalmente) de angústias maiores. É quase como se a fenomenologia husserliana se aplicasse à política, mas reformulada: o que não está presencialmente no nosso horizonte de percepção faz parte de outro plano da realidade. A representação, neste caso, não conta como recriação convincente e apelativa da realidade. (Tristemente curiosa é a forma como as tragédias em massa nos tocam: no extermínio dos Judeus, as mortandades e o sofrimento extremo só comoveram a humanidade quando passaram a ser história e quando se tornaram filmes de Hollywood.)
Que papel pode ter o cidadão individual face à guerra fabricada, e artificialmente alimentada, no Médio Oriente? A um prazo imediato, um papel quase nulo. (Se bem que seria possível trabalhar-se para prevenir a longo prazo guerras destas.) Os media têm mais poder. Mas não quando em tempos de tragédia humana se centram em questões como a bola ou os divórcios e as dietas das figuras merdiáticas. (Era apenas risível se não fosse desumano.) Gosto cada vez mais da linha editorial interventiva do jornal inglês The Independent. Sonho ver outros jornais adoptarem posições análogas em causas que agridam os direitos humanos.